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Escrita pelo artista Rhudá, a coluna revela fissuras do colonial e gestos de resistência do cotidiano, atravessando antirracismo e capacitismo ao mostrar que nenhuma luta se faz isolada. Aqui a art...ver mais

Ser alguém que é contracolonial não significa ser contraditório

A violência colonial não age só no superficial, mas também no corpo

A ambiência de não cabresto em doses contrárias ao elitismo egoico dos privilegiados (qual me insiro e tento me livrar) é um peso, mas enquanto a maioria da população está vivendo seu sobrevivencialismo ganhando seus trocados para viver, destino socialmente aqui minha breve opinião.

Contraditório é assumir ser transitório e assumir privilégios

Não posso iniciar um texto sem falar a linguagem do povo. Ter ares academicistas para se comunicar com o mundão é vão quando enxergar a verdade apenas nas teorias das coisas formais – para além de se tornar um chato e pedante – é contrariamente proporcional ao valorizar o intelecto da sabedoria popular, berço de tudo e suas consciências universais. É clássico ver que o vinho rosé em mesa farta espiritual ou literal é o mais valorizado em soberania pelo status do que fomos ensinados a valorizar o que é de fora ao contrário do simples que enxergam, ao crédito que dão e que deveríamos dar ao nosso vinho de jatobá, cria das bandas de cá.

A importância contracolonial é uma deixa evidente, embora use aqui de propriedades fundadas em coisas que existem na “Matrix” ou teses e falas de pessoas que tentaram subvertê-la de algum modo, grafadas e em teorias que rondam a sociedade pelo academicismo ou populismo da sabedoria, pois nem todos tiveram aptidão financeira ou chance de ler qualquer coisa. Livros são caros, carros são caros e o tempo é escasso como o cansaço depois de um dia de trabalho, no qual só se precisa de coisas conteudistas que aliviam a dor do peso do fazer grana em coisas que geralmente não se gosta, que geralmente se odeia para subsistir.

É assim o controle

Quanto mais desordem, menos educação em um lugar-território, qual um dia virou república representativa e posteriormente em caos social, esgoto e madeirite.

A crítica é que a maioria que tenta remediar essas condições maléficas da impureza das relações de poder está em busca de mais proporcionalidade frente aos seus privilégios pessoais para apropriar-se em mais dinheiro e poder. Mas um fato óbvio, e é claro que existem pessoas boas, minoritárias, embora a corrupção os ronde todos os dias ao tentar desviá-los dos seus propósitos humanitários: eis a máquina pela máquina, além do passo psicológico maquiavélico que se esconde dentro de cabeças de alguns que se acham salvadores e santos quais nunca vamos poder ler de fato intencionalidades para com a causa social e o amor por ela.

Bem, isso foi um desabafo, no paralelismo, mas voltemos ao assunto principal qual não adentrei ainda.

O assunto que irei abordar é um assunto que tem correlações, peço uma brecha, logo explicarei os pontos e como não exato, sou caótico, neurodivergente e cosmonauta psicológico e peço atenção, um perdão se não houver fechamento de ciclo como tese, minha função é provocar pensamentos e nunca tê-los em mãos como domador especista de comportamentos dos leões ou ovelhas de circos-círculos sociais nos quais tudo é pelo aplauso também, usando de violência ou apelos de intimidação no estar certo em verdades ao impor com chicotes metafóricos a vileza do estar cristalizado em suas verdades absolutas.

Os chicotes literais passaram, mas para a maioria da população, o cancão é quem pia no que é sobreviver, chicotes invisíveis, só restando apenas perspectiva neoescravocrata em um mundo ruído e poluído majoritariamente em quase tudo.

Assunto

Ser contraditório é ser humano e isso não significa que eu cometa ferimentos em mim, por inconsciente insistência ou estar fadado a uma hierarquia de melhoria social.

Vivemos socialmente de joelhos diante do louvar o que achamos, o que enxergamos que o que é deter intelectualização, que se difere de intelectualidade, sapiência e sabedoria, coisa para outro tema, enfim.

Diplomas, títulos, cargos me brocham, pois os detentores das “formas pomposas” de mais passabilidade social são venerados pela admiração, pelo privilégio que já lhes foram dados desde o berço. Riquezas essas oriundas de muito sangue nas mãos, oriundas do véu escravocrata em sua maioria no passado, e mesmo que não, vemos os privilégios rondarem em seus fenótipos na aceitabilidade social, por mais que venham de “origem sem plata”.

