Encontrei um dia destes um compadre, que não me chama pelo nome. No interior, compadres se referiam um ao outro, sempre como compadre fulano, compadre beltrano. E quando iam conversar entre eles, um chamava o outro só de compadre.
Dava-se uma importância enorme aos compadres, às vezes mais do que aos irmãos. E com uma justificativa: irmão a gente não escolhe. Compadre era escolhido para ser padrinho do filho, ser o seu substituto em relação a ele, caso você batesse com as dez.
Esse amigo que encontrei manteve o costume de me chamar de compadre. E isso me fez lembrar de uma historinha que publiquei no meu primeiro livro de causos.
Trata-se do encontro de dois compadres, mas isso não é o principal da história. Tem outra coisa nessa historinha. Era um costume brincalhão dar a alguém um apelido que era exatamente o oposto das características do sujeito. Nessa minha historinha, um homem com um pescoço bem comprido tinha o apelido de Zé Pescocinho. Outro, magrelinho, tinha o apelido de Dito Peitudo.
Os dois eram compadres e um morava longe do outro. Um dia, o Zé Pescocinho estava viajando a cavalo e chegou ao sítio do compadre Dito Peitudo, onde iria dormir, para continuar a viagem no dia seguinte. Chegou às oito da noite, morrendo de fome. Mas tinha um problema: na roça, jantava-se cedo, porque às quatro horas da manhã já começava o dia de trabalho. Era hora de começar a tirar leite das vacas. Oito horas da noite já era hora de lavar os pés… Era um costume na roça lavar os pés para dormir.
Os dois começaram a conversar e o Dito Peitudo, que tinha jantado três horas antes, nem se lembrou que o Zé Pescocinho, devia estar com fome. E o Zé Pescocinho, como bom roceiro, tímido e cheio de educação, tinha vergonha de falar ao Dito que estava com fome.
A conversar foi prolongando, com o Zé Pescocinho morrendo de fome, mas sem coragem de falar isso ao compadre, e o Dito Peitudo morrendo de sono, também com vergonha de falar isso ao compadre. Chegou a um pondo que o Dito, dono da casa, não aguentou. Falou ao Zé Pescocinho:
— Compadre, ocê num qué lavá os pé pra dormi?
O Zé Pescocinho respondeu:
— Quero sim, compadre. Mas… Será que num faz mal lavá os pé de barriga vazia?