Violência, questões sociais, economia, saúde, corrupção e educação são as principais preocupações da população brasileira, segundo uma pesquisa divulgada pela Quaest em abril deste ano. Nos últimos sete anos, essas e outras áreas enfrentam uma série de dificuldades em Minas Gerais, o que, na avaliação de especialistas, é sintoma dos efeitos da gestão de Romeu Zema (Novo), que desmonta a atuação do Estado, enquanto fortalece os interesses de setores do empresariado mineiro.
Diante desse cenário, eles são enfáticos ao afirmarem que veem com preocupação o lançamento da pré-candidatura do governador à Presidência da República, anunciada no dia 16 de agosto, em São Paulo.
Para disputar a base do eleitorado de Jair Bolsonaro (PL), que enfrenta julgamento junto a outros sete réus por tentativa de golpe de Estado e cumpre prisão domiciliar por descumprir decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), Zema antecipou a corrida eleitoral de 2026.
Mas, para Rubens Goyatá Campante, sociólogo e pesquisador do Centro de Estudos Republicanos Brasileiros (Cerbras) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a ação é oportunista, já que o governador mal tem dado conta do próprio estado.
“Zema não tem nenhum traço de estadista, nem visão ou proposta sobre como deve ser o Brasil. Ele só tem objetivos particulares. Oportunista político, tem buscado herdar o eleitorado bolsonarista, de extrema direita, com a ajuda do financiamento farto de grupos econômicos que, obviamente, investem na pré-candidatura dele contando com o retorno financeiro futuro por meio de favorecimentos legais ou extra-legais, mas, de qualquer forma, imorais”, analisa.
A ideia é reforçada pela deputada estadual do bloco de oposição do governo na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) Leninha (PT), que recentemente foi eleita presidenta estadual do Partido dos Trabalhadores. O recado que a parlamentar dá à população dos demais estados é de que “a experiência de MG com Zema não pode, em hipótese alguma, ser nacionalizada”.
“O Brasil não merece um governo que despreza o diálogo, que ataca as instituições, que aumenta a dívida do Estado e mantém sob sigilo bilhões em renúncias fiscais que poderiam ser revertidos em oportunidades para o nosso povo. Não é esse modelo de gestão excludente, elitista e descompromissado com a vida da maioria que o Brasil precisa. O povo brasileiro precisa saber que Minas está pagando caro por essa aventura”, alerta.
Interesses privados acima de tudo
Por ter acompanhado os projetos do governador no Legislativo desde a primeira gestão do mandatário, Leninha afirma que ele coloca os interesses privados acima das necessidades públicas.
“As principais marcas do governo Zema em Minas são o descaso com a população, a precarização dos serviços públicos e a completa falta de compromisso com a democracia. Ele governa para poucos, para os grandes empresários, enquanto o povo mineiro sofre com escolas sucateadas, hospitais sem condições de atender, estradas esburacadas e um Estado que viu a sua dívida com a União crescer em 51%”, enfatiza a deputada.
Imagem construída com marketing, dinheiro público e financiamento privado
Ainda assim, Romeu Zema foi reeleito para conduzir o segundo maior colégio em 2022 no primeiro turno. O governador, em seus discursos públicos, utiliza esse fato como uma suposta “comprovação” da “qualidade” do seu trabalho. Porém, os especialistas afirmam que, na verdade, o sucesso eleitoral dele no estado nada tem a ver com entregas, mas é fruto de um arranjo que combina marketing, utilização de dinheiro público, financiamento privado e aproveitamento da despolitização da população.
“Zema representa o que há de pior na política brasileira. Seria uma tragédia alcançar a presidência. Mas não se deve pensar que suas maneiras toscas e despreparadas são suficientes para que a população o rejeite. Devido à degradação da formação política de parte de nossa população, deliberada e estimulada pelas elites, muita gente se identifica com ele. Além disso, ele sabe se comunicar bem e tem uma assessoria fartamente financiada”, comenta Goyatá Campante.
Uma das denúncias é de que ele teria utilizado parte dos R$ 37,6 bilhões do acordo entre o governo de Minas e a Vale S.A, cujo objetivo seria a reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem de Córrego do Feijão, em Brumadinho, em 2019, para fortalecer a relação com prefeituras de municípios que sequer foram impactados pelo crime e alavancar sua campanha de reeleição.
