A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que as doenças transmitidas por vetores causam mais de 700 mil mortes por ano e representam mais de 17% de todas as doenças infecciosas que acometem seres humanos.
Nesse cenário, os mosquitos são um dos personagens que mais recebem o papel de vilão e, muitas vezes, são tratados como elementos que precisam ser eliminados. Mas acabar com a espécie não é uma realidade possível e, mesmo que fosse, causaria desequilíbrio natural considerável.
“Eu acho que a principal questão é exatamente essa. Um dos fatores que têm contribuído para esse aumento é o erro conceitual de atribuir ao mosquito a responsabilidade pela transmissão das doenças”, afirma Denise Valle, pesquisadora do laboratório de Medicina Experimental e Saúde do Instituto Oswaldo Cruz, ao podcast Repórter SUS.
No episódio sobre o Dia Mundial do Mosquito, 20 de agosto, ela fala sobre a relação entre o aumento de casos de arboviroses e as mudanças climáticas, a destruição ambiental, a invasão de habitats naturais e as estruturas urbanizatórias precárias. Doenças como dengue, zika, chikungunya, malária e febre do oropouche são, cada vez mais, um problema de saúde pública no Brasil e no mundo.
As alterações no clima proporcionam a proliferação de mosquitos e o aumento das temperaturas médias acelera o ciclo de vida do inseto e dos vírus. Eventos extremos, como inundações, criam mais locais para a reprodução. O desmatamento, por sua vez, fragmenta habitats naturais e empurra esses vetores para áreas urbanas. A falta de saneamento básico e tratamento de água completa o ciclo, transformando as cidades em grandes criadouros.
“O mosquito é visto como inimigo público número um, mas, na prática, ele é o melhor amigo do homem. Ele é um mosquito pet, quase um animal doméstico, porque criamos as condições propícias para ele estar junto conosco”, alerta Denise Valle.
Historicamente, o Brasil já obteve sucesso na erradicação de vetores, como o Anopheles gambiae, responsável pela malária africana na década de 30. Esse feito, no entanto, gerou a falsa impressão de que o combate químico e a erradicação seriam a solução para todos os mosquitos.
A realidade do Aedes aegypti, um mosquito doméstico e altamente adaptável, demonstra o contrário. O uso indiscriminado de inseticidas, que já esteve muito presente nas políticas públicas, não elimina a população, mas seleciona os mais resistentes, tornando a estratégia ineficaz a longo prazo.
A pesquisadora enfatiza que a solução passa por uma mudança de conduta e uma visão integrada da saúde pública. A responsabilidade não pode recair apenas sobre os agentes de saúde, mas envolve também questões ambientais, educacionais, econômicas e de desenvolvimento. “Não é uma questão de combate, mas é uma questão de conduta, né?”