Enquanto o Mato Grosso bate recordes de produção agrícola, a sua capital Cuiabá tem hoje a quinta cesta básica mais cara do país. A contradição foi revelada nesta quarta-feira (20), com a divulgação da primeira pesquisa sobre o custo da cesta de produtos essenciais à população em todas as 27 capitais brasileiras.
A pesquisa foi realizada pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), agora em parceria com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Antes do acordo, o Dieese já realizava levantamentos sobre o custo da cesta básica em 17 capitais.
Cuiabá não estava incluída no levantamento, assim como Boa Vista (RR), Macapá (AP), Maceió (AL), Manaus (AM), Palmas (TO), Porto Velho (RO), Rio Branco (AC), São Luís (MA) e Teresina (PI). Dessas cidades, a capital do Mato Grosso é a que tem a cesta básica mais cara: R$ 813,48.
De todas as capitais, apenas em São Paulo (R$ 865,90), Florianópolis (R$ 844,89), Porto Alegre (R$ 830,41) e Rio de Janeiro (R$ 823,59), a cesta é mais cara do que na capital mato-grossense.
A cesta básica mais barata do país é comprada em Aracaju (SE) e custa R$ 568,52. Ela, portanto, é 30% mais em conta do que em Cuiabá.
Curiosamente, Mato Grosso é o estado com maior produção de grãos do Brasil. Segundo os últimos dados sobre a safra recorde que o país deve colher este ano, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na última quinta-feira (14), 32,4% de todos os cereais, leguminosas e oleaginosas produzidos no país serão colhidos no estado. Isso inclui arroz, milho, feijão, soja, trigo e outros.
O segundo estado no ranking de produção de grãos é o Paraná, responsável por 13,4% da colheita nacional – menos da metade da participação mato-grossense. Ainda assim, em Cuiabá uma cesta básica custa mais do que em Curitiba (PR).
Ração animal para exportação
“Isso não é tão surpreendente porque o Mato Grosso é o maior estado produtor de grãos do Brasil, mas com produção muita concentrada em milho e soja, que servem principalmente para ração animal. Os brasileiros consomem pouco milho, e a soja só é usada em produtos industrializados”, disse José Giacomo Baccarin, professor de economia e política agrícola da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp) e diretor do Instituto Fome Zero (IFZ).
Segundo Baccarin, a produção de soja e milho visa atender principalmente à exportação. Ele, aliás, se dedica a estudar como o aumento das exportações agrícolas nacionais tem a ver com a alta do preço dos alimentos no país. Segundo o especialista, muitos agricultores trabalham para exportar cada vez mais, o que reduz a disponibilidade de terras para cultivo de produtos que são consumidos pela população nacional.
Gerson Teixeira, engenheiro agrônomo e diretor da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra), também vê na concentração da produção agrícola do Mato Grosso um motivo para o alto custo da cesta básica em Cuiabá. Segundo ele, as áreas plantadas de arroz, feijão e mandioca no Mato Grosso, somadas, ocupam 1,3% das lavouras do estado. Por outro lado, a soja e o milho ocupam 91,5% da área total de lavouras temporárias.
“É uma assimetria muito grande entre o que vai para o consumo humano e o que vai para exportação”, afirmou. “O custo da cesta básica no Mato Grosso é revelador dos efeitos da expansão do agronegócio exportador.”
O presidente da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Edegar Pretto (PT), disse que muitos produtores rurais do Mato Grosso resolveram focar na exportação buscando uma lucratividade maior para suas lavouras.
Segundo ele, o governo federal tem agido para incentivar a produção de comida garantindo preços mínimos aos agricultores, por exemplo. Pretto disse que, graças a essa ação, já há mais comida sendo plantada no país, o que tende a reduzir preços. Em julho, segundo a pesquisa do Dieese, a cesta básica ficou mais barata em 15 das 27 capitais, principalmente, por conta da redução dos preços do arroz, feijão, café em pó e carnes.