As universidades gaúchas avançaram no propósito de recuperar a verdade sobre os atos praticados pela ditadura nas décadas de 60 e 70 e mostrar como ela agiu dentro das universidades do estado para agredir a democracia e perseguir professores, funcionários e estudantes. Em reunião virtual realizada no último dia 11 de setembro as entidades criaram a Rede de Comissões da Verdade Universitárias do Rio Grande do Sul. A Rede tem o objetivo de construir um minucioso trabalho de recuperação da verdade sobre as atividades da ditadura no âmbito das universidades.
Pela Comissão da Memória e Verdade da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), participaram da reunião as professoras Roberta Baggio, Lorena Holzmann, Regina Xavier, Valéria Bertotti e Cristina Carvalho. Baggio, que preside a Comissão da Ufrgs, apresentou uma proposta de primeiro passo para a interação entre as comissões da Rede e que será a pauta de trabalho até o final de 2026. Representantes das Comissões das universidades federais de Pelotas, Santa Maria e Rio Grande também participaram da reunião.
A proposta aprovada prevê compartilhar documentos, registros e depoimentos relacionados às violações de direitos humanos, disponibilizar o material em um site e envolver a comunidade universitária gaúcha na discussão sobre a ditadura para nunca esquecer e para que nunca mais se repita.
Para Roberta Baggio “a criação da Rede de Comissões da Verdade das Universidades é um marco importante de cooperação institucional e reforça a luta por democracia nas universidades gaúchas”. A Comissão Memória e Verdade da Ufrgs, que está ligada ao gabinete da reitora Márcia Barbosa, é um compromisso da universidade para a manutenção da autonomia da instituição e para assegurar que eventos inconstitucionais nunca mais aconteçam.
Expurgo e tortura
Apenas na Ufrgs, até o momento, está documentado que 37 professores foram demitidos ou afastados por se oporem à ditadura instalada no Brasil a partir do golpe em 1964, sofrendo ruptura na carreira profissional. Estudantes, especialmente os do movimento estudantil, também foram alvo de ações repressivas, com casos de perseguição, prisão e tortura, como do estudante de origem chinesa Peter Ho Peng, um caso emblemático. Técnicos-administrativos que participaram da luta sindical foram igualmente perseguidos.
Ocorreram duas principais ondas de expurgos na Ufrgs. A primeira, logo após o golpe militar de 1964, com a demissão de 17 professores. A segunda, em 1969, após o AI-5, que resultou na demissão de mais 20 professores.
O estudante Peter Ho Peng, que estava no Rio de Janeiro fazendo mestrado em engenharia química, foi investigado, preso, torturado e forçado a entregar os documentos brasileiros, sendo tornado apátrida. Sua cidadania só foi restituída em 2012 graças a atuação da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça que aprovou o direito de Peter Ho Peng ter novamente identidade brasileira e, depois de 40 anos, poder voltar a viver no Brasil. Peter, filho de chineses, chegou ao Rio Grande do Sul com os pais aos quatro anos de idade.
Peng ficou oito meses preso em unidades do Dops, da Marinha e da Polícia Federal no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul, de 1971 a 1973. Ao sair da prisão, recebeu asilo nos Estados Unidos, Em abril de 2013, Peter Ho Peng, acompanhado do presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos, Jair Krischke, recebeu a Carteira de Identidade expedida pelo Instituto-Geral de Perícias do Rio Grande do Sul (IGP/RS), após 40 anos da cassação de seu RG e da cidadania brasileira. Em outubro de 2014, com seu primeiro título de eleitor em mãos, Peng retornou a Porto Alegre para votar no Brasil pela primeira vez na vida. Ele ainda reside na Flórida, nos Estados Unidos.