Com a participação de movimentos populares e lideranças regionais, a Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) realizou na segunda-feira (8) o segundo encontro regional do Fórum Técnico Minas Sem Miséria. O evento ocorreu na Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) e tinha como objetivo a compreensão da realidade local e a construção de propostas para a elaboração do Plano Mineiro de Combate à Miséria.
Os 220 participantes de 33 municípios da região apontaram como algumas das principais lacunas insegurança alimentar; fome; ausência de reconhecimento de comunidades tradicionais; falta de acesso à água e à terra; e trabalho análogo à escravidão. Assim, segundo eles, embora tenha potencialidades, o Norte de Minas conta historicamente com desigualdades sociais.
O Plano Mineiro de Combate à Miséria consta na Lei 19.990, de 2011, que também criou o Fundo de Erradicação da Miséria (FEM). Esse fundo objetiva custear programas e ações de erradicação da pobreza e da extrema pobreza. Mas, para a deputada estadual Bella Gonçalves (Psol), presidente da Comissão de Direitos Humanos da ALMG, que está à frente do fórum técnico, é evidente a falta de planejamento para lidar com a pobreza.
“A pobreza não é fruto do acaso. A pobreza é ativamente produzida por quem retém recursos, poder econômico e político, e não os distribui a todos”, explicou.
Serão realizados ainda outros encontros regionais, no intuíto de entender as necessidades específicas de cada território, em Uberlândia (Triângulo Mineiro), Araçuaí (Jequitinhonha) e Betim (Região Metropolitana de Belo Horizonte). Já houve um encontro em Juiz de Fora (Zona da Mata), em agosto.
Os principais problemas
Educadora e integrante do Graal no Brasil, Arlete Alves reforçou a importância da luta e consolidação da justiça social. Caso contrário, ela aponta que pessoas minorizadas, normalmente quem mais precisa de políticas públicas, como mulheres pretas e suas crianças, são relegadas à posição de periferia.
“Temos fome, mas não só de comida. Fome de moradia, de educação, de lazer, de cuidado e de atenção”, pontua a educadora.
Também foi abordada pelo reitor da Unimontes, Wagner Santiago, a questão da desigualdade educacional. Como exemplo, ele relembrou que, apesar de a região ocupar 30% do território do estado, até pouco tempo atrás, só contava com uma única universidade pública.
O reitor destacou ainda as medidas adotadas pela instituição de ensino a fim de reforçar a condição de permanência estudantil, tais como as refeições ofertadas no restaurante da universidade a R$2,50. “Ninguém faz ciência com estômago vazio. O Norte de Minas é um território rico em cultura, meio ambiente e diversidade social. Apesar disso, enfrenta desigualdades históricas”, denunciou.
Outro problema levantado durante a atividade é o não reconhecimento dos territórios de comunidades tradicionais e quilombolas. O que se soma, de acordo com o professor da Unimontes Gustavo Cepolini, aos frequentes conflitos por terra e água.
“De 217 cidades do semiárido mineiro, 114 têm territórios quilombolas. Desses, entre 15% e 18% apenas contam com reconhecimento por parte do Incra. Sem isso, as comunidades ficam sem acesso à documentação e a políticas específicas”, destacou.
Os conflitos por terra no Norte de Minas também apareceram com destaque na fala de Maíra Cândido, integrante da direção estadual do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Para ela, tanto o reconhecimento das comunidades tradicionais quanto o acesso à terra e à água devem ser considerados no debate das políticas públicas de superação da pobreza.
Por fim, a presidente do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Unimontes, Carolina Caldeira, deu destaque ao cenário do trabalho análogo a escravidão, crime ao qual Minas segue liderando a lista suja no país. Na região, o problema está ligado, sobretudo, à monocultura do eucalipto, grande responsável também pela degradação ambiental e falta d’água.
Posicionamento dos parlamentares
Estiveram presentes no fórum diversos parlamentares originários do Norte de Minas, que enfatizaram as problemáticas da região e o dever do poder público, que vem falhando, em suprir as carências.
“Além do processo desigual de desenvolvimento, há uma presença desigual do Estado nessa região. Aliado a tudo isso, temos os fatores climáticos. Estamos no semiárido”, afirmou a 1º vice-presidente da ALMG, deputada Leninha (PT), nascida em Montes Claros.
O presidente da ALMG, Tadeu Leite (MDB), também de Montes Claros, pontuou ser inaceitável a persistência da pobreza e defendeu políticas públicas assertivas e integradas. Ricardo Campos (PT) e o deputado federal Paulo Guedes (PT-MG) firmaram a importância de cobrar a aplicação de recursos do FEM no combate à pobreza.
Proposições de solução
Durante a atividade, os participantes se reuniram em cinco grupos de trabalho: soberania e segurança alimentar e nutricional; trabalho digno e educação; diversidade, assistência social e saúde; moradia, território e meio ambiente; controle social e governança do FEM. A ideia era discutir os problemas e apresentar propostas. Foram também eleitos seis delegados para participar da etapa estadual, que acontecerá no ano que vem.
Foram apresentadas propostas como a criação de uma secretaria de regularização fundiária, para garantir a regularização de territórios urbanos e rurais de povos tradicionais; o financiamento de estratégias para acesso à água, respeitando as características de cada município; a disponibilização de cestas básicas para estudantes em vulnerabilidade; a complementação de transferência de renda para mães solo de crianças atípicas ou com crianças em idade escolar, povos tradicionais, grupos prioritários do CadÚnico ou pessoas LGBTQIAPN+; e a elaboração de um projeto de lei para criar o Conselho Estadual de Gestão do FEM, de forma a ampliar a participação social.