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Robert de Almeida Marques é geógrafo e pesquisador, mestre em Planejamento Urbano (UFPR) com foco no Direito à Cidade. Possui vasta experiência em pesquisa, organização popular e gestão pública, on...ver mais

O mapa do mundo está mudando: o jogo dos poderosos e o nosso futuro

'A crise nos EUA e a ascensão dos BRICS redesenham o poder global, exigindo que o Brasil defenda sua soberania'

Em tempos de grande instabilidade, quando uma velha ordem mundial morre e a nova ainda não nasceu, figuras perigosas aparecem no cenário. A história nos mostra que esses momentos de crise profunda são o berço de monstros. O mundo de hoje vive exatamente essa situação, e o contraste entre líderes como Donald Trump e Vladimir Putin revela que as bases do poder global estão a tremer. De um lado, vemos a personificação da crise de um império em declínio; do outro, o líder de uma nação que se reergueu das cinzas de um projeto traído.

Donald Trump não é um ponto fora da curva; ele é o resultado esperado de um sistema que entrou em parafuso. Seu estilo impulsivo e seu discurso individualista escondem uma realidade mais complexa: uma profunda divisão dentro da própria elite que comanda os Estados Unidos. Existe uma briga interna entre dois projetos. Um grupo quer manter o sistema global que funcionou no passado, com suas regras e alianças. O outro grupo, representado por Trump, acha que essas regras já não servem e aposta numa tática mais agressiva, de “salve-se quem puder”, para extrair o máximo de riqueza possível, mesmo que isso signifique destruir a ordem atual. Trump, portanto, não é apenas um líder caótico; ele representa um projeto que usa o caos para se beneficiar.

Essa rachadura no centro do poder mundial abre brechas, e é por elas que novas forças estão a surgir. O principal exemplo disso é a aliança dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Longe de ser apenas um bloco de comércio, os BRICS são um plano para construir um mundo com vários centros de poder, em vez de um só. Ao criarem suas próprias instituições financeiras, por exemplo, eles oferecem uma alternativa ao controle exercido por décadas pelo FMI e pelo Banco Mundial. Na prática, a luta dos BRICS é uma disputa para redesenhar o mapa do poder, criando novas rotas comerciais e novas parcerias que diminuem a dependência dos velhos impérios.

Nesse tabuleiro em movimento, a posição do Brasil é crucial. Para uma nação com a nossa riqueza natural, estratégica e humana, garantir a soberania nacional deixa de ser uma opção e torna-se uma condição para a sobrevivência. Em um mundo onde as potências disputam vorazmente recursos como os da Amazônia, o pré-sal e os minerais estratégicos, um projeto de nação forte é a única defesa. Isso significa investir em indústria, ciência e tecnologia, fortalecer nossas Forças Armadas e, acima de tudo, conduzir uma política externa independente, que coloque os interesses do nosso povo em primeiro lugar. Sem um projeto soberano, o Brasil corre o risco de ser apenas uma peça no jogo dos outros, e não um jogador que define o próprio destino.

Este cenário nos faz lembrar do evento que moldou o mundo nas últimas décadas: o fim da União Soviética. Se Trump representa a decadência do sistema atual, Mikhail Gorbachev representou a rendição. Sua traição ao projeto soviético não foi um erro ingênuo, mas uma entrega total. Ao acreditar nas promessas vazias do Ocidente e desmantelar seu próprio país, Gorbachev cometeu um erro estratégico fatal: cedeu poder e território, permitindo que a aliança militar ocidental (OTAN) se expandisse até as fronteiras da Rússia. Com isso, uma vasta região que poderia ter seguido outro caminho foi transformada num campo aberto para a exploração de empresas estrangeiras.

Qual é a lição que podemos tirar disso tudo? Primeiro, que em momentos de crise, precisamos de ficar atentos às figuras perigosas que surgem, pois elas são um sintoma de problemas maiores. Segundo, que o aparente caos na política muitas vezes esconde uma disputa real de projetos e interesses. Terceiro, e talvez o mais importante, é que toda grande disputa política é também uma luta para decidir quem vai controlar os recursos, as rotas comerciais e, no fim das contas, o mapa do mundo. Para aqueles que lutam por um futuro mais justo e soberano, a resposta continua a ser a mesma: organização e estratégia. A ascensão de um mundo com múltiplos polos, impulsionado por alianças como a dos BRICS, mostra que o jogo está em andamento e que o futuro ainda não está escrito. Entender essa disputa é o primeiro passo para poder influenciar a direção na qual o mundo vai caminhar.

*Robert de Almeida Marques é geógrafo e pesquisador, com mestrado em Planejamento Urbano pela UFPR, onde focou seus estudos no Direito à Cidade. É pesquisador em diversas frentes, como no BrCidades, no PLANTEAR (Planejamento Territorial e Assessoria Popular), no Observatório das Metrópoles, no Observatório do Uso de Agrotóxicos no Paraná e no CEPPUR (Centro de Estudos em Planejamento e Políticas Urbanas). Acumula ampla experiência em organização popular, gestão pública, tendo atuado como Diretor de Departamento, Secretario Executivo de Conselhos de Direitos e Assessor Parlamentar.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

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