A cidade de Porto Alegre foi palco do lançamento do Programa Paul Singer, marco da retomada da Política Nacional de Economia Popular e Solidária. Mesmo com frio e chuva, o evento na tarde desta segunda-feira (28) lotou o auditório do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e Região (Sindbancários). O programa é uma iniciativa da Secretaria Nacional de Economia Popular e Solidária (Senaes) e representa uma nova fase na consolidação de políticas públicas voltadas à economia popular e solidária.
Com atuação articulada em 10 territórios do Rio Grande do Sul, o programa pretende integrar ações governamentais, fortalecer empreendimentos e sistematizar experiências locais, tudo com base em metodologias da educação popular.

“A tarefa dos agentes é revolver esse território, fazer brotar essas experiências para que, de alguma forma, se construa política”, afirmou Francisco Oliveira (Chico), representante da Senaes. O programa, explica ele, é uma “teimosia contra-hegemônica”, que exige luta por orçamento e sustentação política.
A ação territorial integra os objetivos do Plano Plurianual (PPA) 2023–2027 e se ancora em uma abordagem formativa que conecta formação, organização e ação, com escuta ativa das comunidades e análise coletiva da realidade. A ideia é valorizar iniciativas já existentes nos territórios e impulsionar novas práticas solidárias, a partir de temas como autogestão, cooperação, justiça racial e ambiental, saúde, segurança no trabalho, inovação e sustentabilidade.

10 territórios, 40 agentes
O programa está estruturado em 10 territórios no estado, envolvendo 13 Conselhos Regionais de Desenvolvimento (Coredes) e 40 agentes. A divisão contempla desde regiões metropolitanas, como Porto Alegre e São Leopoldo, até municípios do Interior, como Seberi e Três Forquilhas. Cada território conta com educadores e lideranças comunitárias com histórico de atuação na economia solidária, além de gestores públicos e dirigentes de redes e incubadoras.
Território | Municípios | Nº Agentes | COREDEs |
1 | Porto Alegre, Alvorada | 10 | Metropolitano Delta do Jacuí |
2 | São Leopoldo, Novo Hamburgo, Canoas, Esteio | 5 | Vale do Rio dos Sinos |
3 | Santa Cruz do Sul, Encruzilhada do Sul, Progresso | 3 | Vale do Rio Pardo e Vale do Taquari |
4 | Caxias do Sul | 1 | Serra |
5 | Três Forquilhas | 4 | Litoral |
6 | Pelotas, Jaguarão, São Lourenço do Sul | 4 | Sul |
7 | Santana do Livramento, São Gabriel | 5 | Fronteira Oeste |
8 | Santa Maria | 2 | Central |
9 | Seberi, Tenente Portela | 3 | Médio Alto Uruguai e Celeiro |
10 | Passo Fundo, Erechim, Marau | 3 | Produção e Norte |
“O território é um espaço socialmente produzido, onde as pessoas constroem relações, estabelecem vínculos e compartilham experiências”, resume o material conceitual do programa. Mais que uma delimitação geográfica, trata-se de um “espaço político, simbólico e afetivo”.
Retomada de uma política nacional
Durante o encontro de lançamento do programa, falas de representantes de diversos segmentos destacaram o caráter de reconstrução dessa política pública. “A economia solidária, enquanto política pública, foi para as ‘calendas gregas’ no período do genocida”, lembrou o Superintendente Regional do Trabalho, Claudir Nespolo. Para ele, a reconstrução das Senaes é parte da retomada de políticas voltadas à população mais pobre.
“A escolha de Gilberto Carvalho para o comando da secretaria é fenomenal”, destacou Oliveira, sublinhando a ligação histórica do atual secretário com os movimentos populares.
Já o deputado estadual (PT) Miguel Rosseto enfatizou a importância estratégica da economia solidária e o legado do economista que dá nome ao programa. Paul Singer era, segundo ele, “marxista, socialista, tradutor de livros, produtor de um pensamento estratégico no mundo inteiro”. E lembrou: “Singer insistia que a solidariedade tinha que vir antes da ideia da economia como espaço de produção de serviços e produtos”.
Gervásio Plucinski, da União Nacional das Cooperativas de Agricultura Familiar e Economia Solidária (Unicafes), frisou: “Nós estamos aqui só porque nós tivemos uma mudança nos rumos do nosso país”. Sobre políticas públicas, foi direto: “Se o povo não tiver organizado, ela não tem como chegar na ponta.” E defendeu o cooperativismo como ferramenta de transformação. “O cooperativismo é o grande instrumento para nós fazer isso”.
Miqueli Schiavon, do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), lembrou dos retrocessos sofridos nos últimos anos. “Esses 6 anos nefastos trouxeram problemas muito grandes para a nossa sociedade. Destruição de programas.” Ele destacou que, com apenas dois anos e meio de governo Lula, o esforço tem sido para retomar o que já existia. “A gente não conseguiu nem dar conta de pensar novos programas, porque a sociedade mudou nesse período.” E afirmou com veemência: “Nós temos que reeleger o presidente Lula e essa é a nossa tarefa e nós não podemos nos esquecer e nos furtar disso. É nosso papel e nosso compromisso”.
Formação, escuta e ação nos territórios
O desenho do programa prioriza ações de base territorial e busca promover escuta, fortalecer vínculos e incentivar práticas concretas com as comunidades. As experiências serão sistematizadas de forma coletiva e terão papel fundamental na construção da Política Nacional de Economia Popular e Solidária.
“A missão dos agentes será ajudar a criar um ambiente de reflexão, de inclusão produtiva e de uma disputa mais geral em curso no país”, disse Nespolo. Para Lucineide Gomes, da Central de Cooperativas e Empreendimentos Solidários (Unisol), trata-se de um esforço coletivo: “Ninguém aqui veio a passeio. Estamos escrevendo uma história”.
Gomes também destacou a abrangência e a dimensão do programa. “Somos 500 agentes, por enquanto, no Brasil todo e 40 no Rio Grande do Sul. Para quem não tinha nada, isso é muita coisa.” E reforçou a importância da atuação em redes e cadeias que promovam a distribuição justa de renda.
Como parte da mística que abriu o lançamento, cada participante escreveu um sentimento em um pedaço de tecido. Cada palavra foi chamada de “semente” e colocada em uma lavanda, que ao final foi “entregue” aos agentes para enviar bons sentimentos na caminhada.

