Por Luciano Mendes
Perto da minha casa, em Belo Horizonte, há um restaurante que frequento desde o final dos anos 1980. Essa longeva relação de amizade com o estabelecimento, permite conhecer os garçons pelo nome e assim também ser reconhecido, mas permite alterar ligeiramente certos pratos, pendurar a conta e até mesmo deixar o carro por lá depois de umas rodadas e (muitas) outras com as amizades.
Mas não é tão somente por conhecer o pessoal ou por saber o gosto de boa parte dos pratos, que gosto de frequentar o tal restaurante. É que ele é um dos poucos lugares da região que resistiu à famigerada onda de colocar televisões em todas as paredes, como fez a grande maioria dos lugares onde tenho indo em Belo Horizonte e em qualquer outra cidade do país.
Não há nada mais irritante para mim em um restaurante do que ter que disputar a atenção das pessoas com as imagens, quanto não o som, das televisões. Nem mesmo um mal atendimento supera a isto!
E não é apenas a disputa pela atenção das outras pessoas. É quase impossível não ver a minha própria atenção capturada pelo movimento das imagens na tela. É um horror a falta de sossego!
Eu gosto de comer sossegado, sem atropelo. Por isso, nunca gostei de restaurantes tipo self-service, em que você chega, enfrenta a fila para se servir, abarrota o prato de mil e uma coisas, come e se levanta para entrar na fila para pagar a conta.
E um restaurante de autosserviço com televisão então? É o fim do mundo! Na verdade, antes disso, é uma subversão da ideia da alimentação como parte de uma certa cerimônia prazerosa em torno da comida e do comer.
Ás vezes, ao chegar a um restaurante ou outro lugar público, tento me postar de costas para a televisão, mas raramente isto dá certo, pois sempre há uma outra na parede oposta. E o pior é que as pessoas gostam dessa onipresença do outro, das notícias ruins, dos espetáculos dantescos, inclusive durante a comida ou do encontro com as amizades.
Como diria uma colega querida, um empobrecimento total das experiências gastronômicas e dos encontros!
Pode piorar
Mas, como sabemos, tudo que já está ruim pode piorar. E não que, agora, no prédio em que moro, no Recife, resolveram colocar uma destas televisões no elevador?
Ah! Justo no elevador, que me servia como um ambiente tranquilo, um entre-lugar da rua à casa, querem me oferecer informações e serviços que não pedi e que não preciso. Lá se foi o meu sossego ao chegar em casa! Pensei em usar as escadas, mas como desgraça pouca é bobagem, a minha geriatra me aconselhou a não descer nem subir escadas para não forçar os joelhos!
Resta-me encostar na parede do elevador, logo abaixo da coisa. Mas, e o espelho, que reflete aquilo tudo, o que fazer com ele?
A única vantagem disso tudo é que não preciso mais ficar fazendo cara de paisagem no elevador, pois ele não é mais espaço de constrangimento de pessoas desconhecidas ali comprimidas. Tá todo mundo olhando para cima, olhando o mesmo e esperando o fim do mundo, ou a próxima cotação do dólar.
Passamos a saber cada vez mais sobre alhures e cada vez menos dos nossos vizinhos. E assim caminha a humanidade desassossegadamente rumo à desumanização.
Luciano Mendes de Faria Filho é pedagogo, doutor em Educação e professor titular da UFMG. Publicou, dentre outros, “Uma brasiliana para a América Hispânica – a editora Fondo de Cultura Econômica e a intelectualidade brasileira” (Paco Editorial, 2021)
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Leia outras crônicas e artigos sobre educação e literatura na coluna Cidades das letras: Literatura e Educação no Brasil de Fato MG
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Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal