Um dia após Portugal, Reino Unido, Canadá e Austrália reconhecerem a Palestina como Estado, França e Arábia Saudita reúnem líderes mundiais em Nova York nesta segunda-feira (22) para mobilizar apoio para a solução de dois Estados. A ideia aprovada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1974 pressupõe Israel e Palestina coexistindo pacificamente, mas vinha sendo considerada cada vez mais uma possibilidade improvável.
Sua revitalização, portanto, é sinal de que a comunidade internacional diz claramente a Tel Aviv e seu maior aliado, os Estados Unidos, que o governo do premiê israelense, Benjamin Netanyahu, não tem carta branca para fazer o que bem entender, como deportar os palestinos da Faixa de Gaza — especialmente em contexto de genocídio — e anexar a Cisjordânia.
“O reconhecimento tem importância simbólica muito grande, porque a Europa Ocidental, EUA, Canadá e Austrália, os países que formam o Ocidente, não reconheciam o Estado palestino. Sempre entenderam que apoiar Israel significava não reconhecer a Palestina”, disse ao Brasil de Fato Miriam Gomes Saraiva, professora do departamento de Relações Internacionais da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj).
“Claro que isso enfraquecia a posição palestina e esse apoio indica em termos simbólicos que Israel não está mais merecendo o apoio que historicamente recebia de europeus, australianos e canadenses.”
Saraiva explica que a medida foi adotada por esses governos atendendo a vontade de suas populações, que exigem pressão sobre Israel para encerrar o genocídio que matou mais de 66 mil palestinos em dois anos, a maioria mulheres e crianças, muitas delas, de fome. Apenas nesta segunda, Israel matou ao menos outros 37 palestinos.
Há temores genuínos de que Israel esteja prestes a anexar a Cisjordânia ou tornar Gaza tão inabitável que os palestinos sejam forçados a cruzar as fronteiras para a Jordânia ou o Egito — ou mesmo se refugiando em algum país da África subsaariana como o Sudão do Sul, após acordo com Tel Aviv —, destruindo assim a possibilidade de uma pátria palestina. O Estado palestino foi autoproclamado no exílio por seus dirigentes em 1988.
Aproximadamente três quartos dos países membros da ONU já reconhecem o Estado palestino. Segundo contagem feita pela AFP, ao menos 145 dos 193 países que integram as Nações Unidas reconhecem o Estado palestino, embora não tenha sido possível confirmar recentemente a posição de três nações africanas. Acredita-se que Bélgica, Luxemburgo, Malta e Finlândia, entre outros, podem se juntar a esse movimento.
A Rússia, todos os países árabes, quase todos os da África e da América Latina, incluindo o Brasil, e a grande maioria dos Estados asiáticos, incluindo Índia e China, já fazem parte do grupo de apoiadores. Por outro lado, ao menos 45 países liderados pelos Estados Unidos e Israel não reconhecem a palestina.
Alemanha e Itália não devem reconhecer a Palestina, apesar da pressão da sociedade italiana. Várias cidades italianas são palco de manifestações, greves e bloqueios nesta segunda-feira, organizados por sindicatos, para “denunciar o genocídio em Gaza” e exigir sanções econômicas e diplomáticas contra Israel.
O analista Arturo Hartmann afirma ao BdF que o reconhecimento internacional, na prática, seria benéfico “se pudesse trazer alguns novos mecanismos de pressão, inclusive de intervenção contra a violência israelense sobre os palestinos, como sanções, boicote de venda de armas, articulações para sufocar a economia israelense, intervenção militar, inclusive alguma declaração conjunta global de que Israel está agindo sobre uma nação soberana”.
Miriam Gomes Saraiva ressalta que, em termos concretos, o reconhecimento “não muda nada, seria preciso ter o apoio dos EUA. Mas pode ser um primeiro passo, uma antessala para futuras ações mais significativas”.
“Lembrando que entre os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, apenas Rússia e China reconheciam a Palestina. Com Reino Unido e França, agora apenas os Estados Unidos não o fazem”, diz ela.
Israel, por outro lado, disse que a onda de reconhecimento palestino não significará a criação de tal Estado. Netanyahu, inclusive, também prometeu ampliar os assentamentos judaicos na Cisjordânia ocupada.