Após meses de mobilização de comunidades escolares, sindicatos e parlamentares da oposição, o Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCE-MG) determinou, na última terça-feira (1º), a suspensão imediata de novas adesões ao Projeto Mãos Dadas, iniciativa do governo Romeu Zema (Novo) que propõe transferir a gestão de escolas estaduais para os municípios.
A decisão foi recebida como uma vitória para a educação pública mineira. O TCE-MG acatou representação apresentada pela deputada estadual Beatriz Cerqueira (PT), que apontou irregularidades, ausência de planejamento e falta de transparência na condução do projeto.
“É uma vitória importante das comunidades escolares e da educação pública. É uma decisão importante, porque resguarda o recurso público, resguarda as escolas estaduais, resguarda as redes municipais, resguarda a legislação – inclusive do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) – que são legislações que estavam sendo completamente desrespeitadas por parte de Zema”, celebrou Cerqueira.
Implantado desde 2021, o programa já conta com a adesão de 163 municípios (confira a lista informada pelo Governo do Estado, que aderiram ao Projeto Mãos Dadas e valores recebidos por cada um). Santa Luzia e Pedro Leopoldo, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), foram os exemplos mais recentes de resistência ao projeto.
Comunidades escolares resistem em Santa Luzia e Pedro Leopoldo
Em Santa Luzia, mesmo com a forte mobilização da comunidade escolar, a Câmara Municipal aprovou no dia 24 de junho a adesão ao Mãos Dadas. A aprovação aconteceu sem consulta popular e ignorando o pedido de audiência pública feito pela vereadora Suzane Almada (PT). Agora, o projeto aguarda a sanção do prefeito.
As críticas são numerosas. Educadores, famílias e sindicatos denunciam a falta de respostas sobre impactos financeiros, destino dos servidores estaduais, manutenção da infraestrutura, merenda e transporte escolar.
A contrapartida oferecida pelo Estado, alertam, é insuficiente: valores fixos que só podem ser usados para obras e equipamentos, deixando fora itens essenciais como pagamento de professores e manutenção cotidiana das escolas.
“O município vai arcar com tudo. A conta é pesada, e quem vai pagar é Santa Luzia”, afirmam lideranças locais nas redes sociais.
Em resposta às manifestações da comunidade escolar e à decisão do TCE-MG, a prefeitura de Santa Luzia informou que o PL nº 154/2025, que trata da autorização para que o município possa aderir ao “Projeto Mãos Dadas”, é uma abertura formal para o início de tratativas com o Governo Estadual, de modo a viabilizar a construção de um plano técnico, que contemple tanto os aspectos educacionais e de recursos humanos quanto os orçamentário-financeiros envolvidos.
Em Pedro Leopoldo, servidores e familiares dos alunos questionam a tentativa do município de aderir ao projeto. Segundo a comunidade escolar, a cidade já enfrenta problemas com vagas da educação infantil em creches, por exemplo.
“Existem muitas famílias que estão aguardando vagas para os seus filhos, para que eles possam receber a educação, que é direito, e que os pais possam trabalhar com a tranquilidade de saber que seus filhos estão em segurança. Um outro ponto que precisamos lembrar é que Pedro Leopoldo não faz concurso para professores e servidores da educação há 14 anos”, alertou uma das lideranças locais nas redes sociais.
Outra reclamação foi de que o prefeito, Emiliano Braga (PP), não consultou a população para decidir se eram ou não favoráveis à adesão ao programa. De acordo com lideranças locais, Braga prometeu não municipalizar as escolas durante a campanha eleitoral, no entanto, o mandatário encaminhou o projeto de adesão ao programa de Zema para o legislativo.
“Antes de qualquer decisão sobre a municipalização das escolas estaduais em Pedro Leopoldo, é fundamental ouvir quem será diretamente impactado: estudantes, famílias, profissionais da educação e toda a comunidade escolar”, criticou uma das lideranças locais nas redes sociais.
A comunidade escolar de ambos os municípios exige dos seus respectivos governantes que promovam audiências públicas para que haja um debate aprofundado sobre o assunto.
Procurada pela reportagem do Brasil de Fato MG para esclarecimento sobre as denúncias apresentadas, a prefeitura de Pedro Leopoldo não respondeu até a publicação dessa matéria . O espaço segue aberto para manifestações.
