A cidade de Porto Alegre é pioneira no Brasil em Cuidados Paliativos, com um serviço funcionando no Hospital de Clínicas desde 1979. A estratégia do cuidado paliativo tem foco no alívio da dor, no controle de sintomas e no apoio emocional do paciente. No Brasil, cerca de 600 mil adultos e 34 mil crianças precisam de atenção em saúde que permita a melhora da qualidade de vida daqueles que enfrentam doenças graves, crônicas ou em finitude.
Para atender pacientes nessa fase da vida e também oferecer apoio aos familiares e cuidadores, o Ministério da Saúde lançou em maio de 2024 a Política Nacional de Cuidados Paliativos no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) com a intenção de criar 1,3 mil equipes em todo o território nacional. Um ano depois do lançamento da política, das 24 unidades da federação, apenas 11 solicitaram capacitação para implementar equipes de cuidados paliativos nas unidades do SUS, são elas: Amapá, Bahia, Espírito Santo, Paraná, Goiás, Pará, Acre, Ceará, Distrito Federal, Maranhão e Mato Grosso. Os demais estados já oferecem esse atendimento e a Bahia, inclusive, dispõe de um hospital público inteiro para essa finalidade, é o Hospital Estadual Mont Serrat, em Salvador, o primeiro do Brasil dedicado exclusivamente aos cuidados paliativos, inaugurado em janeiro deste ano.

O serviço pioneiro implementado em Porto Alegre foi uma iniciativa da médica anestesiologista e professora Mirian Martelete e começou com o nome de Serviço da Dor, em 1979 e, em 1983 surgiu o Serviço de Cuidados Paliativos, no Hospital de Clínicas, atendendo pacientes privados, conveniados e do SUS. Esse serviço especializado também está disponível na Santa Casa de Porto Alegre desde 2013. Alḿ disso, a Santa Casa passou a oferecer residência médica em cuidados paliativos em 2019.
A ação do Ministério da Saúde, mesmo louvável, é tardia. O Brasil ocupa o penúltimo lugar no ranking de 81 nações que avalia a qualidade da morte de cidadãos. O projeto do governo federal prevê financiamento de cerca de R$ 900 milhões para custear a criação de cerca de 1,3 mil equipes de assistência em cuidados paliativos em diversos estados.
De acordo com informação da Universidade do Estado de São Paulo (Unesp), a recomendação da Associação Europeia de Cuidados Paliativos é que sejam oferecidos dois serviços especializados a cada grupo de 100.000 habitantes. No Brasil, a oferta é de um serviço para cada 1,6 milhão de pessoas na rede pública, e um serviço para cada 1,4 milhão na rede privada.
O ranking foi publicado em 2022 no Journal of Pain and Symptom Management e leva em consideração fatores como políticas públicas, qualificação de equipes, educação da população sobre cuidados paliativos e acesso a medicamentos. A pesquisa, realizada com base na opinião de 181 especialistas de 81 países, reflete a percepção sobre a oferta de cuidados paliativos no mundo.
Santa Casa
O Serviço de Cuidados Paliativos da Santa Casa atende a todos os hospitais da instituição, incluindo emergência, SUS, convênios e atendimento particular, além de serviço ambulatorial adulto e pediátrico. Cerca de 80% dos pacientes são do SUS, encaminhados ao serviço pelos médicos das unidades públicas de saúde. O atendimento conta com equipe multiprofissional especializada, formada por enfermeiros, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, nutricionistas, psicólogos, assistentes sociais, dentistas e assistente espiritual, explica o chefe do setor, o médico intensivista João Luiz de Souza Hopf , formado em 2007 na Universidade de Caxias do Sul (RS) e com especialização em luto. “O foco do cuidado paliativo não é a doença, é a pessoa”, explica.
O atendimento liderado por Hopf realiza avaliação individualizada e humanizada do paciente com doença ameaçadora à vida em todas as suas fases, perinatal, neonatal, pediátrico, adulto e geriátrico. O médico conta que as pessoas costumam associar cuidado paliativo a enfermidades oncológicas, mas há outros agravos que necessitam dessa atenção, como doença pulmonar crônica, demência, risco gestacional e deficiências que colocam a vida do paciente em risco. “Não abreviamos a vida, mas não prolongamos o sofrimento do paciente”.
