Por Luciano Mendes e Natália Gil
Em 2011, em pleno governo da presidenta Dilma Rousseff, Eliane Marta T. Lopes e Luciano Mendes publicaram um texto – Prêmio Anísio Teixeira 2011: Comunidade Científica, relações de Gênero e escola Básica – em que denunciavam o fato de que apenas sujeitos masculinos haviam sido indicados para o prêmio daquele ano pelo CNPq e pela comunidade científico-acadêmica nacional.
À época, diziam que “mesmo que uma mulher tenha chegado ao mais alto posto da República, é desolador ver que, mesmo ela, tenha que se curvar às formas desiguais como o poder está distribuído no interior da comunidade acadêmica”.
Comitê de homens
Passados quase 15 anos, eis que, agora sob o governo do presidente Lula, o MEC, em 8 de abril de 2025, institui, pela Portaria 248, “o Comitê Consultivo de Especialistas para Aperfeiçoamento dos Processos de Avaliação da Educação Básica, de caráter consultivo, no âmbito do Ministério da Educação, com a finalidade de sugerir aprimoramentos às avaliações da educação básica”.
Chama a atenção, dentre outros aspectos, que, tratando da avaliação de um nível de ensino que é de responsabilidade, em sua imensa maioria, de mulheres-professoras, o Comitê seja constituído, em sua totalidade, por homens.
Não é de agora que tem sido denunciado o desrespeito e a falta de acuidade política com que os poderes da República têm tratado as professoras da educação básica.
Assim como não é apenas nos últimos anos que as mulheres-professoras-pesquisadoras têm denunciado o fato de que, ao longo de nossa história da educação, o magistério veio se constituindo como uma “profissão feminina mas com uma carreira masculina”, como diziam as nossas colegas Zeila Demartini e Fátima Antunes em 1993, em estudo histórico que analisava o início do século XX.
Mulheres: 80,6% das direções de escolas
O tempo passou e há (lentas) mudanças. Atualmente, os cargos de gestão escolar estão majoritariamente nas mãos de mulheres. Segundo o Censo Escola de 2024, dos 163.987 diretores na educação básica, 80,6% eram mulheres. Esse espaço se abriu com muita insistência das próprias mulheres que, tanto no início do século passado como no século em que estamos, têm estudado mais e acumulado mais diplomas que os homens.
Mas em uma sociedade machista como a nossa isso não é suficiente: a maioria dos cargos de comando em diversos setores segue nas mãos de homens. Se no nível das escolas, como vimos, isso se alterou com o tempo, a designação em pleno 2025 apenas de homens pelo MEC para uma comissão que pretende avaliar o que se passa nas escolas mostra que ainda temos muito que batalhar se queremos equidade de gênero.
A destituição das professoras dos espaços de autoridade – e também de autoria, diga-se – sobre a sua prática e, no limite, sobre sua própria profissão e tudo aquilo a que a ela se refere, é parte do processo histórico, social e cultura de subalternização das mulheres em nosso país.
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Isto está umbilicalmente relacionado não apenas à ascensão dos homens às posições de poder-saber no campo educativo e, como mostramos em 2011, no campo científico, mas também à entronização de um discurso sobre a suposta falta de formação das professoras para o exercício da docência. Retórica mentirosa, referida à exaustão, até que acabe sendo assumida, inclusive pelas mulheres, como se fosse verdade.
A exacerbação do discurso sobre a necessidade de formação das professoras, como se estas estivessem sempre mal formadas ou deformadas, conforme já denunciado neste espaço, passou, sem dúvida, pelo deslocamento da autoridade sobre a escola, a sala de aula e sobre a própria aula, para as mãos de especialistas postados nas estruturas de Estado e, nas últimas décadas, nas universidades, fundações e empresas de consultoria educacional.
Desserviço à educação
Mesmo considerando tudo isto, é uma lástima e um desserviço à educação que, neste momento, em meados da terceira década do século XXI, o MEC tenha constituído um comitê só de homens para avaliar os resultados dos processos educativos, logo, os próprios processos educativos, levados a cabo pelas mulheres-professoras. Será que isto também deveria ser debitado ao fato de se tratar de um MEC de um governo de coalização? Parece-nos, infelizmente, que não.
É vergonhoso que um governo que se diz comprometido com pautas progressistas, proceda dessa maneira. Na verdade, o que se revela é que falta compromisso e sobra desfaçatez – ou “cara de pau”, no simples e bom português! No mínimo, era preciso que alguém ali naquele gabinete de especialistas engravatados tivesse lembrado que seria o caso de colocar ao menos uma mulher para não nos incomodar – nós mulheres e homens feministas. Seria pouco, mas seria já alguma coisa.
O caso é, afinal, revelador de que segue necessário forçar a equidade em todos os espaços, se não porque haja convencimento, por obrigação mesmo. E que ninguém se engane: não faltam mulheres especialistas nesse tema de pesquisa no Brasil! O percentual de mulheres nessa comissão podia facilmente ser de 80%, tal qual o de diretoras nas escolas de educação básica.
Luciano Mendes (UFMG) e Natália Gil (UFRGS) são editores da coluna Cidade das Letras do Brasil de Fato MG.
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Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial do jornal