Recentemente, voltou a tramitar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 24/2023, apresentada por Romeu Zema (Novo) e conhecida como “PEC do Cala a Boca”, na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). A medida visa eliminar a exigência de referendo popular para a venda de estatais e reduzir o quórum de votação dessas matérias no legislativo.
No ano passado, após consultar mais de 300 mil pessoas em 120 municípios, o Plebiscito Popular em Defesa das Estatais Mineiras chegou a um resultado claro: 95% das pessoas disseram “não” à venda das estatais, como Cemig, Copasa, Gasmig, Codemge e Codemig. Enquanto 98% defendem a manutenção da exigência de realização do referendo popular.
O Brasil de Fato MG entrevistou Eduardo Pereira, presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Purificação e Distribuição de Água e em Serviços de Esgotos do Estado de Minas Gerais (Sindágua), para comentar sobre os riscos da proposta e a importância de manter públicas as estatais mineiras.
Confira a entrevista completa:
Brasil de Fato MG – Quais estatais estão em risco com essa proposta?
Romeu Zema, quando foi eleito, prometeu privatizar a Copasa e a Cemig, acabando com o patrimônio do povo mineiro. Ele tem tentado fazer isso desde quando assumiu o poder. Vimos, por exemplo, a luta de todo o funcionalismo público contra o Regime de Recuperação Fiscal (RRF), ao qual Zema tentou incluir a Cemig e a Copasa. Quando surgiu a novidade do Programa de Pleno Pagamento da Dívida com a União (Propag), ele inovou e está incluindo sua promessa de privatização dentro do Propag.
De todos os governadores de direita do nosso país que prometeram vender os bens públicos, Zema é o único que não conseguiu vender nada. No Rio de Janeiro, a Cedae foi privatizada; em São Paulo, foi a Sabesp, pelo Tarcísio; no Rio Grande do Sul, Eduardo Leite também privatizou a Corsan. E a Copasa ainda está intacta, graças à nossa Constituição estadual, que preserva o direito do povo em se manifestar sobre o futuro das empresas e ainda exige o quórum de 3/5 dos deputados para validar privatização.
A tarefa do governo é muito difícil. Por isso, ele usa o Propag como desculpa para essa nova tentativa de vender a Copasa e a Cemig. Em um primeiro momento, Zema tentou colocar a Copasa e a Cemig juntas, como ativos de entrada para o Propag.
Depois, por meio do Matheus Simões, que hoje exerce a função de governador rodando em todos os meios de comunicação e afirmando que deveria privatizar a Copasa. Ele diz que a União não estaria aceitando a Copasa para federalização, mas sabemos que isso é uma mentira.
Da mesma forma que em MG para privatizar é preciso passar pela aprovação da Assembleia Legislativa, na União também terá que passar pela Câmara dos Deputados. Sabemos que isso não vai acontecer. Esse Congresso não vai aceitar as estatais.
Por isso, é muito importante o governo Lula ceder sobre a questão do prazo de adesão, para que possamos respirar e não deixar o Zema seguir com essa pauta. Ele tenta convencer a população de que o governo federal está de acordo com a privatização e sabemos que não está.
Mas, nesta altura do campeonato, as narrativas ganham força diante daquelas pessoas que não têm conhecimento sobre o assunto. Zema faz isso também para dividir a categoria dos trabalhadores da Copasa e dos eletricitários, que estão trabalhando de forma conjunta na luta contra a privatização. Promete a federalização da Cemig e busca privatizar a Copasa, afirmando que é uma empresa ineficiente, que presta um desserviço à população.
A Copasa está presente em 75% dos municípios mineiros, mas atende apenas pouco mais de 50% da população do nosso estado. Isso tem uma explicação muito simples: a Copasa está presente em municípios pequenos, onde a iniciativa privada não quer atuar. Assim, se existe um déficit em saneamento esse problema não é da Copasa.
Onde a Copasa opera, ela já atende acima do que exige o Marco Legal do Saneamento, com uma abrangência de 99,4% de cobertura nos municípios onde opera. Com relação ao esgoto, a legislação do Marco Legal do Saneamento exige uma meta de universalização acima de 90% em coleta e tratamento até dezembro de 2033. Dos 640 municípios onde a Copasa atua, ela não é responsável pelo esgoto em 330. Mas, nos que ela opera o esgoto, a Copasa já tem uma abrangência de 74%.
