A mobilização nacional promovida pela Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie) contra as medidas do presidente do país, Daniel Noboa, entrou em seu oitavo dia na segunda-feira (29), marcada por uma escalada de violência e uma crescente presença militar em várias províncias. No domingo (28), protestos contra o aumento do diesel terminaram com um manifestante morto e 17 militares retidos após confrontos violentos entre manifestantes e forças de segurança no norte do país. Desde o início dos protestos, o balanço é de 48 feridos e 100 detenções, segundo a organização Aliança pelos Direitos Humanos do Equador.
Nesta segunda, na capital, Quito, os primeiros bloqueios de estradas ocorreram em protesto contra a eliminação do subsídio ao diesel e o assassinato de Efraín Fuerez, líder indígena que morreu após ser atingido por um projétil durante um protesto em Pinsaqui, Imbabura. A província continua sendo o centro dos protestos, com estradas fechadas causando escassez de combustível e outros suprimentos básicos e, em cantões como Cotacachi e Otavalo, o governo mobilizou operações policiais e militares para retomar o controle das estradas.
“Os protestos representam um momento crucial no governo de Daniel Noboa, pois constituem as primeiras mobilizações em massa contra seu governo. O gatilho imediato para essa revolta foi a eliminação dos subsídios aos combustíveis, em particular ao diesel, medida que afeta diretamente as comunidades indígenas e o tecido comercial da Serra. Isso explica a rápida expansão dos protestos em territórios com forte presença de nacionalidades Kichwa”, contextualiza o sociólogo David Soarez.
Ao Brasil de Fato, ele explica que as manifestações também marcam o primeiro grande confronto entre o governo e a nova liderança da Conaie. “Embora houvesse a percepção de que a Confederação poderia assumir um papel mais conciliador, as decisões econômicas do poder executivo empurraram a organização para uma clara posição de oposição. Nesse sentido, é um embate simbólico e político que transcende o nível local e repercute em todo o país.”
Organizações de direitos humanos responsabilizaram os militares pelo assassinato de Fuerez, mas a polícia e as Forças Armadas não se pronunciaram sobre a acusação. Um vídeo compartilhado pela na rede social X mostra um grupo de militares agredindo com chutes dois homens no chão: um, aparentemente ferido, e o outro, tentando socorrer o primeiro.
“Responsabilizamos Daniel Noboa, exigimos uma investigação imediata e justiça para Efraín e sua comunidade”, acrescentou o movimento indígena, ao lado de imagens do “pai de dois filhos e pilar de sua família”. Horas depois, na mesma cidade, as Forças Armadas do Equador acusaram manifestantes de ferir 12 soldados e reter outros 17.
Governo tenta conter protestos com mais violência
O governo direitista de Noboa acusa os manifestantes de violência, afirma que a suposta gangue venezuelana Tren de Aragua – mencionada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, para justificar repressão contra migrantes da Venezuela – atua no país e ameaçou quem se juntar aos protestos com sentenças de 30 anos de prisão.
Para tentar esvaziar os protestos, que começaram na semana passada, Noboa declarou estado de exceção em oito das 24 províncias do país. Muitas pessoas, no entanto, desafiaram a medida e bloquearam estradas com barricadas e até troncos, além dos confrontos com as forças de segurança.
Racismo
A Conaie pediu união entre povos e comunidades, anunciou a implementação de corredores humanitários e alertou que não permitirá a presença de representantes do Executivo em seu território, acusando-os de buscar dividir o movimento indígena. Com uma semana de protestos, bloqueios e repressão, a greve indígena se consolidou como a maior manifestação de resistência às políticas econômicas do governo Noboa, enquanto o descontentamento social se espalha e as tensões aumentam em diversas regiões do país.
“Vale ressaltar que as mobilizações não foram impostas de cima, mas sim originadas da comunidade de base. Isso lhes confere uma força particular, pois são expressões genuínas de rejeição. A resposta do governo, baseada na repressão policial e militar, longe de acalmar o conflito, aprofundou o descontentamento e levou a uma maior unidade comunitária”, afirma o sociólogo equatoriano.
Ele explica que a ocupação militar de Otavalo foi interpretada como uma afronta à identidade indígena e como um ato marcado pelo racismo e pela invalidação cultural. “Para muitas comunidades, esse evento simboliza uma tentativa de humilhação e subjugação que reativa memórias históricas de marginalização. Longe de ser uma medida de controle eficaz, essa intervenção contribuiu para alimentar a rejeição e transformar os protestos em uma luta por dignidade e reconhecimento coletivo”, afirma David Suarez.
“Esses protestos têm um impacto político considerável. Não apenas corroem a legitimidade de Noboa em uma região-chave como a Serra, mas também colocam em risco sua capacidade de executar projetos estratégicos, como a consulta sobre uma Assembleia Constituinte. A forma como a crise tem sido conduzida revela um caráter autoritário na liderança do Estado, o que pode afetar a governabilidade a médio prazo”, diz Suarez.
“Os protestos são mais do que uma reação a uma medida econômica: são um ponto de inflexão na relação entre o governo Noboa e o movimento indígena, bem como um espelho que reflete as tensões históricas, sociais e políticas do Equador contemporâneo.”
O aumento nos preços da gasolina e do diesel já havia provocado uma grande mobilização durante os governos dos ex-presidentes Lenín Moreno e Guillermo Lasso, em 2019 e 2022.