Além disso, 28% dos gastos eleitorais — declarados — de Zema em 2022 foram fruto de uma doação milionária dos sócios da Localiza, maior empresa locadora de veículos de Minas Gerais. Atualmente, o ramo de locação de automóveis é um dos principais beneficiados pelo governo do estado, com o benefício de isenções bilionárias de impostos. A expectativa é de que, até 2028, as renúncias de Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) e de Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) das empresas representem, somadas, quase R$ 150 bilhões a menos para os cofres públicos.
As gestões do governador também são marcadas por sucessivas denúncias de utilização da estrutura pública de comunicação de Minas, como a Empresa Mineira de Comunicação (EMC), que reúne a Rede Minas e a Rádio Inconfidência e deveria ser utilizada apenas para interesses públicos , para promoção pessoal e do governo.
“Zema construiu sua imagem com muito marketing, gastando milhões em publicidade, para se vender como um gestor inovador, mas, na prática, é um governador que retira direitos, enfraquece as políticas sociais e trata Minas Gerais como um trampolim para seus projetos pessoais de poder”, chama a atenção a deputada Leninha.
A real situação de Minas
Diferente do que diz o governador, os analistas indicam que Minas Gerais, na realidade, está à beira do colapso, em especial no que diz respeito aos serviços públicos — essenciais para toda a sociedade, e em especial para a população das classes populares.
A saúde, por exemplo, segundo o professor da UFMG e médico infectologista Unaí Tupinambás, é motivo de “preocupação e revolta”. Ao mesmo tempo que não cumpriu a promessa de abertura de novos hospitais regionais no interior do estado, Zema ameaça privatizar a Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig) e fechar hospitais estratégicos da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH).
Saúde em colapso
“O sistema Fhemig, que deveria ser um dos pilares de apoio à população, enfrenta um processo de sucateamento e privatização. Observamos um cenário de descaso generalizado e programado. Todos viram o que aconteceu com o Hospital Maria Amélia Lins, referência no SUS para cirurgias ortopédicas. São pacientes aguardando no leito serem transferidos para outras unidades e filas enormes. A falta de investimentos e a ausência de políticas eficazes resultaram em hospitais e unidades de saúde em condições precárias trazendo grande sofrimento à população”, explica.
“Paralelamente, o governo tem avançado em uma agenda de privatização que enfraquece ainda mais o SUS. A gestão tem transferido a responsabilidade do atendimento para o setor privado, por meio de contratos e concessões. Essa medida tem se mostrado, na prática, um caminho para a elitização da saúde. A lógica do lucro, inerente à iniciativa privada, entra em conflito direto com o princípio de acesso universal e igualitário do SUS. Não podemos tratar a saúde como mercadoria”, continua Tupinambás, que também foi membro dos comitês de enfrentamento da covid-19 da UFMG e da Prefeitura de Belo Horizonte.
Guerra com a segurança pública
Com o 4º pior salário do Brasil, os trabalhadores da segurança pública têm enfrentado um duro cabo de guerra com o governador. Eles acusam Zema de ter enganado as categorias e denunciam que têm uma defasagem salarial de quase 45%.
Profissionais das polícias civil e militar também dizem haver uma política intencional de sucateamento das corporações, precarizando o trabalho e dificultando que os agentes desempenhem suas funções.
Nos últimos anos, foram diversas manifestações, paralisações e greves realizadas pelas categorias em Minas Gerais. Durante uma audiência pública na ALMG, realizada no dia 18 de agosto, policiais disseram que o governo estadual liberou verbas para abastecimento de viaturas da Polícia Militar, mas a Policia Civil e o Corpo de Bombeiros estão sem dinheiro até para isso.
Educação à deriva
Na educação, o cenário é parecido: trabalhadores acusam o governador de não cumprir com o piso salarial; categorias recebem menos que um salário mínimo; o Estado tenta passar suas responsabilidades para os municípios, com a municipalização das escolas; e o que avança é a entrada do setor privado nas instituições públicas.
Zema aprovou o reajuste do próprio salário em quase 300% em 2024 e, atualmente, recebe um dos maiores salários entre os governadores do país, R$ 41.845,49. A diferença entre o vencimento mensal do governador e dos servidores ultrapassa 4.300%, conforme denunciou o Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE/MG).
