Por Ivane Laurete Perotti
Não era o “botânico setembro”, da Recomendação de Drummond. Dias e meses contam-se em verbos de plástico. O tempo da escola não é ecológico. Sutura emoções: fragmentos e farpas. Desconsiderá-lo é perda de oportunidade. Potências e danos estão ali. Apenas se desconhece a dimensão.
Defendo a poesia no plano. Nego a romantização dos fatos. Mas em revelando a escola, revela-se o que a educação esconde: baixa taxa de vida. Se partíssemos do conteúdo dado – narrativas e subjetividades –, desenvolveríamos um currículo de referência imperecível. Real. Vívido. Aplicável. E o meu aluno que gadunhava cavalos seria evento isolado. Ele roubava. Gatunava. Equinos machos, de preferência. Éguas dão trabalho, segundo a lógica de sua experiência.
Falar de estudantes é dizer da escola. Tratar da escola é cuidar da vida: dimensão global. Integrada. Integral. Bem distante dos interesses de gabinete. Ideações maquiadas. Estatísticas do inesperado. Sim, tenho alunos que gatunam. Outros que praticam sobrevivência. Diária. Muitos inativos. A maioria, desencorajados. Desprovidos. Deslocados. Todos na escola. A escola neles? Deles, nunca foi. Para eles, flor de retórica:
“/…num pote de plástico/” (Drummond).
Na poética da resistência, as narrativas têm fundo. Formulam táticas. Revelam sujeitos. Instauram linguagens de acesso. Patoás de identidade. Gírias de aceitação. Isso para dizer que a escola precisa ouvir. Deixar falar. Construir sentidos. A narrativa significa o narrador. Os linguajares o enriquecem. Vozes multiplicadas abrem diálogos. Dialogias. Discursos. Simbolizam. Interpretam. É de aprender a interpretar que se deveria fazer a escola. Leituras de vida. Leituras de mundo.
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Significar é preciso. A lucidez linguística não se apresenta em alfabeto memorizado. Apoderar-se da língua abriga movimentos do dizer e do estar. Do ser. Do instalar-se: sujeito social. Sujeitos de fato e de direito. Com deveres atribuídos e desenvolvidos. A Língua Portuguesa Brasileira chora agentes. Potentes. Robustos. Chora verbos. Pedagógicos. Científicos. Chora gentes.
Não era o “botânico setembro”, da Recomendação de Drummond quando as narrativas foram varridas por camadas de pó didático. O tempo histórico nos revela. Dá a conhecer as trilhas inaudíveis da instituição escolar. Ouvir a educação corresponde a validar a vida. Social. Política. Acadêmica. Financeira. Emocional. Pois de emoções se estrutura o conhecimento. De validação também.
A escola é um organismo que nos atravessa. Afeta. Constitui. Se os órgãos ou estruturas que o integram não são alimentados devidamente, compromete-se o funcionamento. Os afetados não se desenvolvem. Não evoluem. Os atravessamentos estagnam. Produzem fardos. Farpas. Imobilizam. E o debruar do poema drummondiano: “Neste botânico setembro,/ que pelo menos você plante / com eufórica / emoção ecológica / num pote de plástico / uma flor de retórica”, acontece apenas para aqueles que reconhecem o pote de plástico.
A escola nos significa. Signifiquemos a escola.
Ivane Laurete Perotti é professora da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Minas Gerais (FaE/UEMG/CBH), escritora, mestre em Linguística e doutora em Letras/Linguística.
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Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal