Oitenta anos após a independência colonial, celebrados nesta terça-feira (2), o Vietnã conseguiu superar décadas de agressão imperialista e se tornar uma das economias que mais crescem no mundo. E os frutos dessa prosperidade podem beneficiar o Brasil, que investe na aproximação comercial entre os dois países.
A balança comercial apresentou saldo positivo para o Brasil em 2024, com um fluxo total de cerca de US$ 7,7 bilhões (quase R$ 42 bilhões), e o governo Lula planeja duplicar esse valor até 2030, atingindo US$ 15 bilhões (R$ 82 bi). As principais exportações brasileiras para o Vietnã são produtos agrícolas, como algodão, milho e soja, e o Brasil busca expandir o comércio para incluir mais produtos e fortalecer os laços econômicos com o país comunista.
A força da economia vietnamita, no entanto, é consequência de políticas adotadas a partir de 1986, onze anos após o fim da sangrenta guerra contra os Estados Unidos, quando o partido central seguiu o modelo chinês e mesclou abertura de mercado com orientação socialista. Além de investimento pesado em educação e infraestrutura, essas políticas aumentaram o papel do setor privado, comércio exterior e investimento estrangeiro direto.
O resultado foi que o Vietnã saltou da pobreza para ser uma das economias com crescimento mais rápido do planeta, média de 8% ao ano. O Produto Interno Bruto (PIB) disparou de US$ 8 bilhões, em 1986, para US$ 476,3 bilhões, em 2024, aumento de 59,5 vezes. O PIB per capita cresceu de apenas US$ 80 (R$ 436), em 1975, para US$ 4,7 mil (R$ 26 mil), em 2024. Segundo analistas, é resultado do processo revolucionário idealizado há décadas por Ho Chi Minh.
“A grande referência do Vietnã é o seu processo revolucionário, uma escolha feita lá atrás, e a sua luta até 1976 foi para garantir as condições para esse desenvolvimento”, disse o economista Elias Jabbour ao Brasil de Fato.
“Eles estão realizando hoje o que desejavam, desde antes da metade do século passado. O legado revolucionário é o legado que se materializa nesse processo deles de desenvolvimento acelerado”, explica.
Independência
A capital vietnamita, Hanói, foi palco de vários ensaios para a celebração desta terça-feira, com bandeiras nacionais enfeitando ruas e moradores se reunindo para assistir os preparativos do desfile militar. Alguns usavam desenhos da bandeira vermelha com sua distinta estrela amarela, enquanto outros pintavam o rosto com as mesmas cores.
Há 80 anos, em 2 de setembro de 1945, o líder revolucionário e estadista Ho Chi Minh declarou a independência do Vietnã sob o novo nome de República Democrática do Vietnã, em discurso que invocou a Declaração de Independência dos Estados Unidos e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão da Revolução Francesa. O dia foi escolhido por ser o mesmo em que o Japão assinou, formalmente, o documento de rendição oficial aos Aliados, encerrando a Segunda Guerra Mundial.
O Vietnã foi ocupado pela França desde a década de 1860 e denominado Indochina Francesa, juntamente com Cambodja e Laos. Durante a Segunda Guerra Mundial, a ocupação foi dos fascistas japoneses, até sua rendição. Apesar da declaração de independência, o Vietnã seria palco de guerras brutais nas décadas seguintes, a começar em 1946 com a Guerra da Indochina (que matou cerca de meio milhão de pessoas), um dos primeiros conflitos por procuração, entre o Ocidente capitalista e o bloco comunista, representado pela União Soviética e China.
Os acordos de Genebra de 1954 marcaram o fim desta guerra e dissolveram a Indochina vietnamita em dois países rivais, o Vietnã do Norte, comunista, com capital em Hanói, e o do Sul, capitalista, com capital em Saigon, hoje Cidade de Ho Chi Minh. Deram também início à tentativa de unificação do país no conflito (1955 – 1975) conhecido internamente como Guerra Americana e Guerra do Vietnã no resto do mundo. Estimativas do número de mortes do maior conflito da Guerra Fria variam bastante, de um a quatro milhões de pessoas.
