Desde o dia 1 de julho, a tarifa do metrô de Belo Horizonte subiu de R$5,50 para R$5,80. Após a privatização, o modal metroviário da capital mineira enfrenta duras críticas de usuários, devido à superlotação e atrasos frequentes. As obras de expansão também têm dado o que falar, com atrasos, acidentes e falta de diálogo por parte da MetrôBH, empresa concessionária.
Por isso, o Visões Populares, podcast do Brasil de Fato MG, entrevistou Alda Lúcia Santos, presidenta do Sindicato dos Metroviários de Minas Gerais (Sindimetro-MG), e Daniel Glória, metroviário e secretário-geral do Sindimetro-MG.
“O principal meio de transporte tinha que ser o metrô. E, para isso, deveríamos ter vários terminais de ônibus no metrô, para descarregar os usuário, fazendo um ciclo. Mas, infelizmente, não houve interesse político para brigar pela construção do metrô de BH”, denuncia a presidenta do sindicato.
Confira a entrevista completa:
Brasil de Fato – A tarifa do metrô de BH é uma das mais caras do Brasil. A que você atribui o valor acima da média e o aumento recente?
Alda – A nossa passagem era R$1,80, quando o metrô era público. O que, para a iniciativa privada, não era uma passagem atrativa. O governo federal foi aumentando paulatinamente as passagens e, quando a MetroBH assumiu a concessão, a passagem estava em R$4,25.
Este já é o terceiro aumento depois da privatização e isso faz parte do contrato. Ou seja, todo ano a empresa pode corrigir as passagens, de acordo com o acumulado e é isso que está sendo feito.
Isso afastou o usuário do metrô. É uma linha só, que não tem grandes ramificações, embora possa ser, agora com o ramal Barreiro e a linha chegando ao Novo Eldorado, próximo ao viaduto Dantas Ribeiro, em Contagem, que melhore esse perfil.
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Mas o usuário, quando era R$1,80, fazia a conta da ida e volta, e compensava, mesmo com a necessidade de andar um pouco. Na procura de um emprego, era possível indicar o metrô, por ser mais barato, como uma vantagem para ser contratado, já que isso pesa no caso do transporte. Tudo isso, de certa forma, era benéfico ao usuário, mas, infelizmente, com a privatização e esse aumento, isso mudou.
Hoje transportamos 85 mil usuários por dia. E nós já chegamos a transportar, em grandes tempos, quase 250 mil pessoas por dia. Teve a pandemia, que foi uma queda, porém estavamos aumentando mesmo depois disso.
O correto mesmo era não ter o aumento de passagem enquanto as obras não estivessem prontas.
Daniel – O transporte é um direito constitucional. O fato é que tivemos uma virada de chave de o transporte não ser mais encarado como um benefício social. A MetroBH não é dona dos trilhos, dos trens, nem de nenhum patrimônio. É tudo do governo do estado e ela vai gerir isso durante um tempo.Só que esse direito de gestão deu a possibilidade de a MetroBH passar esse custo adicional para o usuário.
Nós fizemos um estudo com o Instituto Latino-Americano de Ciências Socioeconômicas (Ilaese), com o Gustavo Machado, que demonstrou que o custo do transporte via metrô público é muito caro. Por isso, é muito raro achar hoje um transporte metroferroviário no mundo que dê lucro.
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Para ele ficar no zero a zero, tem que ser um meio de transporte massivo, maciço e protagonista na metrópole. Hoje, no país, o exemplo, nesse regime, é apenas São Paulo, que consegue bater os custos com a arrecadação. Mas é por ser um transporte protagonista, integrado e encarado como um benefício social.
Se compararmos o valor do quilômetro rodado ferroviário de Belo Horizonte com o de São Paulo, ainda que com uma superioridade de linhas, São Paulo é infinitamente mais barato. Para voltar a ter um preço competitivo, é preciso um atendimento maciço da população.
Precisamos que o transporte seja encarado como um direito social, para que o governo banque isso, seja através de subsídios, ou ainda com uma reestatização do sistema, o que, na visão do sindicato, deveria prevalecer, para todos os segmentos de direitos constitucionais da população. Mas o fato é que temos essa questão das obras, que estão atrasadas, e esse custo vem sendo repassado, sem efetivamente ter essas melhorias implantadas até agora.
Para além do valor, que impactos a privatização trouxe para os cidadãos que utilizam e dependem do metrô?
Alda – Na realidade, se eu falar que, como público, não tínhamos problemas, eu estaria mentindo. A gente tinha muitos problemas. Mas o serviço funcionava. Havia sempre uma preocupação da empresa e dos responsáveis em trazer cuidado e rapidez na resolução de problemas, quando eles aconteciam.