Sim, branquitude, eis o privilégio

Infelizmente, o status é visto como portador da verdade, enquanto quem aprendeu na luta, no terreiro, na roça, na cozinha, no corpo, na arupemba, quase nunca é reconhecido como produtor de saber.

Esse desequilíbrio não é acaso, é caso: eis o fruto de um projeto histórico que sempre colocou os saberes do povo de cor e originário como abissal, como se fossem apenas práticas sem autociência, apenas tradição que contempla o que enxergam de inocência, mas sem enxergar reflexão.

Etnocentrismo

Quando olho um irmão de cor me chamando de doutor na rua ao pedir um trocado, um cigarro, sinto esse peso do abismo

O que se esconde discursivamente em apagamento é que tudo do que a humanidade sabe hoje nasceu justamente desses conhecimentos: da plantação equilibrada, da colheita, do tempo de espera, dos saberes não imediatistas, das ervas de poder, dos ritmos que embalam a música do mundo estrondosamente, dos tambores, dos arcos, pois quando olho um irmão de cor me chamando de doutor na rua ao pedir um trocado, um cigarro, sinto esse peso do abismo.

Os modos de resistência mantiveram comunidades vivas apesar da violência colonial, nosso olhar para retomar o que nos foi tirado está em processo de mudança, apagamento, mas resiste.

O diploma, o seu canudo pode legitimar o saber diante da lei dos homens adaptados à vileza da vida, mas não é ele que constrói as bases da justiça soberana.

A balança da justiça opera

O chão da comunidade ensina que os ombros dos mais velhos respeitam o apertar de suas mãos de quem aprendeu fazendo sua função de sombreiro.

Problemas existem, é o que mais existe

Quando a cor conquista essa ocupação que nos foi tirada, a branquitude ainda exige prova de legitimação, porque não basta saber: é preciso justificar, negociar, explicar e se impor, obviamente falo para quem precisa desse papel.

A branquitude que aceita o lugar em que a pessoa de cor e pobre é idealizada de bom grado por fetichismo ou por ver sempre a história de superação, a ideia do American Dream é uma piada má, mas isso aqui não é América, a América é uma invenção assim como o Brasil e devemos rever nossos nomes, mas eis outro assunto para depois.

Os títulos não apagam a cor da epiderme nem o peso da estrutura racista, apenas criam queloides ruins na lembrança, de um rito de passagem pesado.

Herbert Spencer e sua penca de anjos caídos vão arder, eu profetizo.

O academicismo continua cobrando coisas translúcidas que nunca existiram, alvas mais que a neve, porque quem dita as regras do que é “científico” ainda se curva a quem colonizou.

Decolonialidade x contracolonialidade

Sim, estamos mais próximos dos zeros da miserabilidade do que do bilhão e isso realmente importa quando nos sentimos impotentes ou precisamos sair mais da caixa ao entender que a vida é unicidade sinônimo de viver essência?

Há maiores perigos quando a soberania dos saberes populares são elevados e transformados em objeto para consumo de usurpação.

Quando a sabedoria do povo passa a ser chamada de “doce e inocente” para diminuir sua importância, quando nossas dores viram diagnósticos psiquiátricos gélidos, quando nossos rituais, de forma geral, matinais ou fútil, são transformados em estética para o olhar da branquitude.

Essa captura vira silêncio, mas tem efeitos profundos: antes, a força comunitária, agora a noia mercadológica e não julgo quem faz sua vida usando disso sabendo que eles estão metendo fita, roubando e procurando tal coisa, já é outro leque de contrariedade sobrevivencialista e uma resposta de humanidade ao abraçar semelhantes.

É quando nasce tal populismo de fachada, o antirracismo performático.

E isso não significa que eu tenha que me submeter ao ponto de ser didático em antirracismo, mas quando o amor é cego ao transpassar vontade de melhorar o mundo, a gente meio que acaba querendo agradar e aceitando quase tudo.

Há a apropriação das palavras certas, das roupas certas, até dos símbolos de resistência, mas sem mudar a estrutura que oprime nada vale, querido “aliado”.

A cultura minoritária é consumida como moda, mas não verdade histórica.

Somos ensinados a aceitar que sentir é fraqueza e que nossa dor é disfuncional, que nossa tristeza é patologia, brutal, agressiva.

