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Um espaço para a valorização da interface brasileira do universo dos psicodélicos. A primeira coluna sobre o tema escrita por uma mulher no Brasil. Caroline Apple é jornalista há quase 20 anos c...ver mais

Festival Híbrido abre espaço inédito de valorização das bioculturas e dos psicodélicos

Movimento promete dar foco aos psicodélicos de forma contundente, diferente dos espaços menores que até hoje os eventos canábicos têm dado ao tema

A psicodelia brasileira e as bioculturas dos povos indígenas acaba de ganhar um novo palco. Nos dias 11 e 12 de outubro, São Paulo recebe a terceira edição do Festival Híbrido, evento que há anos se destaca por ressignificar as relações culturais e mercadológicas com a cannabis. Desta vez, o festival mergulha de cabeça no universo dos psicodélicos e das bioculturas, inaugurando o Espaço Psicodelicamente, com curadoria do jornalista e escritor Carlos Minuano, que também é idealizador de um site especializado e de uma coluna na Carta Capital, que levam o mesmo nome do projeto.

Não se trata apenas de um festival. É um movimento que promete dar foco aos psicodélicos de forma contundente, diferente dos espaços menores que até hoje os eventos canábicos têm dado ao tema. Durante dois dias, indígenas, cientistas, comunicadores, terapeutas e psiconautas se encontram para debater o futuro das medicinas da floresta e dos psicodélicos e suas intersecções com ciência, saúde, espiritualidade, arte e política pública.

Evento abre espaço para os psicodélicos e as bioculturas terem mais destaque | Lana Pinho/Divulgação

Psicodelia com sotaque do Sul Global

Minuano explica que a proposta deste ano é “fortalecer a discussão sobre os psicodélicos no Brasil, revisitando culturas tradicionais e traçando um panorama até o presente”. É também sobre colocar a Amazônia e o Sul Global no centro de uma conversa que, muitas vezes, chega por lentes importadas.

Essa virada aparece com clareza na curadoria: uma escuta que inclui desde lideranças indígenas em diálogo direto com a COP30, até o resgate da obra visionária de Pablo Amaringo, pintor peruano que transformou a experiência da ayahuasca em símbolos universais. O festival também recebe uma exposição inédita do xamã-artista Randy Gonzalez, além de trabalhos de novos nomes da cena visionária.

Carlos Minuano é o jornalista que está à frente do Espaço Psicodelicamente, que promove uma oportunidade inédita dentro de um evento canábico | Carlos Minuano – Divulgação

Um espaço raro, um gesto inédito

Nos últimos anos, tem crescido a tendência de festivais canábicos abrirem pequenas brechas para discutir bioculturas e psicodélicos em seus espaços. Geralmente são mesas tímidas, oficinas isoladas ou um debate paralelo que acaba passando quase despercebido diante da força do mercado canábico. 

O Festival Híbrido, no entanto, rompe esse padrão: dedica toda uma área de debates e exposição ao tema, criando o maior espaço já aberto em um evento desse porte para discutir psicodelia no Brasil. Um gesto inédito e simbólico, que aponta para a maturidade e a urgência da pauta no cenário nacional.

A novidade mais ousada é o 1º Salão Psicodelicamente, espaço para expositores que vai reunir escritores, artesãos, projetos comunitários e empresas do setor. Ali, acontece também a primeira feira do livro psicodélico do Brasil, iniciativa simbólica e histórica, já que a circulação de ideias, palavras e saberes sempre foi parte da contracultura psicodélica.

“Quando a gente criou a Psicodelicamente, lá em 2022, a ideia era abrir espaço para a educação pública sobre o tema, combater a desinformação e valorizar os saberes indígenas e amazônicos. Hoje, poder celebrar os três anos da revista dentro de um festival desse porte é também celebrar a resistência de uma mídia independente que nasceu na beira do abismo”, conta Minuano.

Psicodelia, política e contracultura

Além dos debates, o festival escolheu a banda Ira! para marcar o tom musical. Uma escolha que não é casual: se nos anos 1980 o rock brasileiro ecoava a insatisfação de uma juventude sufocada pela ditadura, hoje a psicodelia urbana carrega a insatisfação de uma geração diante da crise climática, da repressão estatal e da mercantilização da espiritualidade.

No cardápio de temas estão assuntos como: renascimento psicodélico e COP30; protagonismo indígena diante do turismo da ayahuasca; integração psicodélica: práticas seguras entre ciência, terapia e espiritualidade; legalização e SUS: entraves políticos e o debate sobre medicinas tradicionais nas políticas públicas; jornalismo psicodélico: os dilemas de narrar o sagrado, o científico e o ilegal, e arte visionária: homenagem a Amaringo e diálogos com artes indígenas.

O Festival Híbrido promete ser um divisor de águas. Não apenas por dar visibilidade às bioculturas da floresta e aos psicodélicos, mas por propor uma nova estética de encontro: onde saberes ancestrais e pesquisa acadêmica não se enfrentam, mas sim se escutam com equidade. Onde arte, ativismo e espiritualidade se atravessam. Onde a psicodelia não é só consumo, mas também política cultural.

Em tempos de banalização e apropriação das medicinas tradicionais indígenas, espaços como esse se tornam fundamentais. Eles lembram que a psicodelia não é modinha, nem mercado, é história viva, é disputa de narrativa, é futuro em jogo.

E nessa grande união, a coluna Psicodelia Brasileira também estará presente nos dois dias de evento, em mesas e debates importantes sobre esse cenário que roga por justiça, reparação e ética.

Conheça mais sobre o evento aqui.

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