Josiane Krebs, da Rede Fiacosol, destacou a importância dos agentes. “Terão papel muito importante nesse processo de fortalecimento popular no Brasil e na construção de uma sociedade menos desigual.” Ela levantou uma questão-chave: “Formação para que trabalho?” E celebrou a inserção da economia solidária nos Institutos Federais. “Conseguimos inserir de forma mais articulada a economia solidária na agenda dos institutos federais.”
Trabalho, dignidade e sentido
A economia popular e solidária é apresentada como alternativa concreta frente à informalidade e à precarização do trabalho. Michel Fukuda, assessor técnico da Fundacentro Empodera Mais, apresentou dados que evidenciam essa realidade: “50% de toda a classe trabalhadora brasileira não tem vínculo de emprego, nenhuma seguridade, nem apoio”.
Segundo ele, a proposta da economia solidária é mais do que inclusão produtiva. “Queremos um trabalho decente, digno, justo, saudável e seguro. Unindo tudo isso, chegamos à conclusão de que esse trabalho também precisa ser solidário.”
Essa visão foi reforçada por Oliveira, ao diferenciar economia popular de políticas assistenciais. “Qual a diferença entre uma cozinheira que faz a cozinha comunitária e outra que está na mesma rua fazendo marmitas e cozinhando conjuntamente? Uma pode ter uma política pública destinada a ela; a outra é política assistencial. Temos que chegar a eles de outra forma, com uma política diferente, uma política econômica.”

Antônio Cruz, da Rede de Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares (Rede de TCPs), resgatou a trajetória histórica da Rede de Incubadoras, lembrando de nomes como Beto Carabachal e Paulo Lebut. Ele também compartilhou lembrança pessoal de Paul Singer, que foi banca de sua tese. “Singer tinha um otimismo patológico.” E reiterou a visão do professor: “A economia solidária, ela é o germe da economia do futuro, da economia socialista”. Para Singer, dizia ele, “os trabalhadores, os consumidores e a sociedade organizada de forma autogestionária, cooperativa e solidária só pode ser o caminho pelo qual a gente vai trilhar”.
Helena Bonumá, da Rede Feminista, celebrou a formalização nacional da rede, presente em 14 estados. “A Rede Feminista não é uma rede de mulheres, ela é uma rede feminista.” Ela propôs uma nova definição de economia: “O nosso conceito de economia não tem só do cash, da grana… É tudo aquilo que a gente precisa para viver. É uma outra economia”. Bonumá reafirmou a perspectiva transformadora. “O nosso econômico tem que ser social”. E finalizou com esperança: “Vida longa à economia solidária, popular e feminista”.
Cultura, educação e transversalidades
A proposta também se conecta com outras políticas públicas, como a cultura e a educação. A coordenadora do Escritório Estadual do Ministério da Cultura no RS, Mari Martinez, destacou a “transversalidade da economia popular e solidária com a Política Nacional de Cultura Viva, com a cultura de base comunitária, com a nossa Política Nacional de Economia Criativa”.
Já a professora Marlova Benedetti, do Instituto Federal do RS, afirmou que os 13 institutos federais gaúchos “têm como missão o diálogo com movimentos populares e com a economia popular e solidária”. Ela sublinhou ainda o papel transformador dos institutos: “Em cada uma dessas regiões, temos um Instituto Federal, que muda a vida das pessoas e das famílias ao redor”.

Caminhos para o futuro
Para o presidente do Conselho Estadual de Economia Solidária, Luís Fernando Rosa, a retomada federal traz também desafios locais. “A briga pelo orçamento é muito difícil aqui no estado também.” Ele destacou avanços como o apoio a feiras e à conferência estadual, além da construção de uma lei de compras públicas e do Cadastro Estadual da Economia Solidária (Cadsol).
“A economia popular e solidária é o caminho que temos que trilhar”, concluiu Oliveira, reafirmando a proposta como alternativa de inclusão econômica e protagonismo popular. Um modelo que, segundo Rossetto, “reafirma que um outro mundo é possível – e cada vez mais necessário”.
O vice-presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT/RS) e diretor do Sindbancários, Everton Gimenez, destacou que é preciso mobilizar a economia solidária para que cessem os ataques e se consiga fazer com que essa lei de fato ocorra. E finalizou com entusiasmo: “Viva a economia solidária!”
O evento foi encerrado com um café com produtos da Reforma Agrária organizado pelo Armazém do Campo. Tomaz Brunet, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST/RS), enfatizou o papel da economia na vida cotidiana: “É a economia que organiza a forma como o trabalho é organizado e como a vida em sociedade é organizada.” Segundo ele, não existe um projeto, uma alternativa, algo a apontar para 20 milhões de brasileiros com capacidade produtiva e se somam a eles esses outros 40 milhões que estão trabalhando na informalidade. “A nossa tarefa é conseguir organizar e achar uma saída para esses 20 milhões e para esses 40 milhões. É nisso que estamos ocupados.”
