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‘Cidade efervescente e irmã’, diz artista sobre experiência em Caracas em festival de muralismo

Artista brasileiro Fernando Caze foi um dos participantes do Festival Internacional de Muralismo Ciudad Mural

O artista brasileiro Fernando Caze foi um dos participantes do Festival Internacional de Muralismo Ciudad Mural, em Caracas, na Venezuela, no último mês. Pintor, muralista e um dos idealizadores do projeto Negro Muro, que mapeia a memória negra por meio da arte urbana, ele descreve que a capital venezuelana é uma cidade que pulsa politicamente e culturalmente. 

“A Venezuela é um país riquíssimo, culturalmente falando e politicamente falando. Você tem muita arte e uma cidade que parece a cidade do Rio de Janeiro. Por isso que eu digo que há uma irmandade latina”, enfatiza, em entrevista ao Conversa Bem Viver, da Rádio Brasil de Fato

Os muros pintados por Caze já homenagearam nomes como os de Pixinguinha, Elza Soares e João Cândido. Para ele, mesmo tendo diferenças entre elas, as técnicas do grafite, da pichação e do muralismo já podem ser consideradas parte da tradição cultural brasileira. 

“A gente pode colocar o Brasil não só num lugar especial da pichação, mas num lugar especial da arte. Se a gente parar para analisar o tamanho do nosso país em relação aos outros países e o que fazemos com o pouco que temos, há muita qualidade e somos precursores de muita coisa importante. O que estamos fazendo agora é lutar e conseguir ganhar espaços de reconhecimento”, avalia. 

Confira a entrevista completa:

Brasil de Fato – Há diferenciações entre grafite e muralismo?

Fernando Caze –  Vou falar sobre isso trazendo rapidamente um pouco sobre minha trajetória. Eu iniciei no grafite nos anos 2000. Eu nasci e cresci no bairro de Copacabana e fui estudar no Méier. Atravessando a cidade todos os dias de manhã, eu comecei a me deparar com o grafite espalhado pela cidade, na sua forma bruta, na sua essência. Estamos falando de tags, que são as assinaturas dos artistas, de bomber, que é aquele preencher e contornar. 

Estamos falando sobre os white styles, os estilos selvagens do grafite, que são as letras emboladas e dos personagens. Aquilo me chamou muito a atenção, eu fui picado por essa abelha e fiquei com esse gostinho na boca e comecei a me envolver mais nesse universo.

Comecei a participar de coletivos, de festivais,  de movimentos e a entender um pouco mais sobre arte pública. O  que a cidade tem para nos dizer e o que que esses artistas têm para nos dizer? Eram encontros frequentes, encontros de pichadores, encontros de grafiteiros, porque são dois universos diferentes também, o grafite e a pichação aqui no Brasil.

A pichação é um tipo de linguagem onde você escreve suas letras às vezes emboladas, às vezes garrafas. Temos um estilo único aqui no Brasil, enquanto lá fora, principalmente na Europa, você lê a pichação e o grafite como uma coisa só.

Eu vou para o universo do grafite, vivo esse universo, onde conheci muitas coisas positivas, grandes amigos, grandes coletivos, o que me levou a conhecer a cidade. Eu costumo dizer que eu conheço a cidade por meio do grafite. 

A pessoa fala para mim: “Pô, você sabe chegar em tal lugar?”. Eu falo: “Sei. Você vai olhar um grafite assim assado, vai virar à direita, vai virar à esquerda, vai ver uma pichação assada e vai chegar no lugar que você precisa”.

Essa coisa de ter uma cidade viva e  ativa sempre me motivou.  O grafite também me levou para o design gráfico, em que sou formado hoje, para o motion design e para a ilustração. Sou muito grato ao grafite e a esse processo todo, que me levou também a uma mudança de chave em 2016, que foi quando eu viajei pela primeira vez para fora do Brasil e fui ao Peru. 

Lá, me chamou muito a atenção, o universo muito forte do muralismo, muito mais avançado que no Brasil. Os outros países latinos têm uma potência ligada ao muralismo muito mais forte porque eles são precursores. A gente vem depois nesse movimento.