Conseguíamos fazer um transporte mais rápido, com maior segurança para o usuário. Então, de certa forma, o atendimento era melhor. Eu sei que a população de Belo Horizonte questionava muito, criticava, e muitas coisas que ela falava, estavam corretas.
Com a privatização, percebemos dois momentos ruins. A questão dos gastos que foram feitos pela MetrôBh, que, no entendimento do sindicato, mudou algumas coisas nas plataformas, sem haver necessidade.
E a outra coisa foi a perda dos trabalhadores, dos empregados da CBTU. Se você me perguntasse qual é o pior dano que a privatização trouxe, eu diria que foi quando perdemos 1100 empregados. E, até hoje, boa parte deles não conseguiu realocação no mercado de trabalho.
É claro que a questão do usuário nos preocupa, porque pagar uma passagem de R$5,80 e não ter conforto é muito caro.
Qual é o metrô que Belo Horizonte merece? Qual é o metrô que a população merece? Essa é uma discussão que temos que fazer e não conseguimos sem envolver a sociedade, sem envolver os movimentos sociais, sindicatos, partidos, políticos, etc.
Daniel – Na época da CBTU, a gente realmente sofria com o metrô, que não tinha investimento e isso perdurou por 30 anos. Não podemos ignorar todas essas mudanças que a MetroBH fez. É um fato que tem que ser levado em conta.
Porém, temos que pensar também qual é o objetivo desse tipo de transporte, o transporte de massa. O que se tem previsto hoje, com a expansão para o Barreiro, é que os dois sistemas passem a transportar, no final das obras, em torno de 250 mil pessoas, que é o que o metrô transportava quando tinha a passagem a R$1,80.
A princípio, o governo do estado e muitas outras esferas dizem que se justifica o aumento das passagens se tiver uma qualidade maior. Mas, na verdade, quando falamos de transporte coletivo, ele tem que ser algo democrático ou teremos um equipamento de luxo, onde será atendida uma parcela mínima da população e, no final das contas, vai gerar prejuízo. É uma questão que tem que ser debatida e tem que ser o governo do estado a garantir que haja subsídio.
A tarifa do metrô não pode continuar subindo da forma que tem acontecido. O usuário não pode pagar por isso.
Como você avalia a situação dos trabalhadores após a privatização?
Alda – Estamos no terceiro ano sem acordo coletivo. E o mais interessante é que a empresa fala que não vai conversar com o sindicato, mas o representante da categoria é o sindicato. Só por aí já é possível ver que não há uma relação harmoniosa e de negociação.
A gente tenta, manda carta, faz ofício, liga, tenta buscar esse diálogo. Podemos ter todos os defeitos, mas a empresa não pode falar que a gente não busca diálogo. Hoje, os trabalhadores ficam acuados, perderam muitos direitos, tiveram reduções salariais. Temos áreas em que metade dos trabalhadores tem direito à periculosidade e a outra metade não, fazendo a mesma função. Como você explica isso?
A gente tenta conversar, tenta explicar e a empresa não se move. Por exemplo, uma das principais perguntas que o trabalhador nos faz é sobre o acordo coletivo.
Daniel – Já tivemos, no início de 2023, um laudo levantado pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), através da superintendência regional, com 180 páginas e mais de 100 infrações, que foi resultado de uma diligência gigantesca, em toda a empresa, dos auditores fiscais do trabalho.
Ficamos nessa incerteza, recebendo muitas reclamações dos funcionários sobre o nível de cobrança, que aumentou demais. Já prevíamos uma alteração das relações de trabalho, devido à mudança do regime jurídico da empresa, mas, sinceramente, a gente não achava que seria dessa forma tão drástica, por ser um meio de transporte que, em muitas ocasiões, não suporta o erro.
A gente já avançou em algumas demandas de ordem social. Por exemplo, revertemos recentemente uma decisão da empresa que havia colocado os controladores em regime de trabalho de 12 por 36.
Fazendo um paralelo, essa é uma função de extrema responsabilidade. São como os controladores de tráfego aéreo, são o cérebro que engloba toda a atividade de manutenção, condução e estações.
O sindicato vai lutar, vai brigar judicialmente, só que a nossa preocupação é que, às vezes, o trâmite jurídico não é ágil o suficiente para sanar algum problema que os trabalhadores levantam. Até ajuizar, fazer levantamento de provas e aquilo se comprovar em juízo, podemos ter uma situação que pode gerar uma fatalidade ou então um acidente com sequelas permanentes.
Como o poder público se posiciona nesse debate?
Daniel – O transporte tem que ser encarado como um serviço social, direito do trabalhador. E o que a gente está vendo, inclusive por parte de alguns governos de centro e esquerda, progressistas, é isso ser empurrado para uma responsabilidade exclusiva da iniciativa privada.
