Cíntia Colares*
Sobre quando tentam me calar tentando retirar a relevância das reflexões que estou propondo, reflexões essas que reivindicam mudança no tom como se acham na liberdade de se dirigir a uma pessoa negra.
Aprendam a nos ler, pois seus herdeiros cada vez mais terão de aprender a nos ler nas escolas e na vida em sociedade que transcorre ao mesmo tempo para pessoas pretas e brancas.
Racismo não é um tema nosso, que vocês se dão ao direito de não falar sobre durante quase toda sua vida ou se dão ao trabalho de falar de vez em quando, como se nos fizessem favor.
Estudar racismo é bom pra escurecer as ideias sobre como não podem e não vão agir conosco se não quiserem amanhecer na cadeia, no que depender de nossas denúncias. Sabemos que a justiça tem cor, gênero e orientação sexual, mas temos aí alguns episódios de prisão de racistas para contar. Por enquanto contamos nos dedos, mas pode vir a ser você que entre para essa estatística me dando a alegria de precisar usar mais mãos para contar. E oito anos acho pouco para pensar em apologia a pedofilia, estupro e espancamento de mulheres. Quero ver bem alegre contando piadas na galeria e depois nos conte dando risada.
Ser antirracista não é favor, é o instrumento que vocês precisam aprender a manejar para o bem de vocês mesmo. Nós sempre estivemos no combate e já sabemos sobre vocês. Falta vocês conhecerem a nós. E conhecendo, ou não, a gente está aqui e anda tramando algumas ações para não aceitar mais o que vocês, seus pais, seus avós, bisavós, tataravós fizeram aos meus parabéns que vocês herdassem e mantivessem privilégios até hoje.
Você já se perguntou como sua família
enriqueceu?
As custas de quem e do quê?
O que faziam seus tataravós?
Alguns cínicamente me responderão:
Ah, mas não sou eles…
Não é, mas se beneficia até hoje do sistema que seus antecessores estabeleceram. Aliás eles imputaram e você mantém esse sistema desde que foi ensinado ainda criança a reproduzi-lo, cresceu, aprendeu a ver a vida em sociedade por seus olhos e opiniões, mas não agiu antes para desconstruir as violências e desigualdades que seus antecessores nos imputaram.
Essa desigualdade e essas violências nos batem até hoje e quem segura esse relho ou não fez nada para que os seus o baixassem foi você que nunca tem tempo para parar para pensar nessas questões “porque a agenda tá uma loucura”. Loucura é você ainda fazer parte dessa chaga social, dizer que não se dá conta e não sabe como resolver para parar de cometer esses crimes. Na falta de reflexão sobre esse tema, ainda ensinará aos que vierem depois de você a seguirem reproduzindo o racismo que você comete consciente ou não, seus pais já cometiam, seus avós e seus tataravós. Quando é que você vai fazer essa roda de violências parar?
Seu dinheiro e privilégios vem de longe.
E custaram a dignidade de nossas vidas.
Aliás, ainda custam.
Não há pauta mais atual do que a exploração dos meus pelos seus. Você herdou benefícios e os meus herdaram essa necropolítica que mira nos nossos corpos e nos caça antes mesmo de nascermos. E não nos permite sequer morrer com dignidade. Quanto mais usufruir da dignidade de existir sem ter que viver atravessado constantemente por luta, raiva e adoecimento mental nesse sistema planejado para nos adoecer até morrermos agonizando calados e acordamos pensando:
Mais um dia para correr o risco de tentar viver.
Vocês sabem que a realidade é cruel para nós e ainda assim fingem ser surpresa quando a gente fala. Então assim…a gente não está mais querendo explicar para vocês. A gente quer que o código penal lhes explique e encarcere cada vez mais racistas para que achem o tal tempo em suas agendas corridinhas para refletirem sobre as consequências que a lei nos garante que lhes sejam aplicadas por seus crimes.
Sou Cíntia Colares, a Flor de Lótus.
#Insubordinada
*Cíntia Colares (Flor de Lótus) é mulher preta cis, jornalista, poeta, tem ensaiado se expressar em crônicas e contos também. É coautora em coletâneas, antologias, revistas e sites de poesia, ativista no antirracismo, mãe solo de um adolescente negro, mora na periferia de Porto Alegre/RS.
**Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.