Considerado um território quilombola sagrado, a Ilha de Maré, na Bahia, sofre com avanço de empreendimentos que ameaçam os modos de vida e até a integridade física das pessoas que vivem na região.
Habitada por diversos povos tradicionais, a área é uma das 56 ilhas da Baía de Todos os Santos, que pertence ao município de Salvador e ganhou atenção nacional em 2019, após o surgimento de manchas de óleo que já indicavam a contaminação por petróleo.
Eliete Paraguaçu (Psol), primeira vereadora quilombola da capital baiana, nascida na região, chama a atenção para os riscos do que ela nomeia como “assassino invisível”.
“Nós denunciamos há mais de 20 anos o que eu chamo de ‘assassino invisível’, que é a poluição química, que mata a população do entorno desses grandes empreendimentos. É um assassino sem digital. O racismo ambiental é isso e o território de Ilha de Maré sofre com o racismo”, destacou, em entrevista ao Conversa Bem Viver.
A parlamentar tem sido vítima de diversos ataques e acusações que ela atribui a empresários da região. Segundo Paraguaçu, as investidas seriam uma tentativa de intimidar a atuação dela e de outras lideranças que defendem o meio ambiente e os direitos das comunidades.
“A sociedade precisa entender que, na verdade, esses ataques não são contra mim, Eliete Paraguaçu, e sim contra o projeto político coletivo do bem viver que as mulheres das águas, pesqueiras e quilombolas têm construído”, enfatiza.
A vereadora também comenta sobre um estudo que será realizado na Ilha de Maré, envolvendo a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e a Universidade Federal da Bahia (UFBA), que prevê a coleta de sangue da população para avaliar a presença de toxinas devido às atividades petrolíferas na região.
“Para rastrear o ‘assassino invisível’, precisamos trabalhar e pesquisar os corpos, pois é neles que encontramos chumbo, cádmio, mercúrio e arsênio. É nos corpos negros. O modelo das empresas não serve. Ele tem assassinado as pessoas e os modos de vida. As crianças de Ilha de Maré estão com câncer aos 10 anos”, denuncia.
Confira a entrevista completa:
Brasil de Fato – Você publicou recentemente nas redes sociais que o mandato popular das águas repudia com veemência as acusações e a violência política de gênero e raça praticada contra a senhora. Que ataques são esses?
Eliete Paraguaçu – Esses ataques acontecem desde 2016, e, depois, por empresários da Baía de Todos os Santos. Eu sou moradora da Ilha de Maré, o bairro mais negro de Salvador, com cerca de 11 mil quilombolas, dentro de um total de 16 mil na cidade. Esse território também abriga 21 poços de petróleo, sofre com altos índices de anemia falciforme e câncer, como apontaram pesquisas de 2018 e 2019.
Minha luta sempre foi contra o modelo de desenvolvimento que ameaça o bem viver, sobretudo nas áreas de manguezal. Em 2024, me tornei a primeira vereadora pescadora quilombola eleita em Salvador, levando a pauta do racismo ambiental. Isso incomodou muito esses empresários, que passaram a me perseguir ainda mais. Eles já me perseguiam antes.
Desde 2021, após um empreendimento que destruiu mais de seis hectares de manguezal na Baía de Aratu e as mulheres irem para cima defender as áreas de mangue, que são o modo de vida, alimento e trabalho dessas mulheres, intensificaram-se as perseguições. Eu e minha companheira Marizelia Lopes assumimos a linha de frente dessa luta com um discurso sem medo e pelo bem viver. Por isso, fomos alvo de ataques. Precisei sair da minha comunidade, onde não moro há quase três anos, devido a perseguições políticas e de pessoas cooptadas pelos empresários.
Nos últimos dias, a situação atingiu um nível de barbárie na Câmara Municipal de Salvador. Nunca antes o púlpito foi usado para atacar uma vereadora da Casa. Esses ataques são orquestrados por vereadores aliados a esse empresário, que já havia me difamado em 2021, me acusando falsamente de desviar recursos. Eu entrei na Justiça e alguns responsáveis já foram condenados, porque provei que não desviei nenhum recurso. A cidade de Salvador e o Brasil ficaram preocupados.
Esse empresário manda na Bahia, no judiciário, na polícia e acha que pode mandar na minha vida e na minha dignidade. Desde 2007, ele tenta me cooptar com figuras que ele paga para assediar a minha liderança, mas eu disse não e isso está incomodando. Ele também tem um jornal e dedica colunas semanais para me atacar e atacar o mandato popular das águas.
Mas a sociedade precisa entender que, na verdade, esses ataques não são contra mim, Eliete Paraguaçu, e sim contra o projeto político coletivo do bem viver que as mulheres das águas, pesqueiras e quilombolas têm construído. Não dá mais para sentarmos e conversarmos, porque, quando sentamos para negociar com esses empresários, negociamos a vida das pessoas, do meio ambiente e, sobretudo, da geração futura.
Um estudo será realizado na Ilha de Maré, envolvendo a Fiocruz e a Universidade Federal da Bahia, e prevê a coleta de sangue da população para avaliar a presença de toxinas devido às atividades petrolíferas na região. Quais são as expectativas em relação a essa pesquisa?