Além disso, o Executivo mineiro enfrenta um impasse com as comunidades acadêmicas e com o Tribunal de Contas do Estado (TCE-MG), por tentar implementar escolas cívico-militares no estado. Recentemente, o órgão suspendeu o programa em Minas .
Após a intervenção do TCE-MG, o vice-governador, Matheus Simões (Novo), criticou o tribunal, alegando que estaria interferindo em ações que competem ao Executivo. Em nota, o órgão respondeu que está apenas cumprindo a sua função, que é a de zelar pela legalidade.
“O TCE-MG não administra, não legisla e não executa políticas públicas. Sua função, delineada pela Constituição, é atuar como um órgão técnico de controle externo. Isso significa que avaliamos a legalidade, a legitimidade e a economicidade dos atos da administração pública”, diz o documento do tribunal.
Devastação ambiental
Outra medida suspensa pelo TCE-MG recentemente foi o processo de licenciamento para a expansão de uma barragem de rejeitos localizada em Conceição do Mato Dentro, município da região central de Minas Gerais. O empreendimento da mineradora britânica Anglo American já vinha sendo alvo de denúncias por parte da comunidade, mas tinha sido autorizado pelo governo Zema.
Em relação à política ambiental, especialistas destacam que a principal marca da gestão do governador é a flexibilização dos licenciamentos, facilitando autorizações para empreendimentos de risco, e o desmonte das instituições e da carreira de servidores que atuam na área.
“Ele diminuiu o Estado, diluiu a responsabilidade e aumentou o poder. Estamos nacionalmente discutindo sobre o ‘PL da devastação’, que trata basicamente sobre licenciamento, e, em MG, Zema automatizou muitas fases do processo de licenciamento, já legalizando parte dos impactos negativos da proposta que foi rechaçada pela população nacionalmente”, chama a atenção Jeanine Oliveira, ambientalista do Projeto Manuelzão, vinculado à UFMG.
“O auto-licenciamento para empreendimentos, inclusive, já é uma realidade em Minas Gerais. Em um estado onde já estouraram duas barragens e existem vários escândalos ligados às mineradoras, Zema cria um ambiente que favorece ainda mais esse setor. Ele está usando o Estado para beneficiar diretamente o setor privado”, continua.
Dívida nas alturas
O que cresceu em Minas Gerais nos últimos sete anos foi a dívida com a União, que aumentou 51% durante o governo Zema, chegando a mais de R$ 188 bilhões.
O governador se negou a pagar o montante, deixando que ele se acumulasse, e como alternativa, segundo economistas e parlamentares mineiros, optou pela falta de diálogo e pela tentativa de aprovar o Regime de Recuperação Fiscal (RRF), criticado por, além de não resolver o problema do débito, retirar direitos dos trabalhadores, congelar investimentos, privatizar o patrimônio público e retirar a autonomia do Estado, entre outros retrocessos.
Nenhum compromisso social
Na última semana, Zema foi criticado por comparar pessoas em situação de rua com “carros estacionados em local proibido”, insinuando que elas deveriam ser simplesmente “removidas”. Porém, a falta de compromisso social e o desrespeito aos direitos humanos, para o sociólogo Rubens Goyatá Campante, não se reduz ao discurso.
“Ele nunca entendeu ou quis entender como funciona a máquina pública e especialmente as políticas sociais. Essas, mais que desprezá-las, ele as odeia, pois dificultam seu propósito de saquear o Estado, que é seu único objetivo”, diz o especialista.
Entre as medidas já tomadas pelo governo estão vetos à criação do piso mineiro de proteção social especial como prejudicial para as populações em situação de vulnerabilidade de Minas Gerais; ao recurso de R$ 1 bilhão para assistência social; à criação de políticas de amparo para mulheres vítimas de violência e pessoas com deficiência, entre outras.
“Se ele fez isso aqui, imagine o que faria em todo o Brasil. O que não é bom para Minas, não será bom para o país”, finaliza a deputada Leninha.
O outro lado
O Brasil de Fato MG procurou o governo de Minas para comentar sobre as denúncias, mas não obteve respostas até a publicação desta matéria. O espaço segue aberto para manifestações.