Personagem de filme, o Cinema São Luiz, no centro do Recife, viveu uma noite histórica nesta quarta-feira (10) com a pré-estreia nacional do longa O Agente Secreto. Projetado em sua própria telona, o espaço de mais de sete décadas reabriu as portas para receber os protagonistas do filme e propor uma vivência da “atmosfera histórica” dos anos 1970.
Ambientado no Recife de 1977, o filme foi rodado em locações históricas da cidade, incluindo o próprio Cinema São Luiz. Além da exibição, o tapete vermelho foi acompanhado por apresentações culturais da Orquestra Popular do Recife e do grupo Guerreiros do Passo. Dessa forma, até mesmo os carros antigos da produção cinematográfica ocuparam a entrada do local.
Entre enredo e discurso diante da recepção internacional, o diretor Kleber Mendonça Filho destaca o poder universal das histórias locais. “Passei a vida ouvindo música e vendo filmes de outros lugares. E acho que a gente também pode fazer a mesma coisa”, defendeu o cineasta premiado pela direção no Festival de Cannes.
Com distribuição prevista em mais de 100 países, a ficção conta histórias de um país ainda em ditadura militar, assegurando desde dilema de pessoas perseguidas às lendas urbanas locais. “O filme passou em Sidney [na Austrália] e todo mundo só falava da Perna Cabeluda [lenda recifense]. Acho incrível como o cinema pode catapultar essas ideias”, afirmou o cineasta que tinha 9 anos em 1977.
Longe das lentes do cinema nacional há 12 anos, o ator Wagner Moura traz uma sensação inversa no fluxo local-universal. Ele interpreta Marcelo, personagem principal na obra.
“Foi tão bom ter voltado a trabalhar no Brasil e em Recife. Eu sou nordestino. Cresci em Rodelas, na fronteira entre a Bahia e Pernambuco, vivi muito no meio dessas duas culturas. Eu estava com muita sede de trabalhar, de falar português no filme, de trabalhar com o Kleber e de estar no Nordeste. Isso foi muito importante para mim”, descreveu Moura, que também foi premiado em Cannes pela atuação de melhor interpretação.
Amigo do cineasta pernambucano desde 2005, Wagner Moura definiu a transição para o cinema nacional em tom de brincadeira. “Não é um 007. Mas é um filme de Kleber Mendonça. Você pode esperar o que vê nos outros filmes dele: arrojo cinematográfico, profundidade, humanidade de personagem e beleza. Nesse filme você tem muito disso”, definiu.
Além dos dois prêmios em Cannes, O Agente Secreto está na lista do Oscar de concorrentes para tentar representar o Brasil no Melhor Filme Internacional do Oscar. A disputa segue com Baby, de Marcelo Caetano; Kasa Branca, de Luciano Vidigal; Manas, de Marianna Brennand; O Último Azul, de Gabriel Mascaro; e Oeste Outra Vez, de Erico Rassi. A escolha final será em 15 de setembro.
“É um ano incrível para o Brasil. Estamos com filmes muito fortes, são obras de grande qualidade, muitas com carreira importante em festivais. Eu acho que estamos recuperando nossa produção. Não está fácil para ninguém, mas vivemos um momento mais otimista”, definiu Emilie Lesclaux, produtora de O Agente Secreto.
Memória e verdade
Assim como no longa Ainda Estou Aqui, de Walter Salles, o Brasil pode voltar a ter um concorrente de Melhor Filme Estrangeiro no Oscar com o tema da ditadura militar. Apesar disso, Kleber Mendonça Filho ressalta que a ideia da ficção é mais construir uma “atmosfera histórica” do que partir de episódios documentais.
“Sempre quis fazer um filme nos anos 1970. Mas eu não queria aquele filme de ditadura clássico, com cena de guerrilheiro assaltando banco. Para mim era mais importante reconstruir uma atmosfera histórica”, explica, ao defender mais uma contextualização do cotidiano.“Para mim era importante mostrar como era o Brasil há 50 anos. Como as pessoas viviam, como falavam umas com as outras. Isso foi mais importante do que reconstruir um incidente histórico”.
A atriz Maria Fernanda Cândido, que interpreta a personagem Elza, destaca o poder da ficção para contextualizar novas possibilidades de narrativa sobre a ditadura. “Esse filme é sobre memória, sobre contar a nossa própria história e juntar os pedaços do passado. Ele nos faz pensar no que fazemos com a nossa memória individual e coletiva, como pessoas e como nação. A grande questão é: o que o Brasil faz com sua história e seus registros?”, afirma.
Cinema São Luiz
A noite da quarta-feira também marcou a reabertura do São Luiz em sua capacidade plena de 992 lugares, resultado das obras de restauração conduzidas pelo Governo de Pernambuco.
O investimento de R$ 4,9 milhões contemplou a recuperação do forro de gesso decorado, a digitalização de parte do acervo audiovisual, melhorias no sistema de drenagem, além da modernização da projeção e da sonorização. Ainda estão em andamento etapas de acessibilidade e combate a incêndio, com previsão de conclusão em fevereiro de 2026.