Nós denunciamos há mais de 20 anos o que eu chamo de “assassino invisível”, que é a poluição química, que mata a população do entorno desses grandes empreendimentos. É um assassino sem digital. O racismo ambiental é isso e o território de Ilha de Maré sofre com o racismo sobretudo na educação, na alimentação e no modo de vida que fica estabelecido a partir da chegada dos grandes empreendimentos.
Nós começamos a fazer o enfrentamento e dizer que precisaríamos, inclusive, sair da Bahia para denunciar. Estamos chegando em vários países e denunciando o “assassino invisível”. Também conseguimos construir diversos projetos, mas, na hora H, não tem recurso nem dinheiro.
Quando eu assumi a atuação na Câmara, o prefeito me procurou para dialogar sobre as empresas do entorno da Baía de Todos os Santos e a judicialização delas. Ele perguntou se eu topava ajudar e eu disse que sim, mas destaquei que, para rastrear o “assassino invisível”, precisávamos trabalhar e pesquisar os corpos, pois é neles que encontramos chumbo, cádmio, mercúrio e arsênio. É nos corpos negros. Ele disse que concordava e eu sugeri de envolvermos a Fiocruz no processo. Em oito dias, fizemos a ligação e vieram as equipes da Fiocruz de Brasília, Rio de Janeiro, Bahia, além das faculdades de Medicina e de Farmácia e a Pastoral da Pesca.
O mandato seguiu buscando outras frentes de responsabilidade, como o governo do estado, e chamamos para o diálogo. Pensamos em como financiar. A prefeitura dará estrutura e o mandato está fazendo a articulação financeira. Existe uma lacuna sobre a questão ambiental na Baía de Todos os Santos.
Nós fizemos um projeto de indicação para que o município mude a lei orgânica e reconheça a natureza como sujeito de direitos. Porque, sobretudo, a natureza está sendo atacada. A região está sendo devastada pelos empresários, que arrancam manguezal, cavam e criam um cemitério de mangue, para esconder os crimes ambientais que têm cometido. São empresas que chegam no território e assassinam o modo de vida.
O mangue sempre foi espaço de sobrevivência das comunidades negras e quilombolas, que viemos escravizados da África e fomos jogados na sarjeta. É nele que educamos nossos filhos, encontramos alimento e trabalho. Foi a mãe, o útero que nos acolheu. Por isso, sigo na defesa do meio ambiente. O meio ambiente vive sem nós, mas nós não vivemos sem o meio ambiente. Estamos sendo atacados por fazermos o enfrentamento ao modelo perverso que está em curso.
A coleta do estudo começa em setembro. A análise leva tempo, mas estimamos que entre junho e julho do ano que vem teremos resultados mínimos. Com a necessidade de correr contra o tempo, vamos priorizar alguns territórios primeiro, como os que têm maior incidência de câncer, que são Bananeiras, Botelho e Santana. Vamos começar por esses três territórios e a ideia é selecionar mais ou menos 120 pessoas para as primeiras análises.
Também será criado um observatório de pesquisa de povos e comunidades tradicionais, em parceria com a Fiocruz, para acompanhar permanentemente as questões ambientais da Baía de Todos os Santos e regiões próximas. Vamos nos encontrar no dia 6 de setembro, em Ilha de Maré. São 13 municípios e 53 ilhas que existem aqui na Baía de Todos os Santos. O modelo das empresas não serve. Ele tem assassinado as pessoas e os modos de vida. As crianças de Ilha de Maré estão com câncer aos 10 anos. Estamos falando de pessoas que estão sendo mutiladas vivas. A segurança alimentar está ameaçada.
Recentemente, houve discussões sobre a exploração de petróleo na Foz do Rio Amazonas, no Amapá, apoiada pelo presidente Lula. Como a senhora avalia essa proposta?
O presidente Lula não é pescador e nem quilombola. Ele não tem a relação profunda que as comunidades tradicionais têm com a natureza. Ele tem lugar de fala, mas não o mesmo lugar de fala que eu, que vivo isso, tenho. Quem vive e sofre são as comunidades.
Esse modelo que acha que a natureza é lugar de explorar leva o Brasil ao fracasso, ameaça povos indígenas, quilombolas e pescadores. Essa guerra está no Congresso, com o PL da Devastação, por exemplo. Vocês não podem falar em nosso nome. Vocês podem ter o lugar de falar enquanto presidente, mas, enquanto comunidade tradicional, quem tem o direito da fala somos nós.
Não podemos mais abrir mão daquilo que a gente tem como sagrado. Então, o mandato popular das águas tem dialogado com alguns parceiros, com as comunidades indígenas, de pescadores e de quilombolas da Bahia, para ir ao território de Ilha de Maré, onde nasce a refinaria Landulfo Alves. Um ano depois, estão lá a fome e a miséria estabelecidas nesses municípios.
Os royalties do petróleo não chegam às comunidades tradicionais. Isso é uma falácia. Eu vivo em um território com 21 poços de petróleo e não há políticas de reparação ou compensação. É uma mentira dizer que haverá benefícios.
O mandato popular das águas luta por reparação e bem viver. É nisso que acreditamos.

Conversa Bem Viver
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