A comunicação hegemônica é influenciada por determinados setores, grupos empresariais e classes sociais para a dominação do imaginário social, de forma a favorecer os interesses do capital. Essa é umas das ideias desenvolvidas pelo livro Comunicação em disputa: a luta pelo imaginário da América Latina na Era Trump, de Richard Santos, professor da Universidade Federal do Sul da Bahia.
Essa estratégia, na avaliação de Santos, ajuda a explicar a ascensão da extrema direita no Brasil e no mundo, por exemplo.
“Você entende o imperialismo, a postura de um Donald Trump que retoma ao poder, e como a estratégia de comunicação é replicada na América Latina, no Caribe e no Brasil, em especial, pela extrema direita bolsonarista. Os seguidores de Bolsonaro estão testando novas formas de agir, pensando em 2026”, explica, ao Conversa Bem Viver.
A obra também aborda sobre o epistemicídio, ou apagamento, dos conhecimentos e saberes produzidos no Sul Global, além da necessidade da articulação da resistência por parte das populações oprimidas, que o autor chama de “maiorias minorizadas”.
“A extrema direita tem trabalhado a estratégia de comunicação, para a dominação e alijamento da maioria minorizada, que é o termo que utilizo para dizer sobre a camada da população subalternizada e alijada da emancipação”, analisa.
Confira a entrevista completa:
Brasil de Fato: Como é o cenário da disputa da comunicação atualmente? Como a extrema direita e as grandes empresas, por exemplo, se inserem nesse contexto?
Richard Santos: Esses atores estão buscando controlar o imaginário social. Imaginário é aquela variedade de coisas que vêm à nossa cabeça e fazem com que tomemos as decisões x ou y, ou que não tomemos decisões e fiquemos acomodados vendo, por exemplo, as pessoas buscarem ossos na lata de lixo do caminhão, como vimos no governo passado. É um contexto que faz acreditarmos que somos privilegiados por podermos comer arroz, feijão e ovo, por exemplo. Trato sobre isso no livro.
É essa a comunicação em disputa, a comunicação para a dominação e domesticação. Na estrutura da comunicação do mundo ocidental – não estamos no Ocidente, mas estamos sob a influência do Ocidente, em especial da Europa e dos Estados Unidos –, nós somos subalternizados e a comunicação é para dominação.
É de viés comercial e capitalista, com o objetivo de dominar o imaginário e a construção do pensamento. Você não tem um pensamento independente. O seu gosto não é escolhido a partir de uma série de informações, educação ou leitura. É controlado.
O contrário disso é o fortalecimento da comunicação pública, independente e coletiva. Eu, por exemplo, sou carioca, do Rio de Janeiro. Sou de uma época em que eu saía na rua e ia olhar as bancas de jornais. Tinha um jornal chamado Maioria Falante, que era à esquerda, entre outros. Eles disputavam espaço na banca com O Globo.
Nós não temos mais essa ecologia midiática. Temos direcionamentos e vivemos em bolhas, a bolha do centro, da extrema direita, da esquerda, etc. Nós não temos extrema esquerda no Brasil, como dizem.
A comunicação em disputa é esse desenvolvimento para dominar e nos controlar, apaziguando nossas necessidades e dizendo, por exemplo, que somos abençoados, mesmo saindo para pegar o metrô lotado ou o ônibus que chove dentro, por termos um emprego e irmos ao caminho da exploração.
O livro propõe uma leitura insurgente e decolonial do campo da comunicação. O que isso significa?
Isso nasce a partir de uma perspectiva crítica da sociedade e uma escrita crítica dos dados que temos. Um exemplo muito elogiado é o reconhecimento facial. Uma matéria da Folha de S.Paulo, publicada recentemente, diz que 80% dos processos de reconhecimento facial em pessoas negras acusam erro. Ou seja, é um problema, mas, mesmo assim, tem sido elogiada por muitos, com o argumento de que reduz a criminalidade.
Eu, que sou uma pessoa negra, posso ser confundido e tratado como foi tratado o ator Michael B Jordan, que fez Pantera Negra, que tinha suas informações em banco de dados de reconhecimento facial.
É essa a leitura crítica que eu faço da sociedade e da comunicação. Temos uma imprensa hegemônica enviesada e que responde aos interesses do capital. E responder aos interesses do capital é responder aos interesses de quem paga, de quem financia o comercial e a publicidade dos grandes grupos empresariais, dos oligopólios internacionais, do governo estadunidense, etc.
É por isso que é preciso uma leitura insurgente e decolonial do mundo, porque só assim vamos dar sequência àquilo que está incompleto. Falamos, por exemplo, que em 1822 o Brasil se tornou independente, mas o Brasil até hoje é dependente do capital estrangeiro, das grandes organizações internacionais. Não é um país e não tem um governo independente. Para perceber isso, basta olhar para o nosso parlamento, que é entreguista e antipatriota, apesar de se chamarem de patriotas.