É curioso que o governo Zema não cite o quadro nas cidades onde atuam empresas privadas, não cite autarquias municipais, não cita nada disso.
Em Ouro Preto, onde o serviço era de uma autarquia municipal muito pequenininha, o município teve a mesma ideia do governo Zema de colocar uma empresa privada para operar o saneamento. Hoje o serviço é precarizado e as contas de água subiram tanto que a população fez grandes movimentações e protestos. Atualmente, o município tem que subsidiar 53% da tarifa de cada consumidor.
A Copasa não é uma empresa ineficiente e, caso a população fosse consultada sobre a privatização da Copasa, não seria vendida. É por isso que a PEC 24, que está sendo debatida agora na ALMG, também é apelidada como a “PEC do medo do povo”, porque o governo Zema tem medo do povo e de não conseguir cumprir aquilo que prometeu em campanha.
Outro ponto é a alegação de que a Copasa deveria ser privatizada para acabar com o monopólio. Isso é de uma falta de conhecimento tremenda, porque o monopólio é do setor e não porque a Copasa é uma empresa pública. Seja ela pública, privada, autarquia municipal, ou qualquer outro modelo, é um monopólio natural. Não tem como ter cinco redes de água passando na porta da nossa casa.
E a terceira mentira é a questão do cabide de emprego. Para entrar na Copasa é necessário ter concurso público e, desde o início do governo Zema, não temos nem um concurso público. É o próprio Zema quem está transformando a Copasa naquilo que ele sempre denunciou, em uma empresa que é cabide de emprego. Hoje, o presidente do partido Novo ocupa um cargo comissionado na Copasa, ganhando uma bagatela de R$37 mil reais por mês.
O Charles Evangelista, um ex-deputado, derrotado político, que concorreu também à prefeitura de Belo Horizonte, está na Copasa, indicado pelo governo Zema, fazendo lobby para o setor privado, recebendo quase R$40 mil por mês. A presidenta do partido Novo de Belo Horizonte também está na Copasa, ocupando um cargo comissionado. Hoje, como a Copasa deixou de fazer concurso público, está terceirizando todas as atividades da empresa e fazendo contratos PJ, coisa que nunca existiu.
O intuito do governador é precarizar o serviço e depois tentar dizer para a população que a privatização será a solução. Tentamos quebrar essas mentiras, de forma a comprovar para a população, que é a principal interessada nesse patrimônio, a importância de defender o direito ao referendo. Quando ficam sabendo das informações verdadeiras, nenhum cidadão mineiro é a favor da privatização.
No dia 10 de setembro, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da ALMG realizou uma sessão extraordinária para discutir e votar um novo parecer sobre o projeto. Como foi a reunião?
Lá atrás, tentaram passar a PEC 24 da forma em que estava, com a promessa de privatizar a Cemig e a Copasa para aderir ao Propag. A PEC tentou passar pela CCJ por três vezes e tivemos uma atuação brilhante do bloco Democracia e Luta, que conseguiu obstruir por três vezes o andamento deste projeto.
Marcaram uma outra reunião para 9 de setembro, a fim de debater a PEC. Essa reunião aconteceu, mas depois de muita discussão foi transferida para 10 de setembro. Ocorreu novamente uma brilhante atuação do bloco Democracia e Luta, colocando diversos questionamentos. Como foram muitas provocações, essa reunião foi suspensa novamente.
O único instrumento que a população tem é o referendo. Quando a gente fala de defender a soberania do nosso estado, o patrimônio do povo mineiro, o parlamento tem o seu direito de votar. Mas ele não pode, simplesmente, em comissão, colocando como justificativa o Propag, tirar o direito do povo que o elegeu de se manifestar.
Vale lembrar que a Cemig não está isenta disso. É uma estratégia do governo Zema fatiar as duas empresas e colocar, por enquanto, só a Copasa, com esses argumentos de ineficiência, monopólio e cabide de emprego, para depois que conseguir vendê-la, fazer o mesmo com a Cemig. Precisamos defender os interesses da sociedade.
Qual é a importância da Copasa para Minas Gerais e quais seriam os impactos da privatização?
A Copasa é uma empresa que ajuda a corrigir as desigualdades no nosso estado. Nós estamos no estado com o maior número de municípios da federação, 853 municípios. Cada município tem uma peculiaridade. Se fizermos uma análise do mapa de Minas Gerais, em termos de Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), é muito fácil observar que todas as cidades que estão mais próximas do Espírito Santo ou da Bahia têm o IDH mais baixo.
