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Jorge Branco

Terras irredentas, espaço vital e Doutrina Monroe: o novo expansionismo de Trump

A expansão territorial sobre outros povos e nações é um axioma fundamental da ideologia fascista e da extrema direita

A expansão territorial sobre outros povos e nações é um axioma fundamental da ideologia fascista e da extrema direita, ainda que não seja exclusividade delas. A expansão territorial está baseada nos pressupostos da superioridade nacional, uma ideia imperialista e colonialista baseada na existência de um direito superior intrínseco às nações, tomadas por superiores, a despeito da insustentabilidade desta tese.

O fascismo clássico emerge na defesa deste conceito. A expansão territorial seria um direito natural derivado da superioridade das nacionalidades e do Estado fascista. Assim o fascismo italiano de Mussolini defendeu e executou a anexação colonial na África e a anexação nacional na Europa. Estas áreas o reacionarismo e nacionalismo italiano chamavam de áreas irredentas, territórios habitados por falantes do italiano que deveriam ser resgatadas e anexadas à nação italiana. Assim como o nazismo alemão falava em espaço vital e anexação de territórios de população de língua alemã. Em ambos os casos a expansão territorial baseava-se na necessidade de mais territórios para prover o povo e para unificar a nação¸ tido por eles como superiores. A ideia de “um povo, uma nação” sustentou a anexação de territórios à Alemanha e Itália, durante o período de hegemonia fascista no século XX.

O expansionismo moderno, por sua vez, está vinculado à ideia da ampliação da capacidade econômica e na proteção do modo de produção capitalista e a necessidade de acesso exclusivo ou autárquico a insumos essenciais, como combustível fóssil, terras raras, minerais e, mesmo, alimentos. Ainda que a financeirização radical, aberta na década de 1970, tenha feito parecer aos incautos que as estratégias imperialistas perderam relevância, esta não é a realidade factual do mundo contemporâneo. O imperialismo continua sendo decisivo para a manutenção da razão neoliberal.

A ocupação israelense do território palestino para a implantação de assentamentos de seus cidadãos, por exemplo, é uma expressão renovada do mais antigo dos colonialismos. A ascensão de Trump ao governo estadunidense dá conotações transparentes a essa estratégia neocolonialista, base do imperialismo moderno. Logo a seguir de sua posse, sinalizou a intenção de invadir a Groelândia e retomar o controle do Canal do Panamá. Agora lança o olhar para território brasileiro. Segundo o site DefesaNet, especializado em defesa e militaria com forte inclinação política de direita, “Diplomatas vinculados a setores republicanos dos Estados Unidos, diretamente associados ao núcleo político do presidente Donald Trump, vêm articulando informalmente com interlocutores brasileiros ouso irrestrito do Aeroporto de Fernando de Noronha e da Base Aérea de Natal, no Rio Grande do Norte”. 

Os argumentos importam menos para esses “interlocutores”, o que está em jogo é “a América para os americanos” – em uma espécie de ressurgimento da Doutrina Monroe – para o bloco no poder estadunidense e de soberania nacional para o Brasil. O valor geopolítico e militar destas áreas – brasileiras e panamenhas – é indiscutível, uma pois garantiriam uma posição militar privilegiada em relação ao Atlântico Sul, o que aumentaria a capacidade de intervenção e defesa fática sobre as riquezas da região. Também expressa uma intenção de interditar a ampliação de relações econômicas e políticas multipolares dos países sul-americanos e da Costa Atlântica da África. Somente para ficarmos no campo do petróleo e gás, a costa brasileira e africana (Angola já é um dos maiores produtores de petróleo do mundo) são de alto interesse para os EUA, em conflito latente com Rússia, China e União Europeia.

Temas como defesa, soberania e cooperação internacional sofrem de duplo mal no Brasil. De um lado são relativamente secundarizados pelo campo progressista, de outro lado são instrumentalizados ideologicamente pela direita. Os oficiais das Forças Armadas brasileiras, por exemplo, gastaram tanto de seu precioso tempo em fantasias como anticomunismo, golpes de Estado e “alinhamento” com os EUA que deslegitimaram a necessidade de se preparar para enfrentar o verdadeiro cobiçador das riquezas do Brasil. A cúpula militar se perdeu em hipóteses de emprego mais próximas de pirotecnias ideológicas, como guerras regionais contra a Argentina e Venezuela, enquanto dormia com o verdadeiro inimigo.

A política expansionista do Governo Trump não é uma anormalidade vinda do histrionismo de seu presidente. Trata-se de uma reação estratégica de uma economia em crise e que vê sua influência e sua indústria regredirem em influência global. Deve ser tratada com o devido reconhecimento de sua periculosidade e violência. O governo Lula deve reagir, com a devida tempestividade e altivez a essa hipótese, antes que se torne uma pauta efetiva. O controle sobre os territórios e riquezas de valor geopolítico é fundamental para a soberania do Brasil, assim como uma sinalização positiva para os demais países da zona do Atlântico Sul e o Sul Global. Não há direito algum que fundamente o expansionismo e o colonialismo dos países do centro capitalista.

* Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato. 

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