O segundo turno das eleições na Bolívia será disputado inteiramente pela direita, movimento inédito no país em mais de duas décadas. Os candidatos Rodrigo Paz, do Partido Democrata Cristão, e Jorge “Tuto” Quiroga, da coalizão Alianza Libre, receberam 32,1% e 26,8% dos votos no primeiro turno, respectivamente, neste domingo (17). Em entrevista ao Conexão BdF, da Rádio Brasil de Fato, o historiador e cientista político Juliano Medeiros avalia que o cenário é resultado de “um ciclo longo de dificuldades na política do país”, que culminará com a eleição de um candidato à direita em dois meses, quando acontece o segundo turno.
Para Medeiros, é importante traçar uma linha do tempo para compreender o atual momento político da Bolívia, desde a eleição de Evo Morales, em 2019, as sucessivas crises, passando pela presidência de Jeanine Áñez e a eleição do atual presidente Luis Arce, ex-ministro das finanças de Morales. “O que acontece depois disso é que, ao invés de a Bolívia voltar ao curso normal do processo que já vinha sendo construído desde 2005, com a ampliação de direitos, a afirmação do país no continente, o controle sobre as reservas estratégicas de gás, de lítio e outras riquezas naturais que a Bolívia tem, se abriu uma grande crise política no interior da esquerda boliviana”, destaca.
Rodrigo Paz, candidato que liderou no primeiro turno, não era o preferido dos analistas para vencer as eleições, por ser de um partido menor, explicou o historiador. Apesar de ser um rosto relativamente novo no cenário político nacional, é filho de Jaime Paz Zamora, ex-presidente do país na década de 90, que fez carreira como senador por Tarija, no sul do país. Já o segundo colocado, Jorge Quiroga, conhecido como “Tuto”, era o candidato favorito para liderar a disputa. Alinhado à elite boliviana, foi vice-presidente de Hugo Banzer, ex-ditador militar que governou o país, e assumiu a presidência da Bolívia entre 2001 e 2002, após a renúncia de Banzer.
“Acontece que isso vai mudando ao longo da campanha. E, nas últimas semanas, o que acontece é uma ascensão do Rodrigo Paz, que deve receber o apoio dos outros candidatos de direita, centro-direita e é o favorito para vencer as eleições”, afirma Medeiros. No primeiro turno, o candidato Andrónico Rodríguez, considerado mais à esquerda, recebeu 8% dos votos, atrás dos votos nulos, fortemente apoiados por Evo Morales, que não pode concorrer. “O resultado disso é que nós tivemos uma participação de 88% do eleitorado boliviano, só que, desses 88%, houve abstenção, um voto nulo de 22%, um crescimento de 404% do voto branco e nulo na Bolívia na comparação com a eleição de 2020”, pontua Medeiros.
Diante da vitória iminente da direita na Bolívia, o historiador avalia uma possível “onda da extrema direita” na América do Sul e vê um cenário difícil para o campo progressista. “Nós temos um bloco hoje que, na prática, reúne quatro países, quatro governos progressistas, que são Colômbia, Brasil, Uruguai e Chile. É muito pouco para uma região com tantos desafios, ainda com uma chance de derrota no Chile no final do ano, e com muitas dificuldades na Colômbia daqui a um ano, quando acontecem as eleições presidenciais”, conclui.
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