TCE-MG aponta riscos ao ensino e à responsabilidade fiscal
Na decisão do TCE-MG, o relator, conselheiro Agostinho Patrus, alerta para o repasse de responsabilidades sem comprovação da capacidade técnica, financeira e estrutural dos municípios. Há, segundo ele, risco grave de retrocesso na garantia do direito à educação.
“O repasse inicial será suficiente por quanto tempo? Todos os municípios têm condições de arcar com os custos dos novos alunos? Qual o critério de distribuição dos recursos?”, questionou Patrus durante a audiência.
A Corte apontou que a Secretaria de Estado de Educação não especificou os critérios do programa, mesmo após pedidos de documentação feitos em maio e reiterados em junho.
Outro ponto crítico é a municipalização de alunos com deficiência, sem estrutura adequada para acolhê-los, o que configura violação dos direitos educacionais. Além disso, o tribunal denunciou que as adesões têm ocorrido de forma automática, sem verificação dos requisitos legais, sob o falso argumento de voluntariedade.
“Projeto nefasto para a educação pública”, diz sindicato
Para Marcelle Amador, diretora de Comunicação do Sindicato único dos trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE/MG), a decisão do TCE-MG é importante, mas a vigilância deve continuar.
“O impacto do programa é imprevisível. O recurso, quando cai na conta do município, pode ser desviado para outras áreas. Não há garantia de que será investido na educação”, explica.
Ela lembra que municípios como Contagem recusaram o projeto por entenderem que os recursos são insuficientes para atender a nova demanda.
“A tendência, a julgar pelas políticas de terceirização do governo Zema, é que os repasses sejam descontinuados”, alertou.
O sindicato também denuncia que, nas cidades onde o programa já foi implementado, houve interrupção do atendimento a alunos com necessidades especiais, falta de professores, adoecimento de trabalhadoras e trabalhadores e queda na qualidade do ensino.
Servidores ameaçados por terceirizações
A ausência de garantias para os servidores da rede estadual preocupa a categoria. Segundo Amador, o governo não apresentou nenhuma proposta de proteção aos trabalhadores efetivos e contratados que podem ser atingidos pela municipalização.
“O concurso público é a principal garantia. Mas o que vemos é o contrário. Durante audiência pública na Assembleia Legislativa, o secretário de Educação, Igor Alvarenga, anunciou um programa de terceirização que atingirá setores como manutenção e limpeza das escolas”, denunciou.
Oposição na ALMG celebra decisão, mas cobra mais fiscalização
A deputada Beatriz Cerqueira afirma que o projeto fere a Lei nº 12.768 e ignora regras do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) e que Zema tenta acelerar as adesões por meio de atalhos que esbarram na ilegalidade.
“O governo Zema foi intimado a prestar esclarecimentos ao TCE, mas não prestou. O projeto foi suspenso. Agora, focaremos numa nova fase de fiscalização e apuração das irregularidades dos municípios que já fizeram a adesão”, afirmou a parlamentar.
O deputado estadual Betão (PT) também celebrou a decisão e esclarece que continuará em alerta promovendo outras formas de luta contra as políticas de educação do governo Zema.
“A decisão aponta a falta de comprovação de que os municípios têm estrutura, recursos e preparo para assumir novas matrículas, inclusive de alunos com deficiência. Segundo o TCE, a ausência dessas garantias compromete o direito à educação e pode sobrecarregar municípios com baixa arrecadação”, ponderou em suas redes sociais.
Próximos passos
A suspensão determinada pelo TCE-MG vale até que o Estado comprove documentalmente que as adesões ao projeto obedeceram aos critérios legais e normativos.
De acordo com o Tribunal de Contas, os documentos foram solicitados pelo relator do processo no dia 21 de maio, com pedido de prorrogação por mais 15 dias úteis atendido, entretanto, a Secretaria de Educação não especificou os critérios do programa e de distribuição dos recursos em sua última manifestação, no dia 24 de junho.
Novos documentos encaminhados pela deputada Beatriz Cerqueira ao TCE-MG reforçaram os impactos negativos da implementação, como ausência de planejamento, incertezas sobre a destinação dos imóveis escolares e falhas na oferta de transporte aos alunos.
Enquanto isso, sindicatos, parlamentares e comunidades escolares seguem atentos, cobrando mais transparência, diálogo e respeito com a educação pública mineira.
O outro lado
Procurada pela reportagem do Brasil de Fato MG para esclarecimento sobre as denúncias apresentadas, o governo de Minas não respondeu até a publicação dessa matéria . O espaço segue aberto para manifestações.