Então, quando estamos falando de muralismo, para fazermos o comparativo, falamos de muros autorizados, narrativas mais complexas e mais robustas. Hoje em dia a gente mescla as técnicas, mas antigamente, os pintores muralistas só usavam pincéis, tintas acrílicas e às vezes tinta óleo.

O muralismo também se dá dentro de espaços públicos e privados com encomendas de telas grandes, para instituições, como bancos, hospitais e afins. Enquanto o grafite é uma outra narrativa. O grafite, em sua essência, é uma linguagem underground que confronta a cidade. Ele não pede permissão. A gente usa spray e ocupa os espaços sem autorização. 

Ou seja, são duas narrativas e dois movimentos diferentes. A pichação é mais invasiva ainda, escala um prédio, usa corda e confronta sua própria vida, inclusive, para demarcar o seu território

No fim das contas, do meu ponto de vista, os três pontos são sobre marcação de território. Você marca ilegalmente e marca legalmente, mas você está marcando e demarcando o seu espaço.

De 2016 para 2017, veio a virada de chave para um novo movimento na minha vida. Eu deixo de me apropriar da linguagem do grafite e passo a explorar o universo da pintura mural. Começo a fazer murais em grandes formatos e a buscar novas linguagens e pesquisas diferentes. É mais ou menos assim que funciona esse processo. 

O Brasil é um lugar com desenvolvimento especial da pichação?

Eu acho que a gente pode colocar o Brasil não só num lugar especial da pichação, mas num lugar especial da arte. Se a gente parar para analisar o tamanho do nosso país em relação aos outros países e o que fazemos com o pouco que temos, há muita qualidade e somos precursores de muita coisa importante.

O que estamos fazendo agora é lutar e conseguir ganhar espaços de reconhecimento. Estamos em um processo decolonial, conseguindo respirar um pouco e levar a nossa arte para fora, inclusive a pichação. Não só para a Europa, mas também para a Ásia e outros lugares.

Eu acredito muito que a pichação é um movimento artístico importantíssimo, assim como vários movimentos artísticos que tiveram marcos importantes na história da arte, como a própria pintura rupestre, o impressionismo, o cubismo, a arte abstrata, etc, porque essas pessoas se arriscaram sem nada.

Elas têm uma narrativa visual e uma propriedade intelectual, que é informal para alguns, mas tem códigos, tem estética. Essas caligrafias urbanas têm as suas peculiaridades. É como se você entrasse no Word e escolhesse a fonte que você quisesse e escrevesse.

Quais são as suas percepções sobre a Venezuela, onde você esteve recentemente, que também tem presença marcante do muralismo?

Tudo começa com uma inquietação particular, já que eu sempre tive uma vontade muito grande de conhecer toda a América Latina, principalmente as ilhas caribenhas. Sempre tive uma vibração muito positiva de querer compreender essa relação de irmão sobre a qual a gente não fala muito aqui no Brasil. Mas somos irmãos, somos países latinos. O Brasil é um país latino. Somos filhos da mesma terra.

Fui à Venezuela agora e participei de um festival. A Embaixada da Venezuela foi um parceiro fundamental nessa história toda. Eu entrei em contato com eles, expliquei um pouco sobre o meu trabalho e a minha pesquisa sobre biografias urbanas, América Latina e cotidiano informal.

Eles se apaixonaram e  fizeram um movimento junto com a Gol, que em agosto estava retornando com o seu voo para a Venezuela. Estávamos sem voo direto há mais de cinco anos. A retomada foi um marco no país e eu participei desse marco. 

Participei desse processo de respiro do venezuelano, de poder sair daqui do Brasil e ir para ver os seus familiares e os de lá virem para cá. Foi algo fundamental e eu fui para lá com uma expectativa enorme.

De fato, foi tudo o que eu imaginei. A Venezuela é um país riquíssimo, culturalmente falando e politicamente falando. Você tem muita arte e uma cidade que parece a cidade do Rio de Janeiro. Por isso que eu digo que há uma irmandade latina. 

Você cruza uma esquina e está em uma favela. Você vira uma outra esquina e está em um bairro. Do outro bairro você vira e para em outra favela. Você tem a praia e tem essa geografia sinuosa do Rio de Janeiro. Então, eu me senti em casa. Estava  olhando para os Andes e era como se eu estivesse olhando para a Serra.