A Copasa está presente em quase todas as cidades carentes do nosso estado. Das 25 cidades com o IDH mais baixo, a Copasa está em todas elas. Está presente nas cidades onde o privado não quer operar, além de cidades onde a densidade demográfica é muito pequena.
::Ouça: Copasa: patrimônio dos mineiros – Visões populares entrevista ::
Em Belo Horizonte, por exemplo, é fácil fazer saneamento, já que a densidade demográfica é de 7 mil habitantes por quilômetro quadrado. Joaíma, no Vale do Jequitinhonha, por exemplo, tem a densidade demográfica de 6,24 habitantes por quilômetro quadrado. Fazer saneamento nessa região é caro, porque é necessário ter muitos metros de rede por habitante. Por isso que o privado não entra nessa região.
São dados muito importantes e muito evidentes que mostram porque a Copasa é fundamental para ajudar a corrigir as desigualdades do nosso estado. Se você conversar com algum morador dessa região, eles vão contar que, antigamente, muitas crianças morriam e nem se sabia porquê, mas era por falta de saneamento básico. Vão mostrar fotos antigas com os dentes podres. Vão relatar que quase todo mundo tinha barriga de xistose.
Eu defendo que a tarifa de água seja gratuita para todo mundo. Existem programas que poderiam estar sendo discutidos na Assembleia Legislativa, ao invés da PEC 24. Por a Copasa ser uma empresa de economia mista há, em parte, um viés do lucro.
Outro discurso falacioso da direita é dizer que 40% da água que a Copasa trata é desperdiçada. Tudo aquilo que a Copasa produz e não é registrado na casa dos consumidores, na realidade, significa gatos, vazamentos e ligações clandestinas.
A ligação clandestina é sintoma da desigualdade. Eu defendo que o saneamento seja público, mas mesmo sendo público, com tarifa muito menor do que o privado, tem gente que não consegue pagar essa conta.
A Copasa poderia ter um programa para oferecer pelo menos 3 mil litros de água por mês para clientes de baixa renda de forma gratuita. Isso é tratar a água como uma questão social para corrigir as desigualdades. É levar água e dignidade para aquela população que não tem água nem para tomar banho, nem para lavar a sua vasilha. Essa é a pauta que eu desejaria estar discutindo hoje na Assembleia Legislativa.
::Ouça: A Codemig e o Propag – Visões Populares entrevista::
Nós temos diversos exemplos no mundo inteiro, não só no Brasil, de prejuízos da privatização. No ano 2000, a empresa de Manaus foi privatizada com a mesma promessa do Zema. Manaus hoje lidera como o pior saneamento entre as maiores cidades do nosso país. Em todos os lugares onde foi privatizado, a tarifa aumentou. Além de Manaus, no Rio de janeiro, a Cedae foi privatizada e a tarifa está maior; no Rio Grande do Sul, já teve aumento da tarifa três vezes, desde que foi privatizado; e, recentemente, a Sabesp, em São Paulo, foi privatizada e o presidente da empresa diz que quem tem que lidar com questão social é o Estado e não uma empresa privada.
Qual é a sua avaliação sobre o Propag?
O Propag é a melhor alternativa que Minas tem para quitar a sua dívida, já que Zema é caloteiro e não pagou nada da dívida, usando uma liminar do governo passado e se beneficiando com isso.
O Propag é infinitamente melhor do que o Regime de Recuperação Fiscal (RRF) porque permite fazer investimentos para redução dos juros reais, desde que seja feita uma entrada de 20% do valor da dívida. Esses benefícios podem chegar a até 4% de redução de juros.
Mas isso não significa que o Estado deixaria de pagar esses juros.
Na verdade, o valor se converte em investimento em algumas áreas estratégicas, como escola técnica, habitação e, entre outras, saneamento. Quem investe em saneamento no nosso estado é a Copasa.
A Copasa já prometeu um investimento de R$ 17 bilhões nos próximos quatro anos. Isso significa que a Copasa, ao não ser privatizada, pode colocar o investimento dentro do Propag, para abatimento da dívida, de até R$ 8 bilhões, pelos 50,03% de ações que são do Estado. Um valor, em quatro anos, muito maior do que a Copasa vale hoje para ser privatizada. Privatizar a Copasa é uma tremenda burrice. A pergunta que fica ao governo Zema é: é melhor você ganhar R$ 8 bilhões ou abrir mão de R$ 4 bilhões de ativos?