Os bolsonaristas voltaram às ruas de diversas cidades brasileiras neste domingo (3) para defender a anistia aos condenados por tentativa de golpe de Estado e o impeachment do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.
Em São Paulo, de acordo com o levantamento do Monitor do Debate Político, do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), vinculado à Universidade de São Paulo (USP), e da ONG More in Common, 37,6 mil pessoas participaram do protesto na avenida Paulista, na região central da capital.
O número é pouco mais do que o triplo da quantidade de manifestantes registrada na última manifestação no mesmo local, em 29 de junho, quando 12,4 mil pessoas protestaram a favor do ex-presidente Jair Bolsonaro. O dado, no entanto, ainda é menor do que foi contabilizado em 6 de abril, durante o evento “Anistia Já”, que reuniu 44,9 mil bolsonaristas.
Leonardo Martins Barbosa, pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), afirma que o desempenho das manifestações não deve ser interpretado como sinal definitivo de enfraquecimento ou fortalecimento do bolsonarismo.
“Não é como se o bolsonarismo tivesse uma queda livre. A capacidade de mobilização do bolsonarismo, como de outras correntes políticas, pode variar de acordo com as circunstâncias, com o contexto e assim por diante. Então, muito embora certamente o bolsonarismo já não tenha mobilizado tanta gente quanto em outros momentos, não quer dizer que eles não tenham capacidade de fazer isso a depender do contexto e da questão que está sendo mobilizada”, analisa.
Para o pesquisador, o tamanho dos atos pode refletir o momento de maior contenção judicial do ex-presidente e de seus aliados, mas não necessariamente representa um declínio estrutural da base de apoio do movimento.
Ausências
O ex-presidente não pôde comparecer presencialmente ao evento por estar sob medidas restritivas determinadas pelo ministro Alexandre de Moraes, como o uso de tornozeleira eletrônica e a proibição de sair de casa aos fins de semana. Embora possa dar entrevistas e discursos, está proibido de usar redes sociais, mesmo indiretamente.
Moraes afirmou que Bolsonaro tentou extorquir a Justiça ao condicionar o fim das tarifas de 50% sobre produtos brasileiros importados pelos Estados Unidos à sua anistia. Réu por tentativa de golpe de Estado, o ex-presidente foi submetido às restrições após a Procuradoria-Geral da República (PGR) apontar novas evidências de tentativa de obstrução do processo penal.
A manifestação também não teve nomes importantes para o bolsonarismo em um cenário em que o ex-presidente está inelegível até 2030. Tarcísio de Freitas (Republicanos), governador de São Paulo, Ronaldo Caiado (União Brasil), de Goiás, Ratinho Jr. (PSD), do Paraná, e Romeu Zema (Novo), governador de Minas Gerais, não participaram dos atos, o que foi lido pelos aliados mais aguerridos de Bolsonaro como um abandono.
O coordenador da manifestação em São Paulo, pastor Silas Malafaia, criticou os “ausentes” em seu discurso: “Cadê aqueles que dizem ser a opção no lugar de Bolsonaro? Era para estarem aqui […] estão com medo do STF, né? Arranjaram desculpa, né?”, disse, sem citar nomes.
Segundo o pesquisador, a recente tentativa de Bolsonaro de condicionar o fim das tarifas dos Estados Unidos a uma eventual anistia no Brasil, além da estratégia de Eduardo Bolsonaro de acionar a direita americana para pressionar o Judiciário, acabou afastando aliados em potencial e colocou Tarcísio em uma posição politicamente delicada.
Objetivo da manifestação
Para Barbosa, a ausência de Jair Bolsonaro e do governador Tarcísio de Freitas nos atos é relevante e ajuda a compreender o sentido da mobilização. “Se em outros momentos o propósito talvez fosse mais voltado para pressionar as instituições ou para conseguir organizar maiorias em processos eleitorais, por exemplo, eu acho que o principal motivo dessa manifestação desse domingo foi tentar manter a pauta bolsonarista viva nos partidos de direita.”
