A viagem de Marco Rubio ao Equador destravou uma questão importante para os Estados Unidos na América Latina: ampliar as bases militares na região. O secretário de Estado de Donald Trump se reuniu com o presidente equatoriano, Daniel Noboa, e usou o espaço para tratar do tema, que amplia a participação estadunidense em meio às ameaças do país na América do Sul.
O plano de Noboa é realizar um referendo no país para consultar a população sobre a autorização de bases militares estrangeiras em território equatoriano. O ex-presidente Rafael Correa proibiu em 2009 que outros países tenham instalações militares no Equador. Em declaração depois do encontro, Rubio disse que se o Equador quiser, os EUA vão estudar um retorno.
“O Equador é um país soberano. Se nos convidarem, consideramos. Tínhamos bases antes. Na gestão de Correa nos pediram para sair e saímos. Quando estivemos lá em 2009, Correa nos pediu para sair porque ele não gostava muito de nós e, suponho, queria ajudar os traficantes de drogas. É uma região estratégica”, disse.
O ex-diplomata equatoriano Pavel Égüez, que atuou no Brasil e na Venezuela, afirma que esse é um passo mais na tensão na região e que a estratégia do governo Trump é escalar ainda mais em um contexto de aumento da presença militar estadunidense no sul do Caribe.
“É uma estratégia do Norte bem coordenada com o governo [equatoriano], pois em breve realizaremos uma consulta popular e um referendo sobre as bases militares. Isso representa uma ameça para a região nesse momento tenso, já que o Equador vai cooperar na agressão. Apesar de não precisar da consulta, já que os acordos assinados por Lasso e Noboa, somados à lei do Congresso dos EUA, permitem tudo a eles”, afirmou ao Brasil de Fato.
Ao fazer a declaração, Rubio voltou a ameaçar a Venezuela. Perguntado se o Relatório Sobre Drogas da Organização das Nações Unidas (ONU) é usado pela Casa Branca, ele disse que a organização “não sabe nada” e que o presidente venezuelano Nicolás Maduro comanda um “grupo delinquente”.
O acordo entre os países também determina que o Departamento de Estado dos EUA destinará US$ 13,5 milhões para o combate ao narcotráfico no Equador e que o governo Trump está “trabalhando” para alocar outros US$ 6 milhões destinados a drones, com o objetivo de reforçar as capacidades da Marinha. Em troca, o governo equatoriano aceitaria receber migrantes expulsos dos EUA como um “terceiro país seguro”.
Os dois também formalizaram que os grupos Los Lobos e Los Choneros são considerados organizações terroristas, o que facilitaria o bloqueio de bens e o enfrentamento militar direto pelo Exército estadunidense.
A cientista politica equatoriana Irene León afirma que esse acordo cumpre a agenda dos EUA na região e abre espaço para mais agressões contra a Venezuela.
“O Equador não tem agenda e os EUA têm suas prioridades. O mais importante é o posicionamento público sobre geopolítica regional, que se expressa com Rubio dizendo que não se importava com o que dissesse a ONU, que seu país não reconhece Maduro e que há um grupo delinquente que dirige o país. Esse foco da realidade regional com a adesão do governo do Equador abrirá portas para mais lobbies nesse sentido na região”, disse.
Contra o correismo
A abertura de uma base militar exige mudanças na Constituição. Essa medida foi aprovada pela Assembleia Nacional e, para ganhar respaldo popular, passará por consulta popular no final do ano. A intenção de alinhamento com os EUA ficou claro na fala da ministra das Relações Exteriores, Gabriela Sommerfeld. Ela disse que “os objetivos que o presidente Daniel Noboa estabeleceu para seu mandato são exatamente os do presidente Trump”.
A consulta proposta por Noboa também vai propor o fim do financiamento público aos partidos políticos, a eliminação do Conselho de Participação Cidadã, a redução do número de deputados e a possibilidade de contratos de trabalho por hora.
Para Égüez, derrubar uma medida que foi adotada por Rafael Correa e tentar mudar o financiamento público dos partidos é um golpe contra a esquerda equatoriana e o movimento liderado pelo ex-presidente no país.
“É mais uma narrativa contra o correismo com esse iminente referendo. Sem uma base militar dos EUA, conseguimos nos tornar o segundo país mais seguro e o que mais combatia o tráfico de drogas na região, o que foi reconhecido pela Agência Antidrogas dos EUA (DEA). Toda a estratégia é acabar com o correismo, o único movimento de esquerda que está concorrendo às eleições. É por isso que eles querem cortar o financiamento público”, disse.
Em 2015, o Equador tinha uma taxa de homicídios de 5,26 por cada 100 mil habitantes. Hoje vive um aumento nos índices de violência e perdeu o posto de segundo país mais seguro da América Latina.
Logo após assumir o comando do país, Noboa decretou estado de exceção com a atuação das Forças Armadas nas ruas para enfrentar a crescente crise na segurança. Ele chegou a realizar um referendo popular para ouvir os equatorianos sobre a proposta de ampliar a participação das Forças Armadas na segurança interna. Apesar de sair vitorioso no plebiscito, ele acumulou uma série de insucessos na política e não conseguiu reduzir a violência do país.
Outras bases
No ano passado, a presença de novas bases militares na região também foi discutida com a Guiana e tensionou a relação com a Venezuela. Isso ligou um sinal de alerta e preocupou a diplomacia brasileira na ocasião.
Atualmente, os Estados Unidos operam em pelo menos 76 bases militares na América Latina e no Caribe, sob a direção do Comando do Sul (Southcom) do Departamento de Defesa. O México está de fora dessa contagem.
As bases são divididas em categorias. A primeira são as Bases Principais, ou Bases de Operação. De acordo com o Pentágono, elas pertencem inteiramente aos EUA, contam com pelo menos 200 militares, têm mais de 10 acres (aproximadamente 0,4 hectare) e custam mais de US$ 10 milhões (mais de R$ 50 milhões) anuais. Esse é o caso da base de Guantánamo, no sul de Cuba.
A segunda categoria são as chamadas Bases Menores, ou Lily Pads. Essas, ainda segundo o Pentágono, também são bases dos EUA, porém menores: possuem menos de 10 acres e custam menos de US$ 10 milhões.
A terceira categoria são bases que não pertencem aos EUA, mas onde o exército estadunidense opera com total controle ou controle parcial por meio de acordos bilaterais. O Centro Espacial de Alcântara, no Maranhão, está nesta categoria.
Por fim existem as Bases Não Confirmadas. Essas, como nome diz, não são confirmadas nem pelo Pentágono, nem pelos governos locais. São estruturas onde o exército estadunidense supostamente atua, segundo denúncias de organizações civis.