O Favela Ufrgs, coletivo formado por estudantes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), deu início às suas atividades com um encontro cultural realizado no campus do Vale em 13 de agosto. A mobilização nasce da percepção de um vazio vivido por estudantes de periferia e favela ao ingressarem na universidade, diante da dificuldade de se reconhecerem nas práticas, debates e espaços acadêmicos.
A proposta do grupo é construir um ambiente de identificação e permanência, inserindo a cultura de favela na vida universitária e fortalecendo vínculos entre estudantes com trajetórias semelhantes.

Poesia, música e resistência
O primeiro encontro reuniu apresentações de poesia e rap de artistas como GoGui, Dellos e Ingrid Faria. Além das performances, o evento contou com a venda de “literaturas marginais”, ampliando a circulação da produção literária da periferia. A atividade recebeu pessoas de diferentes cursos e até de fora da Ufrgs, evidenciando a demanda por espaços desse tipo.
O coletivo resumiu o sentido da abertura com hip hop e slam: “Abrir a nossa trajetória com o hip hop e o slam é uma afirmação política. É a prova de que a nossa cultura é rica, complexa e tem muito a contribuir, dialogando com o ambiente acadêmico de forma potente e transformadora”.
Resistências internas
Apesar da recepção positiva, os integrantes do grupo apontam dificuldades para consolidar sua atuação. “Existe, sim, uma resistência velada”, afirmam. Essa resistência não aparece de forma explícita, mas se expressa na escassez de espaços, recursos e reconhecimento para atividades culturais que não seguem o padrão institucional.
Segundo o coletivo, a resposta a esse cenário está na própria prática: “A nossa resposta a essa resistência é justamente a nossa existência. Ao ocupar os espaços e trazer a nossa cultura, mostramos que estamos aqui para ficar e que nossa presença é tão legítima quanto qualquer outra”.
Universidade como território coletivo
Entre os lemas do grupo, a frase “a universidade também é nossa” ganhou centralidade. Para os estudantes, a Ufrgs ainda carrega marcas históricas de exclusão, e sua presença significa a possibilidade de questionar e transformar a instituição.
“É dizer que temos o direito de questionar, de ocupar, de transformar e de fazer com que a Ufrgs reflita a diversidade de quem a compõe. É um convite para que a comunidade se sinta parte do processo e se aproprie desse espaço de conhecimento.”

Visibilidade e rede de apoio
A repercussão do coletivo nas redes sociais e em páginas de grande alcance em Porto Alegre e no Rio Grande do Sul foi destacada pelos integrantes como um reconhecimento do movimento. “Ser publicado em páginas tão relevantes, que alcançam um público amplo na cidade e no estado, demonstra que a nossa mensagem está sendo ouvida. Isso legitima a nossa causa e nos dá ainda mais força para continuar.”
Ao mesmo tempo, o Favela Ufrgs se organiza como espaço de acolhimento para estudantes que enfrentam múltiplas dificuldades. Questões financeiras, isolamento, racismo institucional e a ausência de representatividade em cargos de gestão e currículos estão entre os desafios mencionados.
“O coletivo é, antes de tudo, um espaço de acolhimento. É o lugar onde a gente pode chegar e ser quem a gente é, sem precisar explicar a nossa realidade. E é neste espaço que construímos a força necessária para seguir na luta.”
Demandas à universidade
A pauta do grupo inclui medidas estruturais para ampliar a representatividade dentro da Ufrgs. Entre as reivindicações estão a contratação de docentes e técnicos negros e indígenas, a inserção de conteúdos relacionados às periferias nos currículos e um plano de permanência estudantil que atenda às necessidades reais dos estudantes.
“É preciso que a Ufrgs não apenas aceite a nossa presença, mas que valorize a nossa cultura e se adapte para nos acolher de verdade. A universidade precisa ser um espaço que nos fortalece, e não que nos obriga a apagar nossa identidade para nos encaixar.”
Próximos passos
Para este semestre, o Favela Ufrgs planeja ampliar sua atuação com novos encontros culturais, rodas de conversa, debates e oficinas. O objetivo é consolidar uma base de estudantes e afirmar a presença da cultura periférica dentro da universidade.
Com a ocupação dos espaços acadêmicos por meio da arte e da organização coletiva, os estudantes buscam demonstrar que a Ufrgs pode refletir de forma mais ampla a diversidade da sociedade que a compõe.