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De indústria pornô a arte bolsonarista: o estranho mundo de Marie Declercq

Jornalista conta como interesses “fora da curva” viraram pautas para reportagens

Se você é “cronicamente online”, o nome de Marie Declercq provavelmente já cruzou a sua timeline. Em entrevista ao BdF Entrevista, da Rádio Brasil de Fato, a jornalista conhecida por investigações sobre indústria pornográfica, comunidades misóginas, arte bolsonarista e rituais da morte explica como transforma a própria curiosidade em pautas de reportagens que guiam o seu estilo de trabalho.

“Desde pequena, o meu interesse sempre foi voltado para coisas estranhas, o que causa repulsa, que me deixava um pouquinho assustada ou muito fascinada”, diz. Com passagem pela finada revista Vice Brasil, onde começou como estagiária em 2013 sem nunca ter cursado Jornalismo, ela resume a trajetória inicial da sua carreira como “uma escola completamente esquisita, nada convencional”.

Na Vice, Declercq ficou marcada pela cobertura da indústria pornográfica. O foco, explica, estava no funcionamento do negócio. “O meu interesse não é o sexo, o meu interesse é qual o tipo de contrato que eles fazem, como é a sessão de direitos autorais: é para sempre, cinco, dez anos? Eles podem distribuir o filme?”. A abordagem, segundo ela, que é bacharel em Direito, ajudou a construir confiança com fontes e a documentar uma história pouco registrada no jornalismo brasileiro.

Com o fechamento da redação da revista em 2020, a jornalista migrou para o UOL TAB, onde ampliou seu repertório sobre rituais da morte, cemitérios e suas burocracias. “Eu sempre digo que é uma questão de confiar na sua própria estranheza”, afirma, ao narrar como os cemitérios abriram as portas para temas como burocracias funerárias, legistas e empresas de limpeza de risco biológico. “Desde muito pequena, eu sempre fui muito fascinada por cemitérios”, revela.

No mundo subterrâneo da internet, Declercq começou, ainda na Vice Brasil, a mapear a misoginia em fóruns anônimos e comunidades virtuais. Foi nesse período que percebeu a aproximação entre esse discurso e a figura do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). “A misoginia sempre é uma porta de entrada nisso [processo de radicalização], porque eu acho que ela é mais naturalizada e aceita na sociedade”, avalia. Mais tarde, no UOL, acompanhou como termos e ideias antes restritos a esses espaços migraram para grandes plataformas e influenciadores digitais, tornando-se um fenômeno de massas e atingindo meninos cada vez mais jovens.

Visão diferente

As histórias passam por personagens improváveis, como a retratista Lucimary Billhardt, que se tornou conhecida por pintar Bolsonaro e outras figuras da extrema direita. “Foi uma conversa extremamente pacífica. Eu, genuinamente, queria ouvir a história dela”, recorda a jornalista, que ressalta como a repercussão da reportagem acabou tornando a artista ainda mais arredia com a imprensa.

Lugares também se tornaram pauta de Declercq, a exemplo da paisagem vertical de Balneário Camboriú. Sobre a cidade catarinense, onde gravou um episódio do podcast Rádio Escafandro, ela sintetiza que, ao entrar em contato com a vida local marcada por arranha-céus vazios, ausência de espaços públicos e um certo isolamento social, começou “a ver Balneário como uma cidade muito melancólica”. “Queria trazer uma outra visão de Balneário, além do sertanejo universitário e da bebedeira”, pontua.

Os “nadas” que temos que lidar

Por fim, a jornalista comenta a própria relação com as redes e a decisão de sair do X (ex-Twitter) após anos de hiperconexão. “O Twitter sempre foi um ambiente um tanto beligerante”, opina. Foi na plataforma que ela protagonizou uma das interações mais lembradas da rede: chamada de Willy Wonka, personagem de A Fantástica Fábrica de Chocolate, retrucou apelidando a autora da publicação de Ronald McDonald, mascote da rede de fast food. A discussão, que fazia referência ao cabelo das interlocutoras, viralizou e acabou virando meme.

Hoje, ela segue escrevendo e investigando “os nadas que temos que lidar todo dia” em sua newsletter Não prometo nada, com mais de 22 mil assinantes na plataforma Substack, apostando em “micro comportamentos de internet”, como a cultura dos blogueiros de comida que exibem uma fartura artificial para atrair cliques e a venda de cursos online em esquema de pirâmide.

Para ouvir e assistir

BdF Entrevista vai ao ar de segunda a sexta-feira, sempre às 21h, na Rádio Brasil de Fato98.9 FM na Grande São Paulo. No YouTube do Brasil de Fato o programa é veiculado às 19h.

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