Em 2011, Maria Teresa, uma jovem moradora de El Salvador, sofreu um aborto espontâneo — quando, por razões fisiológicas, o corpo interrompe naturalmente a gravidez. Ela não sabia que estava grávida. Sangrando e inconsciente, foi levada ao hospital onde, ainda no leito, recebeu voz de prisão. O caso está registrado em um relatório publicado pela Anistia Internacional, organização que acompanha e denuncia violações de direitos humanos pelo mundo.
Publicado em 2015, o documento narra as histórias de três mulheres presas injustamente, acusadas de homicídio, em situações semelhantes. Dez anos depois, casos como esses ainda são recorrentes.
Atualmente, 27 mulheres esperam pelo julgamento em El Salvador, acusadas de praticar aborto. Duas delas estão presas e as demais aguardam em liberdade condicional. Somente uma provocou a interrupção da gravidez, segundo dados apresentados pela antropóloga feminista Mariana Moisa, ativista do movimento pelo direito ao aborto e à maternidade desejada.
Nos demais casos, as vítimas passaram por emergências obstétricas, como perdas espontâneas ou complicações no parto. Ainda assim, são acusadas de praticar um crime. Elas são vítimas de uma das legislações sobre aborto mais rigorosas do mundo, mas que nem sempre foi desse modo.
Até 1997, o aborto era permitido em El Salvador em determinados casos, como em gravidez decorrente de estupro. Em 1998, a norma foi enrijecida — e segue assim até hoje. Seguem, também, as prisões arbitrárias e a perseguição ideológica.
O Brasil de Fato conversou com três mulheres que vivem em El Salvador. Sob sigilo, todas confirmaram as graves violações de direitos humanos que rondam suas vidas.
“Ainda é uma proibição total”, diz uma delas. “E ainda há mulheres presas por abortos espontâneos”, informa. Ela pede que seu nome não seja divulgado. A perseguição é tamanha que mesmo se manifestar sobre o tema é um risco para essas pessoas.
“Ainda é um crime perseguido e até mesmo um assunto tabu em nossa sociedade e evitado pelos políticos tradicionais”, confirma outra mulher.
No processo judicial, Maria Teresa foi condenada a 40 anos de prisão por homicídio e chegou a passar quatro anos na cadeia para, então, ter seu caso revertido. A Procuradoria para Defensa dos Direitos Humanos constatou que não havia provas da intencionalidade da vítima em interromper a gestação.
Julgado como homicídio grave, a prática do aborto em El Salvador pode resultar em penas que chegam a 50 anos de prisão.
Nem sempre foi assim
Atualmente, em El Salvador, qualquer pessoa que tente um aborto pode ser presa, mesmo que seja comprovada a impossibilidade de vida do feto. Ainda que a vida da pessoa gestante esteja em risco.
Antes de 1998, no entanto, a lei era outra e a interrupção da gravidez era permitida em casos de gravidez resultante de estupro, ameaça de vida à gestante ou na identificação de anomalias congênitas fatais no feto.
Segundo o Centro de Direitos Reprodutivos, uma organização global em defesa dos direitos humanos, nos últimos 30 anos, mais de 60 países reduziram as restrições ao aborto e quatro reverteram a legalidade da prática. Além de El Salvador, retrocederam no tema os Estados Unidos, a Polônia e a Nicarágua.
Outros 20 países têm legislação semelhante à de El Salvador, onde o aborto é proibido em qualquer circunstância. Entre eles, estão Egito, Nicarágua, Congo e Iraque.