A psicóloga Francine Rossignolo Londero, da equipe de Hopf, trabalha no Hospital da Criança Santo Antônio, uma das unidades da Santa Casa de Porto Alegre, e explica que a relação do profissional de saúde com o paciente, sua família ou cuidador, precisa ser humanizada para que se estabeleça um vínculo de afeto e confiança entre as pessoas porque chegará o momento de comunicar um diagnóstico ou um óbito. E alerta, “na dúvida, se você não tem certeza do que vai dizer, não diga nada, apenas escute o que o paciente ou o familiar tem a dizer”.
Todas as quintas-feiras, às 11h, a equipe de Cuidados Paliativos da Santa Casa se reúne para compartilhar experiências e também promover o auto cuidado e momentos confraternização que ajudam o profissional da saúde a enfrentar a responsabilidade de conviver diariamente com pessoas com quem estabelecem um vínculo e sabem que, talvez, estejam vivendo o último dia de suas vidas. E como diz o título de um dos livros da médica geriatra especializada em luto, Ana Cláudia Quintana Arantes, “a morte é um dia que vale a pena viver”.
História
De acordo com a OMS- Organização Mundial da Saúde, em definição de 1990 e atualizada em 2002, “cuidados paliativos consistem na assistência promovida por uma equipe multidisciplinar e objetiva a melhoria da qualidade de vida do paciente e seus familiares diante de uma doença que ameaça a vida”.
Essa abordagem surgiu como um movimento na década de 1960, em Londres, Inglaterra, com a médica Cicely Saunders que criou o conceito de “dor total”, abrangendo os aspectos físico, psicológico, social e espiritual. Ela criou a fundação St. Christopher’s Hospice em Londres. Mas, de fato, ela adotou a abordagem holística da atenção ao paciente bem antes.
Em 1948, aos 20 anos, quando ainda era enfermeira, Cicely se apaixonou por um paciente com câncer em estágio terminal e passou a dedicar a ele o que agora é reconhecido como cuidado paliativo. Em 1965, a médica foi agraciada como Oficial da Ordem do Império Britânico. Ela desenvolveu câncer de mama, mas trabalhou até o último dia de sua vida, sendo atendida com cuidados paliativos, e faleceu no St. Christopher’s em 14 de julho de 2005.
Perguntas frequentes (site da Santa Casa)
Cuidado Paliativo é apenas para pacientes com doenças terminais?
Os Cuidados Paliativos, de acordo com definição da Organização Mundial de Saúde (OMS) editada em 2002, são uma abordagem ou tratamento que melhora a qualidade de vida de pacientes e familiares diante de doenças que ameacem a continuidade da vida independente da fase em que a doença se encontra. Idealmente, esta abordagem deve iniciar no momento do diagnóstico de uma doença grave e acompanhar durante toda sua evolução.
Cuidado Paliativo é apenas para pacientes com câncer?
Ao contrário do que muitos pensam, cuidados paliativos não é só para paciente com doenças oncológicas, mas sim para todo paciente que faz diagnóstico de uma doença ameaçadora à vida e em qualquer fase da vida.
Cuidado Paliativo tem relação com eutanásia?
A prática de Cuidados Paliativos não significa eutanásia e não tem relação alguma com o trabalho de Cuidados Paliativos. A eutanásia é proibida por lei em nosso país, sendo considerada crime.
Cuidado Paliativo só é realizado no hospital?
Não, cuidados paliativos podem ser realizados através de atendimento ambulatorial e domiciliar, além do hospitalar.
Quando iniciar acompanhamento com cuidados paliativos?
Em decorrência de uma doença ameaçadora à vida, é indicado iniciar acompanhamento da abordagem de cuidados paliativos o mais precocemente possível em conjunto com o acompanhamento do especialista da doença.