Você não tem uma discussão de como é a qualidade de serviço direto com o ente público. Nós fizemos várias denúncias com relação a isso para o governo do estado. Isso tem que ser discutido com a empresa e a empresa não responde o sindicato.
É urgente que as representações de trabalhadores e partidos tratem o transporte coletivo como uma política social. Isso é para já. Não é falando que o transporte é mais importante do que moradia, saúde, segurança e educação. Mas o que a gente vê hoje, no transporte de Belo Horizonte, é que estamos com cada vez mais carros na rua, com os motofretistas, com os Uber-moto, que são campeões de acidentes.
A região metropolitana está se expandindo e, por isso, o trabalhador gasta cada vez mais sua saúde no transporte e estamos indo para um caminho onde não cresce o transporte seguro, o transporte que dá qualidade de vida e agilidade para o cidadão belo-horizontino. Todos os governos têm que tomar esse puxão de orelha, inclusive os da nossa esfera progressista.
Alda – Nunca houve um político que abraçasse o metrô de Minas Gerais, como a gente percebe no Nordeste. Quando brigamos contra a privatização, fizemos greves, movimentos e lutamos. E hoje estamos pagando o preço dessa luta.
A gente caminhou com alguns pares, mas, ao mesmo tempo, grande parte dos sindicatos não acompanharam essa luta com a gente. Mas por que isso? Estávamos dentro de um governo de esquerda, que era o PT.
A privatização começou no governo Bolsonaro, em 2019, mas, no final de 2022, no governo de transição, nós fomos a Brasília e houve uma reunião com a promessa de retirar o leilão. Não haveria o leilão, tanto que o leilão foi suspenso, mas, duas horas depois, foi reaberto.
Sou totalmente contra a privatização. Sigo aquela máxima de que, se é público, é porque foi feito com alguma finalidade, que é o bem-estar de todo mundo, o direito de todo mundo ter acesso.
Existem perspectivas de expansão em mais linhas?
Daniel- Para além da expansão até Barreiro, tinha um projeto de um terceiro ramal, subindo a avenida Nossa Senhora do Carmo integrando a região hospitalar. Só que esse projeto já esfriou quase totalmente.
Vale fazer uma análise em relação a essa implantação do metrô Barreiro. Na atual conjuntura, a gente já está acompanhando que não estão acontecendo conversas de integração do transporte rodoviário de Belo Horizonte. Tanto é que a prefeitura está para colocar um corredor rodoviário do lado do percurso que vai correr o metrô. Na própria Amazonas vai ter uma competição intermodal. E não é isso que deveria acontecer. O transporte de menor capacidade, rodoviário, deveria fazer esse fluxo de passageiros para o metrô do Barreiro.
Outro questionamento é em relação à construção da via singela, entre a penúltima estação do Ramal Barreiro e a estação final. Esse tipo de trecho, que converte a circulação em linha dupla, coloca o tempo máximo de circulação de trens em torno de 7 minutos e meio. Para o transporte de massa, é um tempo muito grande. Em comparação a isso, a gente tem o Rio de Janeiro, que liberam trens subterrâneos a cada um ou dois minutos.
Com o sistema defasado que a gente tinha aqui da CBTU, na capacidade máxima de funcionamento, a liberação de trens era a cada três ou quatro minutos. Ou seja, ofertávamos 250 viagens diárias. No Ramal Barreiro, isso vai cair para menos da metade. E foi informado também que eles têm a autorização para rodar no pico, ou seja, no horário de maior demanda, com máximo tolerado de 15 minutos.
Colocar um trem a cada 15 minutos é praticamente inutilizar e jogar todos esses passageiros para o transporte rodoviário. E, por último, esse trem que vai sair do Ramal Barreiro não chega ao centro de Belo Horizonte. Ele vai parar e fazer uma baldeação de atendimento na Estação Calafate.
Ainda que a gente pense, sendo otimista, que esses usuários escolham o metrô e migrem do ônibus, quando chegarem na Estação Calafate, para ir ao centro de Belo Horizonte, eles vão ter que esperar um trem vazio que parta de Eldorado e os recolha em Calafate, o que é muito difícil.
Alda – A promessa do metrô no Barreiro começa em 1984. Então, são mais de 40 anos que o Barreiro espera o metrô. E espera o metrô não dessa forma, não com uma baldeação, espera um metrô descendo até a central.
É isso que a população do Barreiro merece. Quando fizer a via singela, no final do Barreiro, como é que fica a expansão, por exemplo, em Ibirité? É possível ter?
O grande problema da via singela é o pátio de manobra da MRS. Esse espaço deveria ser liberado para que se fizesse todas as obras. A gente percebe que a população não está sendo levada em conta.