Onze anos depois de viver Neuza Sueli pela primeira vez, a atriz Bárbara Salomé volta ao palco com a personagem em nova montagem de Navalha na Carne, clássico do teatro brasileiro escrito pelo dramaturgo Plínio Marcos em 1967. Em cartaz todas as terças do mês de agosto no Teatro Manás Laboratório, na cidade de São Paulo, a peça aborda violências estruturais e marginalizações que ainda marcam a sociedade brasileira.
“Fizemos [a peça] em 2014 e agora estamos retomando 11 anos depois. Está sendo uma super experiência”, relata Salomé, em entrevista ao Conexão BdF, da Rádio Brasil de Fato. A nova leitura da obra, em comemoração aos 90 anos de nascimento do autor santista morto em 1999, é dirigida por Fernando Aveiro.
Segundo a atriz, a nova montagem dá um tom mais psicológico ao texto original. “A direção acaba trazendo um olhar poético e até mesmo mítico. Reduzimos um tanto da violência física que o texto propõe e colocamos a violência num lugar até mais psicológico”, adianta.
Salomé sugere que a maturidade trouxe novas camadas para a personagem. “Quando fiz a peça em 2014, eu tinha 30 anos. Agora eu tenho 41. Acho que acabamos trazendo mais camadas para os personagens. Talvez eles estejam mais próximos de nós agora do que há 11 anos”, reflete.
Violência de gênero
A leitura da violência de gênero também mudou nesse intervalo. “Em 2014, não era tão forte como é hoje. Agora, fizemos o espetáculo e, para mim, veio muito forte o caso da mulher que levou 61 socos”, afirma. A atriz se refere ao caso de Juliana Garcia dos Santos, 35, agredida pelo namorado em Natal (RN). A vítima passou por uma cirurgia de reconstrução facial nesta sexta-feira (1º).
“Acho que hoje temos mais consciência da violência de gênero. […] Neuza Sueli traz muito forte essa violência psicológica que vai minando as mulheres”, comenta Salomé.
Além disso, a personagem ecoa questões como etarismo e solidão feminina. “O Varro, que é o cafetão [na peça], usa a idade da Neuza como uma possibilidade dela não sair dali: ‘Você está velha, ninguém mais vai te querer’. E isso vemos nesses discursos desses caras redpill [grupo de homens que propaga ódio contra as mulheres]. A solidão para a mulher é usada como uma arma”, conta.
Luz sobre os invisibilizados
“É uma personagem muito difícil de fazer. Tem uma disponibilidade emocional, um jogo. O espetáculo acontece numa arena, então estamos muito próximo da plateia. Parece teatro e ao mesmo tempo também parece cinema”, indica Salomé. A atriz é parte do Núcleo Caxote Teatro Íntimo (CaTI), grupo que busca dar voz a personagens historicamente invisibilizados.
A artista também destaca os desafios de fazer teatro independente no Brasil. “Essa temporada, estamos fazendo absolutamente de forma independente, na raça. Contamos muito com o boca a boca, com a divulgação, para bancar os custos. É uma batalha contra o poder público, porque realmente tem pouquíssimos incentivos. É dureza”, menciona.
Serviço
Peça Navalha na Carne
- Todas as terças-feiras de agosto, às 20h
- Teatro Manás Laboratório – R. Treze de Maio, 222 – Bela Vista, São Paulo – SP
- Ingressos: R$ 40 meia-entrada; R$ 80 inteira, disponíveis no Sympla
- Mais informações: Instagram da companhia @cati.teatro