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Uma carícia de Deus

"Francisco foi, e, talvez, ainda seja um farol pra um novo mundo. Um mundo menos apressado e mais afetivo."

Por Joel Martins Cavalcante*

Domingo, 27 de abril. Faz dias que o Papa Francisco partiu. Acordei tarde segunda-feira (21), feriado de Tiradentes. Minha irmã tinha me mandado um card às 5h da manhã — eu vi só às 7h, ainda com o rosto colado no travesseiro e os olhos embaçados. Não precisei ler muito. A foto em destaque já dava a notícia. Chorei. Morria ali um homem que foi, pra mim, uma carícia de Deus no mundo.

Francisco não era apenas Papa. Era um desses raros líderes que a gente olha e pensa: “Ah, então é possível.” Possível ser simples e grande ao mesmo tempo. Possível ser poderoso e não esquecer dos pequenos. Ele não governava com cetro, mas com abraço. Acolheu quem vivia à margem — os LGBTQIA+, as mães solo que criam o mundo com a força dos próprios braços, os crentes de outras religiões que, pela boca de Francisco, deixaram de ser ameaça e voltaram a ser irmãos.

Ele fez o Vaticano olhar pra periferia, falou de uma nova economia, que respeita o planeta e as pessoas, e fez da sua batina um símbolo de humildade, não de opulência.

Um jesuíta de espírito franciscano. Não à toa, escolheu o nome do santo de Assis para ser Papa.

Acessei alguns sites e depois liguei a TV. Os jornais do mundo inteiro falavam de comoção. Era bonito, mas também triste. A comoção deixava escancarada uma verdade cruel: líderes assim são raros. Francisco foi, e, talvez, ainda seja um farol pra um novo mundo. Um mundo menos apressado e mais afetivo. Menos dogmático e mais humano. Menos egoísta e mais solidário.

Pouco depois do tomar café e, ainda, triste, fui ao terreiro. Sim, hoje é o candomblé que me acolhe, embora o catolicismo ainda pulse em mim com vários de seus valores, ritos e santos. Quem me conhece sabe que religião, para mim, é um método para acessar e vivenciar o sagrado e cuidar das pessoas. E cuidar foi algo bem presente na vida de Francisco.

Ele passou por nós na forma de um Papa de voz mansa e passos leves.

A igreja católica é uma antes e será outra depois dele.

Alguém publicou em uma rede social que mesmo não sendo católico estava angustiado para saber quem seria o novo bispo de Roma. A voz do papa ecoa no mundo todo, não apenas para seus filhos e filhas na fé. Seu discurso interfere nas organizações, governos, movimentos. Francisco, inclusive, recebeu líderes de movimentos sociais de todo mundo.

“Digamos juntos, de coração: nenhuma família sem casa, nenhum camponês sem terra, nenhum trabalhador sem direitos, nenhuma pessoa sem a dignidade que o trabalho dá”, bradou o primeiro papa latino-americano.

O mundo segue sem Francisco. Mas com menos luz, sobretudo nesses tempos de tantos conflitos armados e discursivos, tempos que o ódio domina a política, tempos que a negação do outro virou normal.

Obrigado por tudo, Francisco.

*Joel Martins Cavalcante é professor de História da rede estadual de ensino da Paraíba e militante dos Direitos Humanos e do Movimento Brasil Popular.

**A opinião contida neste texto não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato Paraíba.

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