O resultado das eleições municipais de 2024 deixou claro que o eleitor de Curitiba queria mudanças no Legislativo. A taxa de renovação na Câmara Municipal de Curitiba foi de 52% – dos 38 eleitos, 20 são estreantes na política. A última vez que Curitiba registrou taxa tão alta foi em 1989, em uma resposta aos anos de ditadura que ficavam para trás. Porém, agora que fechamos os primeiros seis meses de Legislatura, paira no ar um questionamento: essa renovação mudou alguma coisa?
É preciso coragem para romper com práticas mais enraizadas que as próprias pinturas históricas no teto do Palácio Rio Branco, sede da Câmara de Vereadores. Trazer para as cadeiras do Legislativo novas formas de fazer política e de debater é quase como ensinar um novo dialeto a alguém. As linguagens se chocam, há mal entendidos, e muitas vezes permanece o que é mais comum, o mais usual, ou o ‘velho poder’ de sempre.
Os primeiros seis meses de trabalho da nova formação de parlamentares de Curitiba foram de adaptações, aprendizados e “organização da Casa”, o que é de praxe no início da legislatura. Os meses iniciais foram marcados por muitas votações e debates sem grande impacto na vida dos cidadãos, e até mesmo sem qualquer relação com Curitiba (como, inclusive, já relatei em outra coluna no Brasil de Fato ). A partir de Maio os trabalhos legislativos começaram a ganhar tração, e com eles o alerta de que alguns rostos novos são tão ou mais afetos à velha política do que alguns daqueles com cadeiras já cativas no Poder.
Cito como exemplo a recente decisão do Conselho de Ética da Casa que, por 4 votos a 3, decidiu “tapar os olhos” e não investigar os indícios de nepotismo apontados pela Corregedoria contra o vereador Éder Borges (PL). Sem fazer qualquer juízo de mérito sobre o caso, aponto que quatro vereadores (dos quais três estão no primeiro mandato) se recusaram a sequer investigar a questão: função do Conselho de Ética. Proibiu-se que testemunhas fossem ouvidas, provas analisadas e que o próprio parlamentar apresentasse devidamente sua defesa. Como membra do colegiado, votei pelo andamento do processo, mas fui vencida e o caso “acabou em pizza”. Como esperar que a população confie em seus representantes assim?
No início do ano, vivemos drama semelhante nas eleições das Comissões Temáticas da casa. Lideranças decididas na surdina, muitas vezes sem qualquer ligação com a temática sobre as quais vão legislar. Uma misteriosa “voz do além” decide os rumos e as cartas marcadas para cada posição. Até a criação de Frentes Parlamentares só anda mediante o ‘amém’ que vem das paredes do palácio.
Nas últimas semanas, vimos a corrida para atropelar os debates de temas tão robustos como a previdência social dos servidores, em uma clara prática do tratoraço que, esperançosa, pensei ter ficado na gestão passada. Acordos para podar o tempo de fala dos vereadores, especialmente os dissidentes. Vergonhosos vinte minutos de tempo para ler quase 200 páginas de um Projeto de Lei. Projetos em regime de urgência para acelerar todas as vontades da Prefeitura no Legislativo, tornando-o um “cartório” do governo municipal: feito só pra carimbar. E a grande maioria dos novos nomes se manteve no mais absoluto silêncio. Nomes que inflam a fala sobre transparência, saíram calados da sessão.
Cabe destacar que, sim, a base governista tem ampla maioria na Câmara. E tudo bem, faz parte da democracia. Porém, tal composição não os obriga a tapar os ouvidos para as perspectivas dos demais parlamentares e posições divergentes. Pelo contrário. A boa e nova política deveria incentivar o respeito mútuo e o debate saudável. Tratorar o debate em plenário e nas comissões é sempre uma escolha política, não uma regra regimental. Escolha dos líderes, escolha dos vereadores que coadunam com essa prática. A cada passo, novos indicativos de desrespeito ao diferente.
Sim, cada vereador foi eleito por suas respectivas bases. Mas, ao ocupar uma das 38 cadeiras no plenário Rio Branco, temos a missão de legislar em prol de toda a população, independente da raça, gênero, classe social ou ideologia. A Casa do Povo não pode virar a casa de quem elegeu os 38 mandatários – afinal, a disputa a uma vaga de vereador na capital teve quase 750 candidatos. Temos o dever de estar atentos às demandas e às manifestações, independente de terem vindo ou não de nossas bases. Caso contrário, corremos o risco de perpetuarmos a velha política, encastelada e elitista, alheia aos mais vulneráveis e a pensamentos diferentes.
Apesar de pragmática, insisto em acreditar que os desafios que a Câmara Municipal de Curitiba têm pela frente no segundo semestre, como as discussões do Plano Diretor, do novo Plano Plurianual (PPA) e a nova licitação do transporte público, podem fazer a “renovação” política pegar no tranco.
Se engana quem, do alto dos pedestais do poder, insiste em colocar o eleitor, o povo, em um local de passividade, ignorância e ingenuidade. Vivemos em uma sociedade da informação e os olhos (e celulares) estão voltados para a arena política. As críticas e cobranças aos parlamentares têm vindo dos mais diversos lados e, novamente, ouvir e fazer diferente (ou não) é uma escolha política.
*Laís Leão é vereadora de Curitiba pelo PDT. Arquiteta e urbanista, especialista em Administração Pública, é mestre e doutoranda em Gestão Urbana, além de ativista pela promoção de cidades seguras e inclusivas para mulheres no Brasil e na América Latina.
**Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.