Nesta semana, celebramos o Dia Nacional da Saúde no Brasil, comemorado nesta terça-feira (5). Instituída em homenagem ao nascimento do médico sanitarista Oswaldo Cruz, essa data nos convida à reflexão sobre a importância de uma vida com qualidade, bem-estar físico, mental e emocional. Em 2025, esse marco se torna ainda mais simbólico quando dialoga com os 16 anos da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN), instituída em 19 de agosto de 2009.
Essa política ousou romper com séculos de omissão ao reconhecer o racismo como determinante social de adoecimento. Representou uma conquista histórica dos movimentos negros, das mulheres negras, quilombolas, povos de terreiro, profissionais da saúde e ativistas do Sistema Único de Saúde (SUS).
Celebramos, portanto, essa ousadia. Celebramos cada profissional que constrói o letramento racial no SUS, cada mulher negra que tem acesso a um parto digno, cada ação que busca reduzir o abismo sanitário-racial no país. Mas também denunciamos: o racismo institucional segue matando.
A população negra é maioria no SUS — cerca de 67%, segundo dados do FESaúde 2024. Por outro lado, nós somos minoria nas instâncias decisórias desses espaços.
Seguimos sub-representados na gestão e super-representados nas estatísticas de morte evitável. Mulheres negras morrem duas vezes mais por causas maternas. Dados preliminares da pesquisa Nascer no Brasil, apresentada em 2023, apontam que, enquanto o número de mortes maternas está em 46,56 para mulheres brancas, no caso das mulheres pretas é mais que o dobro: 100,38 óbitos para cada 100 mil nascidos vivos. No caso das pardas, a incidência é de 50,36.
Vale lembrar que o Brasil assumiu uma meta, junto às Nações Unidas, de reduzir esse número para 30 mortes até 2030. Essa disparidade se relaciona com a desigualdade no acesso ao pré-natal e a tratamentos adequados. Estudos anteriores indicam que apenas 68,1% das gestantes negras fizeram ao menos sete consultas pré-natais, contra 81% das gestantes brancas.
Além disso, sabemos que o acesso ao diagnóstico, ao cuidado e à prevenção ainda é marcado pela desigualdade. O SUS é nosso, mas ainda não é para nós. Outro ponto a se destacar são os nossos jovens negros, que são maioria entre as vítimas da violência. Segundo o Atlas da Violência, lançado pelo Ipea neste ano de 2025, 76,97% das vítimas de homicídios em 2023 no Brasil foram pessoas negras e pardas, entre 15 e 29 anos.
A implementação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN) é desigual. Muitos estados não têm coordenações específicas, comitês gestores ou formação qualificada para executar a política.
De acordo com o Ministério da Saúde, apenas 32% dos municípios brasileiros declararam, em 2021, ter incluído ações da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra em seus planos municipais. Desses, menos de 7% possuíam instâncias específicas para coordenar tais ações. Ou seja, mais de 93% dos municípios ainda não implementaram a PNSIPN em sua totalidade. O que está em jogo não é apenas a saúde, mas o direito de viver com dignidade.
Nesse cenário, o Clube Social Negro de Brasília (CSNB) surge como quilombo urbano e como ferramenta de cuidado. Nossa proposta integra cultura, memória, educação, saúde e soberania econômica em um espaço que promove o bem viver da população negra.
A sede do CSNB, atualmente em fase de captação para construção, será um centro de referência simbólica e prática. Um espaço de promoção da saúde física, mental e espiritual. Um território onde o cuidado começa no tambor, na roda de conversa, no acolhimento, na autoestima e na produção coletiva do saber.
Neste Dia Nacional da Saúde, reafirmamos: saúde é bem-estar, é cultura, é pertencimento. Queremos um SUS antirracista, com participação negra efetiva, políticas públicas sustentáveis e investimento real.
Nossa meta de captar recursos para construir o CSNB não é luxo. É reparação. É compromisso com a vida. É parte da reconstrução de um país que precisa acolher sua população negra como sujeito de direitos.
Seguiremos. Pelo direito à vida com bem viver. Pelo fim do racismo institucional. Pela saúde negra viva, presente e de todos nós.
*Ana Paula da Cruz Caramaschi é membra do Clube Social Negro de Brasília, enfermeira, mestra em Saúde Pública, com ênfase em saúde da Criança e da Mulher, Especialista em Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas.
** Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato DF.