O gráfico abaixo (em inglês) mostra o grande crescimento do PIB vietnamita após o final das agressões externas:

Este ano, o país já havia celebrado outra data redonda, o 50º aniversário da queda de Saigon e o fim da Guerra do Vietnã na Cidade de Ho Chi Minh. O evento de 30 de abril teve a presença de tropas chinesas para retratar Pequim como um parceiro mais confiável do que os Estados Unidos, que seguem sendo o maior parceiro comercial do país no continente americano.
Oportunidades para o Brasil
O Brasil é o maior parceiro comercial do Vietnã na América Latina e o segundo na América, depois dos Estados Unidos. Já o Vietnã é o quinto maior destino das exportações brasileiras, atrás de China, Estados Unidos, União Europeia e Indonésia, comprando algodão bruto, milho, soja e farelos de soja.
A Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex) avalia que há 220 oportunidades para produtos brasileiros em setores estratégicos, incluindo produtos alimentícios e animais vivos: destaque para açúcares, alimentos para animais e café; matérias brutos (celulose, cortiça, madeira e fertilizantes); artigos manufaturados (borracha, couro, ferro e aço); e produtos químicos (adubos, materiais de tingimento e outros produtos químicos).
Nos primeiros cinco meses deste ano, o volume de exportações do Vietnã para o Brasil atingiu US$ 1,14 bilhão, um aumento de 1,48% em relação ao mesmo período do ano passado. Os principais itens incluem telefones e componentes, veículos e peças de reposição, computadores e produtos eletrônicos.
Este ano, durante visita do primeiro-ministro do país, Pham Minh Chinh e Lula celebraram o início do comércio de carne brasileira para o Vietnã e de tilápia vietnamita para nosso mercado.
“A abertura do mercado vietnamita para a carne bovina brasileira atrairá investimentos de frigoríficos do Brasil para fazer deste país uma plataforma de exportação para o Sudeste asiático”, disse Lula à época. Ambos os líderes enfatizaram a cooperação em agricultura, defesa, esportes, mineração, biocombustíveis e meio ambiente, e o presidente brasileiro reafirmou o interesse em abrir negociações para um acordo comercial entre o Vietnã e o Mercosul.
Ambos ressaltaram a importância da integração econômica e se comprometeram a realizar missões empresariais para ampliar o comércio e os investimentos. Foi assinado um memorando de entendimento sobre cooperação em ciência, tecnologia, inovação e transformação digital.
“Acho que em um contexto de tarifaço, o Vietnã pode ser tornar um parceiro mais forte do Brasil em vários aspectos”, afirma Jabbour à reportagem.
“É um país com mais de 100 milhões de habitantes, pode ser um mercado para o aço brasileiro, tranquilamente, porque o Vietnã não produz tanto aço assim.”
No início de agosto, o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, disse que o governo avalia quase 400 mercados para o Brasil diversificar suas exportações para aliviar impactos do tarifaço imposto pelo presidente dos EUA, Donald Trump. Fávaro citou nominalmente apenas três, entre eles, o Vietnã.
“O Vietnã deve ser visto como parceiro estratégico e preferencial para o Brasil por conta do tarifaço”, resume Jabbour.
Ho Chi Min no Brasil
Oficialmente as relações entre os dois países foram estabelecidas em 1989, mas biógrafos de Ho Chi Minh afirmam que o líder vietnamita passou três meses no Brasil em 1912, quando era ajudante de cozinha em um navio que passou pela América do Sul. Doente, teria sido deixado no Rio de Janeiro, onde morou em Santa Tereza e teria se sustentado trabalhando em um restaurante na Lapa.
Se esta história carece de documentação, é fato que Ho Chi Minh citou, em um artigo, o caso de um líder sindical brasileiro, José Leandro da Silva, conhecido como Pernambuco, que comandou uma greve de marinheiros em 1921. Ele foi baleado e condenado a 30 anos de cadeia, mas foi novamente julgado e absolvido em 1924. Sua história foi narrada por Ho Chi Minh no artigo Solidariedade de Classes:
“O veredicto foi recebido com uma torrente de aplausos. E José, o grevista negro, deixou-se cair nos braços de seus companheiros e defensores, os delegados de trabalhadores brancos. Pois, apesar da multiplicidade de cores, existem apenas duas raças no universo: a dos exploradores e a dos explorados. E há apenas uma verdadeira fraternidade: a fraternidade proletária”.