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A coluna Cidade das Letras: literatura e educação é mantida por Luciano Mendes de Faria Filho, que é pedagogo, doutor em Educação e professor  da UFMG, e por Natália Gil, que é pedagoga,  doutora e...ver mais

O direito ao sossego

Não há nada mais irritante para mim que um restaurante com TV

Por Luciano Mendes

Perto da minha casa, em Belo Horizonte, há um restaurante que frequento desde o final dos anos 1980. Essa longeva relação de amizade com o estabelecimento, permite conhecer os garçons pelo nome e assim também ser reconhecido, mas permite alterar ligeiramente certos pratos, pendurar a conta e até mesmo deixar o carro por lá depois de umas rodadas e (muitas) outras com as amizades. 

Mas não é tão somente por conhecer o pessoal ou por saber o gosto de boa parte dos pratos, que gosto de frequentar o tal restaurante. É que ele é um dos poucos lugares da região que resistiu à famigerada onda de colocar televisões em todas as paredes, como fez a grande maioria dos lugares onde tenho indo em Belo Horizonte e em qualquer outra cidade do país.

Não há nada mais irritante para mim em um restaurante do que ter que disputar a atenção das pessoas com as imagens, quanto não o som, das televisões. Nem mesmo um mal atendimento supera a isto!

E não é apenas a disputa pela atenção das outras pessoas. É quase impossível não ver a minha própria atenção capturada pelo movimento das imagens na tela. É um horror a falta de sossego!

Eu gosto de comer sossegado, sem atropelo. Por isso, nunca gostei de restaurantes tipo self-service, em que você chega, enfrenta a fila para se servir, abarrota o prato de mil e uma coisas, come e se levanta para entrar na fila para pagar a conta.

E um restaurante de autosserviço com televisão então? É o fim do mundo! Na verdade, antes disso, é uma subversão da ideia da alimentação como parte de uma certa cerimônia prazerosa em torno da comida e do comer.

Ás vezes, ao chegar a um restaurante ou outro lugar público, tento me postar de costas para a televisão, mas raramente isto dá certo, pois sempre há uma outra na parede oposta. E o pior é que as pessoas gostam dessa onipresença do outro, das notícias ruins, dos espetáculos dantescos, inclusive durante a comida ou do encontro com as amizades.

Como diria uma colega querida, um empobrecimento total das experiências gastronômicas e dos encontros!

Pode piorar

Mas, como sabemos, tudo que já está ruim pode piorar. E não que, agora, no prédio em que moro, no Recife, resolveram colocar uma destas televisões no elevador?

Ah! Justo no elevador, que me servia como um ambiente tranquilo, um entre-lugar da rua à casa, querem me oferecer informações e serviços que não pedi e que não preciso. Lá se foi o meu sossego ao chegar em casa! Pensei em usar as escadas, mas como desgraça pouca é bobagem, a minha geriatra me aconselhou a não descer nem subir escadas para não forçar os joelhos!

Resta-me encostar na parede do elevador, logo abaixo da coisa. Mas, e o espelho, que reflete aquilo tudo, o que fazer com ele?

A única vantagem disso tudo é que não preciso mais ficar fazendo cara de paisagem no elevador, pois ele não é mais espaço de constrangimento de pessoas desconhecidas ali comprimidas. Tá todo mundo olhando para cima, olhando o mesmo e esperando o fim do mundo, ou a próxima cotação do dólar.

Passamos a saber cada vez mais sobre alhures e cada vez menos dos nossos vizinhos. E assim caminha a humanidade desassossegadamente rumo à desumanização.

Luciano Mendes de Faria Filho é pedagogo, doutor em Educação e professor titular da UFMG. Publicou, dentre outros, “Uma brasiliana para a América Hispânica – a editora Fondo de Cultura Econômica e a intelectualidade brasileira” (Paco Editorial, 2021)

Leia outras crônicas e artigos sobre educação e literatura na coluna Cidades das letras: Literatura e Educação no Brasil de Fato MG

Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

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