A ministra do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Vera Lúcia Santana Araújo, umas das duas mulheres negras a integrar cortes superiores na história do Brasil, sofreu racismo no dia 16 de maio ao entrar num espaço da Advocacia-Geral da União, onde era uma das palestrantes.
A jurista é baiana e possui uma trajetória marcada pela advocacia popular e atuação no movimento negro. Advogada com experiência na Defensoria Pública, atuou nas áreas trabalhista, sindical e como procuradora de autarquias. No setor público, ocupou cargos de chefia jurídica e gestão. Participou de diversos conselhos e comissões voltados à justiça e aos direitos humanos, como a Comissão de Anistia Política e o Conselho Nacional de Combate à Discriminação. Atualmente, contribui com importantes discussões jurídicas e sociais, sendo também membra da Frente de Mulheres Negras do Distrito Federal.
A ministra Vera contraria as estatísticas há muitas décadas e este é um breve resumo de sua bela trajetória que, enquanto mulher negra, a torna ainda mais espetacular.
Ela precisou fazer muitas vezes mais do que brancos para conquistar isso e, ainda assim, sua importância e trajetória profissional não impediram que fosse vítima de racismo e, recentemente, preterida de cargos mais altos.
Defendida pelo Movimento Negro, Vera vem sendo cotada para as vagas do Supremo Tribunal Federal desde o governo Bolsonaro. No governo Lula, com a aposentadoria dos ministros Ricardo Lewandowski e Rosa Weber, seu nome foi bastante ecoado e reforçado pelos movimentos sociais, mas não o suficiente para superar as candidaturas de Zanin e Dino e assim, termos a primeira Ministra Negra no STF. Zanin foi nomeado ao STF com 47 anos. Teve uma carreira ordinária como advogado, tendo como ponto alto apenas a defesa do Presidente Lula frente ao incompetente juiz Sérgio Moro. Não militou, não escreveu livros, não inovou e hoje é um dos homens mais poderosos do Brasil.
Tudo isso para dizer que, episódios assim, para nós negros, nos rememora, que por mais que sejamos bons, por mais dinheiro que acumulemos, por mais que nos esforcemos ou movimentemos a sociedade, nunca estaremos imunes ao racismo, seja na disputa com um branco, seja frente a um guardinha, um policial ou qualquer um que use uma farda.
Quantas mulheres negras são destratadas diariamente, na ida e vinda de seus trabalhos, em lojas, em escolas, em delegacias?
Quantos jovens negros são violentados e assassinados no exercício desse mesmo micropoder que, hoje, sofre uma ministra do Superior Tribunal Eleitoral?
Essa desgraça aconteceu na Capital Federal, dentro de uma instituição pública que se propõe a ser defensora da Democracia, no Seminário Ética na Gestão, promovido pela Presidência da República! Ao saber do ocorrido, segundo a ministra Cármen Lúcia, o ministro da Advocacia-Geral da União, Jorge Messias, expediu ofício prestando solidariedade e prometendo providências.
Esperamos que essa atuação passe da página dois, pois a punição, ainda que individual, é educativa para toda a sociedade. E o racismo, ainda que estrutural e institucional, precisa ser combatido também nas relações individuais.
Toda a solidariedade à ministra Vera Lúcia, que é uma das mentes brilhantes do Poder Judiciário e hoje representa, para nós, a possibilidade de um mundo onde negras e negros em espaços de poder seja algo cotidiano.
*Nicolas Nascimento é advogado, servidor público e membro do Clube Social Negro de Brasília.
** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato DF.