O pesquisador afirma que a manifestação deste domingo teve como objetivo central enviar um recado aos partidos de direita: o bolsonarismo ainda tem fôlego e quer manter sua influência viva dentro desse campo político. “Essa mobilização é uma tentativa do bolsonarismo de tentar mostrar que ainda tem vigor para esses partidos que se valem da pauta conservadora sem abraçar completamente o bolsonarismo. Ou abraçam o bolsonarismo com tudo que ele oferece ou caminha sozinho”, diz.
Barbosa cita o exemplo recente do PL, que expulsou o deputado Antônio Carlos Rodrigues depois que o parlamentar criticou as tarifas de Donald Trump e saiu em defesa de Alexandre de Moraes. Para o pesquisador, a decisão foi um sinal de que o partido pretende seguir alinhado de forma firme ao projeto de Bolsonaro. Com isso, o ato também lançou um desafio direto a nomes como o governador Tarcísio de Freitas e a outras lideranças da direita: decidir se aceitam ou não a liderança bolsonarista e os riscos políticos e judiciais que ela acarreta.
Na avaliação de Lincoln Telhado, cientista político e professor da Universidade de Brasília (UnB), a manifestação tem como principal objetivo sinalizar que Bolsonaro segue como figura central no campo político da direita. Apesar das sanções impostas ao ex-presidente, como sua inelegibilidade, ele ainda mantém força suficiente para mobilizar apoiadores mesmo sem participar diretamente dos atos.
Segundo Telhado, o movimento também funciona como um aviso à ala da direita que tenta construir uma candidatura alternativa para 2026. “É uma demonstração de que o nome dele ainda vai ser relevante. E que, pelo menos para o chamado grupo da direita que quer unificar um nome, dá uma clara demonstração de que a decisão vai passar por Bolsonaro. Se a direita, que algumas semanas atrás, estava ali querendo viabilizar o nome do Tarcísio, Bolsonaro não será escanteado dessa escolha”, afirma.
Com as tarifas impostas por Donald Trump, os governadores passaram a priorizar a agenda econômica e preservar a própria imagem diante do desgaste provocado pelo tarifaço. Participar de uma manifestação contra o Supremo, em meio a um embate direto com os Estados Unidos e com o empresariado pressionando por soluções, poderia representar um custo político alto demais.
“Pegaria muito mal para esses governadores, que são políticos que tentam vender essa imagem de pró-empresariado, pró-desenvolvimento econômico, participar da manifestação”, diz Telhado. “Isso seria um erro muito estratégico: um governador subir num palanque para dizer que tem que ocorrer o tarifaço, tem que sancionar o Moraes, tem que sancionar o STF.”
Outras capitais
Os protestos ocorreram em diversas capitais: São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ), Belo Horizonte (MG), Brasília (DF), Salvador (BA), Belém (PA) e Campo Grande (MS), além de cidades do interior, como São José do Rio Preto e Bauru, no estado de São Paulo. No Rio de Janeiro, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), um dos organizadores do evento, discursou e voltou a comparar seu pai a Nelson Mandela, líder sul-africano símbolo da luta contra o apartheid.
Durante o ato, Flávio colocou brevemente o pai no viva-voz para falar com o público no Rio e, mais tarde, divulgou um vídeo mostrando Bolsonaro em casa enviando uma mensagem aos apoiadores. “Boa tarde, Copacabana. Boa tarde, meu Brasil. Um abraço a todos. É pela nossa liberdade. Estamos juntos”, disse Jair Bolsonaro.
Em Brasília, cerca de 4 mil pessoas participaram do protesto em frente ao Banco Central, segundo a Polícia Militar. Parlamentares como os senadores Izalci Lucas e Márcio Bittar e as deputadas Bia Kicis e Caroline de Toni discursaram no trio elétrico, com críticas ao foro privilegiado e defesa da anistia aos condenados pelos atos de 8 de janeiro.
Em Belém, a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro liderou o ato e afirmou que “o fim da censura no Brasil está próximo”. Já em Goiânia, o deputado Gustavo Gayer discursou contra o que chamou de “ditadura do Judiciário”. Em Salvador, manifestantes se reuniram na orla da Barra com gritos por anistia e apoio a Donald Trump, visto como aliado da direita brasileira.