O primeiro turno das eleições bolivianas confirmou a força da direita e a ausência da esquerda na disputa presidencial na Bolívia, algo inédito nas últimas duas décadas. Com quase 100% das urnas apuradas, Rodrigo Paz, Partido Democrata Cristão, e Jorge “Tuto” Quiroga, da coalização Alianza Libre, com 32,1% e 26,8% respectivamente, estão confirmados como os dois candidatos que vão disputar o segundo turno no dia 19 de outubro deste ano. Ambos simbolizam a volta ao poder de setores conservadores e tradicionais da política boliviana, contrários ao processo de mudança iniciado com o ex-presidente Evo Morales, em 2006.
Rodrigo Paz, que saiu à frente na preferência do eleitorado, é uma figura relativamente nova no cenário nacional, mas com forte herança política. É filho de Jaime Paz Zamora, ex-presidente da Bolívia nos anos 1990, período também marcado por governos de austeridade e privatizações. Paz construiu sua carreira como senador por Tarija, no sul do país, e ganhou projeção por se apresentar como uma voz de renovação, embora sua trajetória esteja ligada diretamente às famílias políticas tradicionais.

A vitória de Paz no primeiro turno, superando Samuel Doria Medina, considerado favorito até poucos dias antes da eleição, surpreendeu os bolivianos. Apesar do discurso modernizante, Rodrigo Paz defende a manutenção de políticas ortodoxas na economia e o fortalecimento de alianças com o empresariado de Santa Cruz de La Sierra, o coração econômico da Bolívia.
Suas propostas estão distantes de agendas populares ou indígenas, que marcaram o processo de mudança iniciado em 2006. Sua candidatura busca ocupar o espaço de centro-direita, apresentando-se como alternativa ao discurso de Tuto Quiroga, que está mais à direita.
Ex-aliado de ditador
Jorge Quiroga, por sua vez, conhecido como “Tuto”, tem uma longa trajetória política vinculada à elite econômica boliviana. Foi vice-presidente de Hugo Banzer — ex-ditador militar que governou o país em duas oportunidades — e assumiu a presidência entre 2001 e 2002, após a renúncia do então presidente. Durante seu breve governo, aplicou políticas neoliberais de abertura de mercado e privatizações, alinhadas ao receituário do Fundo Monetário Internacional (FMI). Apesar do desgaste político que acumulou, permaneceu como figura constante da oposição ao Movimento ao Socialismo (MAS) nas duas décadas seguintes.

Ao longo dos anos, Quiroga construiu um perfil de político conservador e alinhado aos Estados Unidos. Defendeu iniciativas de criminalização dos movimentos sociais e manteve relações estreitas com Washington. Suas posições o transformaram em um dos principais adversários de Evo Morales, com quem travou embates em diferentes momentos da história recente.
Presença de Evo Morales
No centro dessa disputa permanece a figura de Evo Morales. Impedido de ser candidato, Evo, que alega perseguição judicial, se lançou à campanha pelo voto nulo, que chegou a 19,3%, o maior índice da história boliviana. A sua força nas ruas e a capacidade de mobilizar setores populares ainda pesam como fator de instabilidade, mesmo em um quadro eleitoral dominado pela direita, e colocam o ex-presidente como uma sombra constante para o vencedor.