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Quanto custa não ter um sistema tributário progressivo?

Estudo mostra impacto da Tributação Progressiva sobre Heranças e Doações na arrecadação do Estado de Minas Gerais

Por Bruno Lazzarotti e Clarice Miranda

No Brasil, os estados são responsáveis pela instituição do imposto que incide sobre o recebimento de heranças ou doações de bens, imóveis e outros ativos. Nesse contexto, como apontou o jornalista Eduardo Cucolo, diversos entes resistem à determinação da Reforma Tributária sobre a progressividade na cobrança, mantendo uma alíquota única para o tributo. 

Assim, São Paulo, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Paraná, Roraima e Minas Gerais embora mencionados no debate sobre a progressividade do imposto, ainda não implementaram mudanças. 

Diante disso, um levantamento recente elaborado pelo Observatório das Desigualdades mostrou que o Estado de Minas Gerais, ao não instituir o previsto pela reforma, deixa de arrecadar quase R$ 700 milhões, valor que, segundo a análise, teria potencial para financiar políticas sociais e reduzir desigualdades.  

Tributação sobre Heranças e Doações (ITCD) 

Minas Gerais, assim como muitos outros estados possuem alíquotas abaixo do máximo determinado pelo Senado, ou seja 8%, e não aplica alíquotas diferenciadas para diferentes valores. O gráfico a seguir mostra o valor arrecadado em Minas Gerais, em 2022, em cada decil de recolhimento. 

Arrecadação acumulada do ITCD por decis de recolhimento – Minas Gerais, 2022
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Secretaria de Fazenda de Minas Gerais, 2021.

Esse resultado mostra que, no cenário atual do estado, com alíquotas proporcionais, grande parte da arrecadação vem das maiores transferências. Isso se deve à forte concentração no último decil de recolhimento, uma vez que, em 2021, 67,37% do total arrecadado tiveram origem nesse grupo de contribuintes.

Diante desse cenário, torna-se evidente a necessidade da utilização de alíquotas progressivas, de acordo com o patrimônio do contribuinte. Esse tipo de cobrança já é adotado por 15 estados brasileiros. Além disso, o levantamento analisou exemplos internacionais, evidenciando a desigualdade da alíquota aplicada no Brasil em comparação à média dos países da OCDE, que é de 30%, como mostra o gráfico.

Alíquota máxima do imposto sobre heranças- Países selecionados 2017


 Fonte: Fagnani (2018) 

Potencial arrecadatório do ITCD em Minas Gerais

Sob essa perspectiva, o estudo traçou três diferentes cenários para avaliar o potencial arrecadatório do ITCD em Minas Gerais, com o objetivo de estimar o impacto em comparação ao cenário atual. O primeiro cenário envolveu a aplicação de alíquotas progressivas dentro dos limites estabelecidos pela Constituição, em que apenas os dois últimos decis receberam a alíquota máxima prevista de 8%, enquanto nos demais, a alíquota de 5% foi mantida.

O segundo cenário consistiu na aplicação da alíquota média de 30%, que é a taxa aplicada nos países da OCDE. O último cenário combinou a utilização de alíquotas progressivas com a aplicação de alíquotas mais altas.

Potencial arrecadatório do ITCD a partir dos dados de Minas Gerais, 2018.
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Secretaria de Fazenda de Minas Gerais, 2022

Diante disso, o estudo apontou que, caso o Estado de Minas Gerais aplicasse as alíquotas progressivas dentro dos atuais limites constitucionais, como mostrado no primeiro cenário, seria possível aumentar a arrecadação do imposto em quase 50%. Isso resultaria em um acréscimo de 689 milhões na receita do estado, onerando apenas os 20% maiores contribuintes, com um aumento de 3 pontos percentuais na alíquota aplicada a eles.

Alíquotas progressivas são adotadas por 15 estados brasileiros

Já nos cenários em que os limites constitucionais fossem alterados, seguindo os padrões internacionais, seria possível quintuplicar a arrecadação no caso do primeiro cenário, ou até aumentar em 10 vezes a arrecadação, no caso do terceiro cenário, em que se aplicariam alíquotas maiores e progressivas.

Taxar para combater a miséria 

Mais do que um simples exercício de imaginação política, o estudo nos convida a refletir sobre a perspectiva heterodoxa das limitações nos gastos públicos. 

Se o Estado adotasse o cenário proposto pelo trabalho, geraria uma arrecadação adicional de quase R$ 690 milhões, em valores de 2022, o que representaria um acréscimo de 47% em relação ao que foi efetivamente arrecadado naquele ano. 

Isso contesta a narrativa amplamente difundida de que o Estado carece de recursos e de que seria inviável financiar políticas públicas consideradas não essenciais.

O estudo, em sua conclusão, segue essa mesma linha de raciocínio e aponta que, embora esse valor seja pequeno em termos agregados, representando apenas 0,62% do total de gastos liquidados pelo Estado de Minas Gerais em 2022, essa receita adicional seria suficiente para cobrir o total de despesas na função ‘Assistência Social’, que não ultrapassou os R$ 200 milhões em 2022.

Deste modo, pensar os tributos progressivamente ultrapassa a lógica da justiça tributária e permite, por exemplo, mais que triplicar os recursos do Fundo Estadual de Assistência, sendo um importante mecanismo para o combate das desigualdades.

Bruno Lazzarotti é professor e pesquisador da Fundação João Pinheiro, coordenador do Observatório das Desigualdades e doutor em Sociologia e Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Clarice Miranda é discente do curso de Administração Pública da Fundação João Pinheiro, integrante do Observatório das Desigualdades e servidora da Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais.

O Observatório das Desigualdades

O Observatório das Desigualdades, criado em agosto de 2018, é uma parceria entre a Fundação João Pinheiro (FJP) e o Conselho Regional de Economia de Minas Gerais (Corecon-MG). Somos um projeto de extensão do curso de Administração Pública da FJP que busca contribuir com o debate informado sobre as diferentes faces da desigualdade social, os mecanismos que as produzem e reproduzem e as formas de enfrentá-la, difundindo e tornando mais acessível o conhecimento sobre o tema.

Leia outros artigos do Observatório das Desigualdades em sua coluna no  Brasil de Fato MG.
Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

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