Não sou eu dizendo agora o que venho dizendo faz tempo. É Celso Amorim, experiente analista internacional, reconhecido dentro e fora do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva: “Nunca vivi num mundo tão perigoso. Há ameaça de um conflito global. Estamos falando da sobrevivência da humanidade”, em entrevista ao Brasil247.
A vontade é de não ligar a televisão ou o rádio, ou entrar na internet de manhã cedo.
Escrevi um poema em 1976, há 49 anos, publicado no livro de poemas Em mãos, com a seguinte homenagem: “Aos companheiros e companheiras do DCE e Diretórios Acadêmicos da PUCRS, gestão 75/76, e a todas(os) estudantes que ainda gritam, pensam e participam”. Hoje, junho de 2025, a dedicatória vai para as companheiras e companheiros cetistas, do Centro de Treinamento para a Ação (CETA), e ao Movimento dos Peregrinos, surgidos e acontecidos nos anos 1970/1980, e que se (re)encontraram nos anos 2020 via WhatsApp e há poucos dias, de forma presencial, na casa de Luís Inácio Gaiger.
Os poetas eram subversivos, segundo registro da Secretaria da Segurança Pública do Rio Grande do Sul (SSP-RS): “Sigla de origem: DCI SSP RS. Data: 15.04.77. Sigilo C. Número do ACE: G0072747. Assunto: Livro de poesias denominado Em mãos. Texto. Estão sendo vendidos exemplares do livro de poesias de vários autores, o qual traz conteúdo ideológico com tendência esquerdista. Antecedentes subversivos de elementos envolvidos na elaboração do citado livro, bem como pessoas ligadas a eles. Constam dados de qualificação.”
Segue o relato da SSP-RS encaminhado para os órgãos da ditadura militar, em especial a Polícia Federal e o Serviço Nacional de Informações (SNI): “Confidencial. Estado do Rio Grande do Sul – Secretaria de Segurança Pública – Administração Superior – Departamento Central de Informações – Porto Alegre, 15 de abril de 1977. Exemplares do livro de poesias denominado Em Mãos, de autoria dos escritores Humberto Guaspari Sudbrack, Umberto Gabbi Zanatta, Dilan D´Ornellas Camargo, José Eduardo Degrazia, Selvino Heck, Cesar Pereira, juntamente com outros elementos que se uniram a este grupo, entre os quais Sérgio Conceição Faraco, Horácio Goulart, Paulo Kruel de Almeida, Suzana Kilpp, Aldir Garcia Schlee e Airton Aloísio Michels, estão sendo vendidos na Livraria Miscelânia, sita nos altos do Mercado Público. A apresentação é de Tarso Fernando Herz Genro, elemento pertencente à organização subversiva Ala Vermelha do PCdoB. O seu lançamento oficial seria na sessão de autógrafos, na Praça da Alfândega. O livro em questão traz conteúdo ideológico, com tendência esquerdista, daí se pode presumir tendo em vista a apresentação de Tarso Fernando Herz Genro” (Selvino Heck, em OS POETAS SUBVERSIVOS DO ‘EM MÃOS’, RECID, 05.12.2012).
As coincidências da vida fazem-se presentes. Enquanto escrevo esta coluna-artigo, recebo mensagem de Luís Augusto Fischer, cetista e dos Peregrinos, hoje professor de literatura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e baita escritor, autor da orelha do Em Mãos II, com foto do primeiro Em Mãos e seus autores, então jovens e bonitos: ”Com esta dedicatória histórica – a data é da cassação do Marcos Klassmann, nosso vereador, que dava maioria para o então MDB na Câmara Municipal de Porto Alegre.”
E Fischer envia cópia da minha dedicatória no livro em 1977, mais que atual: “A ti, Fischer, ainda que num dia trágico, mas que não nos abate, em teus e nossos ideais de liberdade, e por tua amizade, por seres companheiro na luta, ofereço Em Mãos a vida de um povo que quer aprender a falar e com o qual estamos comprometidos, na esperança de uma manhã transparente, de um mundo novo, de um continente verdadeiramente humano, justo e fraterno. Um abraço amigo do Selvino. POA, 15.02.77.”
O poema de ontem, e no qual assino em baixo hoje.
A MANHÃ VAI CHEGAR
A manhã há de chegar,
eu sei.
Com ventos e tempestades,
mas vai chegar.
E vai habitar
nas curvas do homem e da mulher,
nas esquinas do mundo,
nas circunstâncias da história.
E vai resplandecer o povo
com seu frescor,
sua claridade e ternura.
E vai armar o povo de palavras.
Vai proclamar a liberdade
e expulsar o medo.
A manhã vai chegar,
sem fantasmas,
sem fomes, sem mordaças.
O povo sairá nas ruas,
unirá as mãos
e a bandeira da liberdade,
finalmente,
vai drapejar no continente.
A manhã há de chegar,
eu sei.
Bate a dúvida, no entanto, em junho de 2025, ante tudo o que está acontecendo: guerras, ameaças à paz e à democracia, crise climática, violência. E o que, previsivelmente, ainda está por vir. Escrevi na metade dos anos 1970, “a manhã vai chegar”. Hoje, digo/escrevo/profetizo: a manhã será a médio e longo prazo. É preciso, ‘ninguém soltando a mão de ninguém’, alimentar a esperança e a utopia de uma sociedade do Bem Viver.
**Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.