O livro traz essa provocação e a reflexão crítica à individualidade. No atual momento de neoliberalismo acirrado, que Achille Mbembe, autor do conceito de necropolítica, chama de “brutalização da vida”, precisamos retomar a ideia de sociedade comunal. Só vamos sobreviver a partir da comunhão.
Até para os cristãos que andam embarcando na ideia dos extremismos, o socialismo cristão, não o socialismo científico marxista, já falava da necessidade de comunhão e de pluralidade. Precisamos voltar a essa comunhão e pluralidade, se quisermos sobreviver e não sermos apenas gado servindo até o desmanchar dos nossos ossos à burguesia que nos explora.
Por outro lado, tem que ser insurgente. Pensar coletivamente, atuar para o coletivo, é atuar insurgentemente, é atuar para a transformação da sociedade. Eu não estou aqui exortando apenas sobre um partido político x ou y. Eu estou dizendo que, como uma pessoa que gosta de futebol, por exemplo, minha torcida e o meu time deve discutir antirracismo, organização social, a defesa das comunidades, trabalhando coletivamente.
Podemos falar também sobre grupos culturais. O que você faz para sua comunidade? Ou você está apenas trabalhando na perspectiva de lucrar, se atrelar à indústria cultural, virar influência e pensar em si próprio, na individualidade? Essa é a provocação principal, a coluna vertebral do livro.
E aí, quando você trabalha dessa forma, vai entender o imperialismo, a postura de um Donald Trump que retoma ao poder, e como a estratégia de comunicação é replicada na América Latina, no Caribe e no Brasil, em especial, pela extrema direita bolsonarista, mas não personificada somente no Bolsonaro. Os seguidores dele, a partir daquele modelo inicial de Bolsonaro, estão testando novas formas de agir, pensando em 2026, que é o mesmo molde que desenvolveu Milei na Argentina.
Em um capítulo, eu trabalho sobre a comparação Brasil-Argentina na América do Sul e como a extrema direita, mesmo que em tese se diferencie, tem trabalhado a estratégia de comunicação em perspectivas muito próximas, para a dominação e alijamento da maioria minorizada, que é o termo que utilizo para dizer sobre a camada da população subalternizada e alijada da emancipação.
Outra temática abordada no livro é epistemicídio, que seria a morte de outros tipos de conhecimento, em especial os produzidos no Sul Global. Como podemos proteger a diversidade dos saberes do mundo?
Tenho um livro sobre o tema, Maioria minorizada: um dispositivo analítico de racialidade, de 2020, que concorreu inclusive ao prêmio Jabuti, no qual eu discorro justamente sobre epistemicídio e como a maioria minorizada precisa se articular para deixar de ser minorizada.
O que temos no Brasil e no Sul Global é uma minoria dominante. Também é preciso lembrar Clóvis Moura, intelectual e referência que completaria 100 se estivesse vivo. Ele dizia que “não há futuro emancipador sem memória insurgente”, num livro chamado Rebeliões de Clio.
Eu entro no tema do epistemicídio trazendo Clóvis Moura. O termo foi cunhado pelo Boaventura Sousa Santos, sociólogo que traz a ideia de ecologia de saberes e a crítica ao colonialismo, ao eurocentrismo, ou seja, ao mundo padronizado a partir dos saberes e do pensamento europeu e estadunidense.
Nessa lógica, nós reproduzimos esses saberes acriticamente, inclusive negando os nossos próprios conhecimentos, os conhecimentos locais. Isso é o apagamento do nosso conhecimento e do que a gente, enquanto ser humano, produz a partir do nosso lugar.
Historicamente, desde a invasão das Américas, temos a história sendo contada a partir do colonizador, enquanto os saberes dos povos originários e africanos são invisibilizados.
Quando falo que precisamos ser insurgentes e lutar contra o epistemicídio, é cobrar também no âmbito da comunicação a pluralidade de fontes e de referências.
Eu gosto de fazer a tradução, de derrubar os muros das universidades que colocam a universidade distante do povo e dizer: “nesse livro eu tô explicando detalhadamente, articulando saberes vários para dizer sobre a geopolítica da comunicação, as possibilidades de emancipação social e o fortalecimento da democracia por meio das nossas práticas e experiências.
Eu não preciso chamar aqui o intelectual X francês da Universidade Sorbonne e não é que eu esteja negando ele, mas eu posso fortalecer a democracia a partir da experiência, por exemplo, das senhorinhas que, ao tomar café no fim da tarde, discutem a realidade e fortalece a associação comunitária.
Mas a comunicação pasteurizada propositalmente desconstrói isso para a dominação, desconstruindo inclusive os sotaques. Quando você faz essa desconstrução, você desconstrói os laços de identidade comunitária. E aí é mais fácil de dominar essa população, é mais fácil de tirar os alicerces que formam a base de uma comunidade.

Conversa Bem Viver
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