Há uma familiaridade geográfica e cultural muito grande, e eu fiz um primeiro trabalho na cidade de Caracas, em Los Palos Grandes, perto das embaixadas, uma zona central. Fiz um mural falando sobre a dona Odília, uma senhora que vivia nos bairros. Eles chamam de bairro, mas é como se fossem pequenas comunidades dentro de bairros nobres.

E eu trouxe um pouco da história dela, falando sobre uma Venezuela que parou um pouco no tempo. Levei também um pouco dessa linguagem do cotidiano informal, de trazer objetos e  situações que marquem esse tempo. E trouxe o semblante dela, também muito presente, para fazer um debate sobre o processo colonialista que a gente viveu, o extermínio indígena. Eu trago a figura de uma mulher mais indígena, para confrontar visualmente as pessoas e fazer elas refletirem  sobre a questão do território.

Depois de percorrer todo esse processo em Caracas, que foi bem intenso, percorrer galerias, percorrer uma cidade efervescente, politicamente falando, eu vou para o Ciudad Mural, que foi o festival que fez a curadoria e me convidou, na Ilha Margarita, que é a porta de entrada do Caribe.

Vivi uma experiência muito gratificante. Eu saio de Caracas, pego um ônibus, depois um barco e depois outro ônibus para chegar no meu destino final. Foram 14 horas viajando e eu pude percorrer várias Venezuelas, e isso foi muito interessante.

Pude ver diferentes pontos de vista, politicamente e artisticamente falando, conhecer pessoas, e vivenciar uma ilha que passou fome durante o período de crise econômica em 2016.

Um dos trabalhos que eu trouxe, foi um falando sobre a pesca. A pesca foi fundamental na sobrevivência dessas pessoas na ilha, porque eles não tinham comida, eles não tinham nada, eles não conseguiam importar, eles não conseguiam desenvolver nada e eles ficaram presos, presos ao que a natureza oferecesse.

Então, eles comiam muita fruta, pão, manga e pesca. E os pescadores foram peças chaves fundamentais no desenvolvimento, não só econômico, mas de sobrevivência da ilha, porque eles saíam para pescar e iam para a cidade distribuir os peixes para a população não morrer de fome.

Isso foi um marco muito bacana, porque as pessoas vinham falar comigo agradecendo. A pesca sempre foi fundamental e continua sendo fundamental na nossa história e resgatar e trazer essa imagem dos pescadores para o centro de Assunção, que foi eu estava pintando esse mural, foi um resgate fundamental das raízes.

A Venezuela está em um processo de recuperação do país como um todo e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) é um movimento fundamental no país, que está ensinando muito sobre o cultivo, sobre tecnologias de implantação. Eles estão lá na Venezuela em um assentamento gigantesco, fazendo diversos desdobramentos para que o país volte a ser auto sustentável.

É importantíssimo ir vivenciar a realidade dos nossos irmãos latinos. Não só na Venezuela, mas também no Peru, Colômbia, as ilhas Caribenhas, para que a gente possa entender mais sobre as nossas raízes, sobre a importância de estarmos unidos enquanto uma instituição latina, e sermos braços uns dos outros.

A Venezuela me ensinou muito sobre irmandade. A cada passo que eu dava no país, ninguém virava as costas para mim. Estava todo mundo ali, independentemente de qualquer a situação, estava ali acreditando em um processo de irmandade, de luta, de construção.