É o fetiche dos ricos: eles querem o som do atabaque, mas não querem ouvir o grito dos antepassados que bateram em nosso couro; querem a comida de terreiro, mas não querem lembrar do chicote que caiu sobre mucamas libertárias.

Essa apropriação, ilusão de inclusão, na verdade só reforça as hierarquias. E a crueldade é que muitas vezes validamos esse processo, achando que a maioria é aliado de fato, como se fosse honra ver nosso saber exposto num mostruário, isso não nos pertence.

A violência colonial não age só no superficial, mas também no corpo.

Somos ensinados a aceitar que sentir é fraqueza e que nossa dor é disfuncional, que nossa tristeza é patologia, brutal, agressiva.

Essa forma de medicalização do sofrimento é outra face do controle: transformar a emoção em doença, a revolta em distúrbio, a saudade em melancolia clínica, para caímos na psiquiatria pós-moderna e intoxicar pílulas robóticas e esquecer o contato com nossas curas ancestrais. O corpo guarda a memória.

O corpo sabe do cansaço dos anos de escravização, do peso de carregar mundos nas latas de água na cabeça, na resistência que se mantém mesmo quando tudo parecia longe e perdido.

Esse corpo é campo de batalha, mas também é território de sabedoria.

O corpo não branco foi usado, explorado, descartado e jogado em favelas, mas ainda assim é nele que pulsa a sobrevivência.

E não romantizo a pobreza.

Resistir é também cuidar desse corpo, é entender que a saúde não é só ausência de dor, mas também a persistência de memória, de comunidade, de espiritualidade.

Não se trata de odiar pessoas brancas, tampouco de negar as relações possíveis com elas, políticas também quando se é de rocha um aliado.

Trata-se de reconhecer que o desenvolvimento do amor e a convivência não anulam a estrutura.

Podemos xaxar juntos, mas não podemos esquecer a política da sobrevivência que exige vigilância constante.

A história não se apaga com afeto; ela se transforma com consciência e luta.

Muitos ainda esperam que sejamos eternamente gratos pela etiqueta, obedientes e subservientes pela civilidade, como se nossa função fosse servir e servir.

Mas a vida exige outra postura: exige consciência e que saibamos quando estender as mãos, quando retirar o corpo.

É preciso distinguir apoio verdadeiro de interesse colonial. É preciso manter os olhos abertos para não cair nas armadilhas do falso acolhimento.

Ponto central: a revolta.

Não a revolta cabresta, mas a revolta lúcida.

Aquela que sabe de onde veio, que se reconhece na memória do sangue derramado, que olha para frente com firmeza.

Revolta abre a roda, e pede licença, que não aceita lugar de subalternidade, que reivindica a dignidade tomada de assalto.

Essa revolta é também esperança.

Nasce da certeza de que não somos apenas vítimas: somos sobreviventes, somos cria e criadores, somos portadores de um futuro que não cabe nos moldes tais.

É a revolta que transforma silêncio em palavra, submissão em gesto, dor em força.

E é também a revolta que nos lembra que estamos vivos. Que, apesar de tudo, seguimos inteiros.

Que não nos deixamos reduzir a objetos de funcionalidade, mas afirmamos tal cada passo que somos pessoas plenas, com direito de existir sem justificativa.

Lágrimas de gente branca de culpa por não me convencer a passar pano para racismo e outras frentes de controle não me iludem mais.

Ser político como sobrevivência, entender, mas não entregar suas fraquezas.

Referências pinceladas e abertas

  • Bispo dos Santos, A. (2015). Colonização, Quilombos: modos e significados
  • Bento, C. (2022). O Pacto da Branquitude. Companhia das Letras
  • Fanon, F. (1952). Peau Noire, Masques Blancs
  • Kilomba, G. (2008). Memórias da plantação
  • hooks, b. (1992). Black Looks: race and representation
  • Lorde, A. (1984). Sister Outsider
  • Césaire, A. (1950). Discours sur le Colonialisme
  • Krenak, A. (2019). Ideias para Adiar o Fim do Mundo
  • Potiguara, E. (2004). Metade Cara, Metade Máscara

*Rhudá tem 29 anos, nasceu em Corumbá (MS), radicado em Parahyba aos quatro anos de idade é um escritor-poeta, performer, cantautor, instrumentista e artista visual.

**A opinião contida neste texto não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato .

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