Com nove votos a favor e cinco contrários, a Câmara Municipal de Foz do Iguaçu aprovou nesta terça-feira (9) o projeto que institui a “Semana Municipal de Conscientização contra o Aborto Ilegal e Reafirmação do Direito à Vida”, proposta pelo vereador Cabo Cassol (PL). A nova data deverá ser celebrada anualmente na primeira semana de outubro, em referência ao “Dia Nacional do Nascituro”, de base religiosa.
Todos os votos favoráveis foram de vereadores homens, entre eles Bosco Foz (PL), Soldado Fruet (PL), Balbinot (PSDB) e Dr. Ranieri (Republicanos). As quatro mulheres da Casa, Valentina Rocha (PT), Yasmin Hachem (PV), Marcia Bachixte (MDB) e Anice Gazzaoui (PP), se posicionaram contra. Apenas um homem, Adnan El Sayed (PSD), acompanhou o voto das vereadoras.
Durante a discussão em plenário, as parlamentares denunciaram silenciamento, desinformação e exclusão institucional ao longo da tramitação do projeto.
“Mesmo tratando de um tema que impacta diretamente a vida das mulheres, fui interrompida mais de uma vez ao me posicionar. Isso é sintomático de como nossos direitos seguem sendo tratados: sem escuta, sem diálogo e, muitas vezes, com silenciamento”, afirmou Valentina Rocha (PT).
Ela também criticou a ausência do autor nas reuniões do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher e afirmou que o projeto ignora questões fundamentais como acesso a contraceptivos, acolhimento na rede pública e políticas de apoio à maternidade.
“A vida não se defende apenas no discurso. Ela se garante com investimento, educação e respeito à autonomia das mulheres. Nenhuma decisão sobre nossos corpos pode ser tomada sem a nossa participação”, disse.
Projeto moralista ignora realidades femininas, dizem vereadoras
Yasmin Hachem (PV) afirmou que o projeto impõe uma visão moralizante e simplista, sem considerar a complexidade da realidade feminina. “Vão dizer que somos contra a vida. Mas votar contra esse projeto não é defender o aborto. Eu valorizo todas as vidas, inclusive a da mulher estuprada, da criança abandonada, da moradora da periferia sem rede de apoio.”
Ela também criticou o apagamento da participação feminina. “Durante séculos, homens legislaram sozinhos sobre nossos corpos. Mesmo hoje, com vereadoras eleitas, seguimos sendo deslegitimadas”, criticou.
Segundo Yasmin, houve tentativa de incluir no texto temas como abandono paterno, educação sexual e suporte à maternidade, mas as propostas não foram consideradas. “O que se aprovou não foi o direito à vida, mas o direito ao silenciamento”.
Cabo Cassol comemora com provocação: “Vitória das famílias de bem”
O autor do projeto, vereador Cabo Cassol (PL), celebrou a aprovação com tom provocador e atacou a oposição. “Espernearam, pularam, saracutiaram, viraram piruetas, mas não teve jeito. Aprovamos. As pessoas de bem estão representadas. Quem defende a vida hoje foi representado aqui na Câmara de Foz”, declarou no plenário.
Questionado pelas críticas das vereadoras, respondeu com ironia: “Dizem que as mulheres não foram ouvidas. Qual mulher não foi ouvida? Vamos fazer uma seleção: homens legislam para homens, mulheres legislam para mulheres.”
Texto ignora aborto legal e falha em propor ações educativas
O projeto aprovado não menciona o aborto legal, garantido pela legislação brasileira nos casos de estupro, risco à vida da gestante ou anencefalia fetal. Também não apresenta propostas de campanhas educativas, prevenção ou orientação sobre saúde reprodutiva.
Para Valentina Rocha, a iniciativa revela a tentativa de legislar sobre os corpos das mulheres sem escuta qualificada. “Não é possível construir política pública ignorando quem é diretamente afetado. Nada sobre nós, sem nós”, defendeu.