Conversa Bem Viver

Em diferentes horários, de segunda a sexta-feira, o programa é transmitido na Rádio Super de Sorocaba (SP); Rádio Palermo (SP); Rádio Cantareira (SP); Rádio Interativa, de Senador Alexandre Costa (MA); Rádio Comunitária Malhada do Jatobá, de São João do Piauí (PI); Rádio Terra Livre (MST), de Abelardo Luz (SC); Rádio Timbira, de São Luís (MA); Rádio Terra Livre de Hulha Negra (RN), Rádio Camponesa, em Itapeva (SP), Rádio Onda FM, de Novo Cruzeiro (MG), Rádio Pife, de Brasília (DF), Rádio Cidade, de João Pessoa (PB), Rádio Palermo (SP), Rádio Torres Cidade (RS); Rádio Cantareira (SP); Rádio Keraz; Web Rádio Studio F; Rádio Seguros MA; Rádio Iguaçu FM; Rádio Unidade Digital ; Rádio Cidade Classic HIts; Playlisten; Rádio Cidade; Web Rádio Apocalipse; Rádio; Alternativa Sul FM; Alberto dos Anjos; Rádio Voz da Cidade; Rádio Nativa FM; Rádio News 77; Web Rádio Líder Baixio; Rádio Super Nova; Rádio Ribeirinha Libertadora; Uruguaiana FM; Serra Azul FM; Folha 390; Rádio Chapada FM; Rbn; Web Rádio Mombassom; Fogão 24 Horas; Web Rádio Brisa; Rádio Palermo; Rádio Web Estação Mirim; Rádio Líder; Nova Geração; Ana Terra FM; Rádio Metropolitana de Piracicaba; Rádio Alternativa FM; Rádio Web Torres Cidade; Objetiva Cast; DMnews Web Rádio; Criativa Web Rádio; Rádio Notícias; Topmix Digital MS; Rádio Oriental Sul; Mogiana Web; Rádio Atalaia FM Rio; Rádio Vila Mix; Web Rádio Palmeira; Web Rádio Travessia; Rádio Millennium; Rádio EsportesNet; Rádio Altura FM; Web Rádio Cidade; Rádio Viva a Vida; Rádio Regional Vale FM; Rádio Gerasom; Coruja Web; Vale do Tempo; Servo do Rei; Rádio Best Sound; Rádio Lagoa Azul; Rádio Show Livre; Web Rádio Sintonizando os Corações; Rádio Campos Belos; Rádio Mundial; Clic Rádio Porto Alegre; Web Rádio Rosana; Rádio Cidade Light; União FM; Rádio Araras FM; Rádios Educadora e Transamérica; Rádio Jerônimo; Web Rádio Imaculado Coração; Rede Líder Web; Rádio Club; Rede dos Trabalhadores; Angelu’Song; Web Rádio Nacional; Rádio SINTSEPANSA; Luz News; Montanha Rádio; Rede Vida Brasil; Rádio Broto FM; Rádio Campestre; Rádio Profética Gospel; Chip i7 FM; Rádio Breganejo; Rádio Web Live; Ldnews; Rádio Clube Campos Novos; Rádio Terra Viva; Rádio interativa; Cristofm.net; Rádio Master Net; Rádio Barreto Web; Radio RockChat; Rádio Happiness; Mex FM; Voadeira Rádio Web; Lully FM; Web Rádionin; Rádio Interação; Web Rádio Engeforest; Web Rádio Pentecoste; Web Rádio Liverock; Web Rádio Fatos; Rádio Augusto Barbosa Online; Super FM; Rádio Interação Arcoverde; Rádio; Independência Recife; Rádio Cidadania FM; Web Rádio 102; Web Rádio Fonte da Vida; Rádio Web Studio P; São José Web Rádio – Prados (MG); Webrádio Cultura de Santa Maria; Web Rádio Universo Livre; Rádio Villa; Rádio Farol FM; Viva FM; Rádio Interativa de Jequitinhonha; Estilo – WebRádio; Rede Nova Sat FM; Rádio Comunitária Impacto 87,9FM; Web Rádio DNA Brasil; Nova onda FM; Cabn; Leal FM; Rádio Itapetininga; Rádio Vidas; Primeflashits; Rádio Deus Vivo; Rádio Cuieiras FM; Rádio Comunitária Tupancy; Sete News; Moreno Rádio Web; Rádio Web Esperança; Vila Boa FM; Novataweb; Rural FM Web; Bela Vista Web; Rádio Senzala; Rádio Pagu; Rádio Santidade; M’ysa; Criativa FM de Capitólio; Rádio Nordeste da Bahia; Rádio Central; Rádio VHV; Cultura1 Web Rádio; Rádio da Rua; Web Music; Piedade FM; Rádio 94 FM Itararé; Rádio Luna Rio; Mar Azul FM; Rádio Web Piauí; Savic; Web Rádio Link; EG Link; Web Rádio Brasil Sertaneja; Web Rádio Sindviarios/CUT.

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