Os chamados direitos trabalhistas encontram marcação significativa no modelo jurídico brasileiro, guardando representação importante na Consolidação da Legislação Trabalhista (CLT), sob influência do varguismo, das Cartas de Lavoro (Itália), a Doutrina Social Cristã e na vinculação à Organização Internacional do Trabalho (OIT), tendo na Constituição Federal de 1988 a ratificação da pauta com expressa adesão ao seu conteúdo.
Nesse quadro, mesmo havendo uma pauta vigorosa para a defesa do trabalho, as diversas modificações para alteração nos contratos trabalhistas têm prevalecido sob a forma de legislações complementares, utilizando a narrativa de modernização, cujo significado associa uma tendência pela desproteção do trabalho, flexibilização e desregulamentação, com graves consequências para trabalhadores(as).
De forma simultânea, os poderes Judiciário e Legislativo enfrentam os debates acerca do trabalho, de forma coordenada ou não, havendo posicionamentos diversos sobre essa temática.
Sob essa influência mais liberal que protecionista, uma concretude faz-se presente na forma de compreender trabalhadores e trabalhadoras dentro de um conjunto de regras e leis que excluem a representação identitária desses agrupamentos, formando categorias de empreendedores ou trabalhadores por conta própria, verniz que desclassifica, ou seja, tenta retirar a condição de existência para se tornarem outra figura estranha de si mesmos, que não vive do próprio trabalho como condição inerente sua vida.
São exemplos dessa configuração a chamada pejotização e uberização, que funcionam na substituição do trabalho antes protegido e agora por conta própria, vivenciando um mundo de independência, liberdade e autonomia que representa processos de exploração mais acirrados e controlados pela lógica capitalista de custo zero para o capital e ônus total e precarização para trabalhadores(as).
Pensando no papel do Judiciário enquanto um dos intérpretes e aplicadores da legislação vigente, as relações de trabalho, nos termos da CLT, relação de emprego definido nesse dispositivo legal, tem como competência direta o julgamento dos seus litígios pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), locus, no entanto que não tem ocupado o papel para definição finalística sobre temas trabalhistas. Assim, assuntos como terceirização, pejotização, uberização e responsabilidade subsidiária chegaram ao Supremo Tribunal Federal (STF), muitas vezes por atuação do setor patronal em busca de alternativas que fujam de posicionamentos da Justiça do Trabalho, espaço da afirmação dos princípios e valores de proteção trabalhista. No principal, os questionamentos tratados na competência do STF têm base fundante na afirmação de que tais relações contratuais não representam trabalho no sentido clássico e baseado nos preceitos da subordinação jurídica trabalhista.
Em relação à uberização, é interessante notar que a Justiça do Trabalho, no âmbito das suas oito turmas do TST, tem um contexto de alto questionamento dessa temática, havendo divisão não definitiva naquele tribunal, sendo sintomático nos últimos tempos de qualificação nos debates, que existe um conjunto considerável de reconhecimento dos vínculos empregatícios para os trabalhos plataformizados.
Levado ao STF, o julgamento ganhou repercussão geral a partir do Recurso Extraordinário nº 1446336, gerando o Tema 1.291, que se encontra em fase de discussões e audiências públicas, onde a vertente de transparência, qualificação dos debates e pesquisas tem resultado em uma melhor reflexão acerca do julgamento, tendo pesagem razoável as novas formas de subordinação algorítmica e o controle digital mais eficiente e sofisticada, podendo resultar no reconhecimento de vínculo. Na seara trabalhista, os julgamentos têm sido suspenso pelo deslocamento da temática para o STF, reprimenda que identifica uma supressão de competência do tribunal laboral especializado, ressalvando que decisões fora dessa via ordinária têm redimensionado a força de proteção da Justiça do Trabalho e diminuído o caráter da legislação social.
Numa recente decisão sob os mesmos moldes de avocação de competência, o STF realizou julgamento do Tema n. 1.118 (RE 1298647/RG), com relatoria ministro Nunes Marques, acórdão em 15-04-2025, que trata da responsabilidade subsidiária da administração pública nos contratos terceirizados. As discussões na Justiça do Trabalho, após provocação dos trabalhadores terceirizados pelo não pagamento de direitos básicos, a exemplo de salários, férias, vale transporte/alimentação e recolhimento de verbas fundiárias (FGTS) e previdenciárias, obtiveram vitória e deferimento para responsabilizar a administração pública que, na sua maioria, não fiscalizou ou agiu sob intuito de vigilância no cumprimento dos pagamentos pela empresa intermediadora dos serviços. A decisão do tema 1.118 acrescentou nova dinâmica para os contratos dessa natureza, permitindo a desvinculação da responsabilidade patronal da administração pública, uma vez que não houve a notificação acerca das verbas trabalhistas não quitadas na origem da irregularidade.
A nova dimensão de exigência desfavorece trabalhadores e trabalhadoras num contexto de pulverização de empresas terceirizadas que gerenciam contratos com a administração pública, deixam de cumprir contratos trabalhistas e muitas vezes fogem de qualquer responsabilidade a partir dos pedidos de recuperação judicial. A mercê dessa disposição, o Estado busca maior eficiência na prestação de serviços públicos sob o império do baixo custo, mas não incorre na disposição já estabelecida na modulação da Justiça do Trabalho na concorrência do dever de fiscalizar e vigiar os contratos enquanto ônus obrigatório e preexistente em qualquer relação jurídica estabelecida, por um imperativo da moralidade, inclusive enquanto preceito básico de atuação estatal.
No âmbito do Legislativo, prenhe de dificuldades no avanço de pautas progressistas, o impacto do Projeto de Emenda Constitucional (PEC) 8/25, pelo fim da jornada de trabalho 6×1, proposição da deputada federal Erika Hilton (Psol-SP), surge de forma vigorosa no Congresso Nacional e na sociedade brasileira, redefinindo, após muito tempo, uma aceitação respeitável e relevante no contexto de alterações legislativas, prevalecendo reformas com redução dos direitos e garantias sociais.
A PEC 8/25 estabelece uma alteração significativa na qualidade de vida do trabalho, não à toa, a sustentação de mobilização a partir do movimento Vida Além do Trabalho (VAT), apoiada no fundamento de que a diminuição para a escala 4×3, jornada máxima de 36 horas, é fruto de uma visão moderna, impactadas pela visão de justiça social, saúde e segurança no trabalho. Naquilo que alinha forças políticas díspares no Congresso Nacional, inclusive com apoio de partidos de clivagem à direita, como o União Brasil, oposição majoritária às posições da proponente da PEC e muitas pautas do governo, a linha de simetria e concordância pode situar num discurso da modernização tecnológica. Para tanto, ganhos reais de produtividade do trabalho ensejaria menor tempo para execução das mesmas tarefas, justificando uma jornada de trabalho de 36 horas (escala 4×3), perfeitamente razoável quando já se passou 30 anos de existência da jornada oficial de 44 horas, nos moldes da Constituição Federal, sem que aos trabalhadores(as) significasse ganhos da modernização do trabalho.
*Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.