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Comida e transporte são estratégicos?

É comum ouvirmos a expressão estratégico associada a algo insubstituível ou que venha a ter muito poder e recursos no futuro

É comum ouvirmos a expressão estratégico associada a algo insubstituível ou que venha a ter muito poder e recursos no futuro.

Alguém consegue viver sem comida e sem transporte?

Por que então colonos e motoristas não tem o tratamento e o reconhecimento merecido, nem no 25 de julho, data comemorativa destes profissionais estratégicos?

Os motoristas comemoram sua data no 25 de julho, em homenagem ao santo do dia, São Cristóvão, padroeiro de todos os motoristas e viajantes, data oficializada em 1968 pelo Decreto nº 63.461.

Segundo a Igreja Católica, “São Cristóvão carregou o menino Jesus, simbolizando o peso do mundo em seus ombros, o que o tornou um protetor daqueles que enfrentam desafios em suas viagens”. A interpretação faz sentido.

Entre a categoria dos motoristas temos profissionais em diferentes atividades e situações, com representações sindicais ou de categorias diferentes.

Não cabe e nem consideramos neste contexto os motoristas de seus veículos automóveis particulares inclusos na categoria de trabalhadores.

O Ministério do Trabalho, ao final de 2024, registrou aproximadamente 124 milhões de veículos automotores no Brasil, entre os quais 63 milhões de automóveis, a maioria veículos particulares, porém grande parte atuando em aplicativos de entregas e de passageiros.

Estão registradas 74 milhões de carteiras de motorista, tendo ocorrido um crescimento de 38% na última década. Entre quais motoristas profissionais houve o maior crescimento? E onde houve redução de profissionais?

Segundo a Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran), nos últimos 10 anos, houve uma redução de 20% de motoristas profissionais, reduzindo de 5,5 milhões para 4,4 milhões.

Se os profissionais de aplicativos, tanto de entregas como de passageiros está crescendo muito, qual categoria de motoristas está reduzindo?

Em relação à falta de motoristas de ônibus, há reconhecimento oficial, inclusive afetando a possibilidade do aumento do transporte coletivo.

Em condição similar estão os caminhoneiros (transportadores de cargas).  Segundo o Presidente da Federação das Empresas de Logística e de Transporte de Cargas (Fetransul), esta redução realmente ocorre muito fortemente entre os motoristas de caminhão, já trazendo impacto no deslocamento rodoviário de cargas, que representa 64,8% do transporte de cargas. E tem motivos: desvalorização da profissão, com pouca renovação da categoria, hoje com idade média de 53,5 anos e 40% com mais de 60 anos; baixa remuneração e condições de trabalho, poucos postos de parada com boa infraestrutura de descanso e banheiros, aspecto que também afasta uma participação maior das mulheres; elevado custo das CNHs nas categorias C, D e E, que pode chegar a R$ 5.000.00, entre outros.

O Serviço Nacional de Aprendizagem de Transporte (SENAT) desenvolve o Programa “Mais Motorista”, oferecendo gratuitamente capacitação  a novos motoristas, incluído a mudança da CNH. Oferece 6351 vagas, sendo 451 no RS. É pouco.

Segundo o CEBRAP (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), no Brasil existem 2,2 milhões de motoristas de aplicativos, incluindo 455,6 mil entregadores. Entre 2022 e 2024 houve um aumento de 35% para os motoristas e 18% para os entregadores.

Há grande redução de motoristas de caminhões e ônibus e enorme aumento de motoristas de aplicativos

Os ganhos dos motoristas de aplicativos variam entre R$ 3.000,00 e R$ 4.400,00 mensais, sendo que para 58% esta é a sua renda única. Além de trabalho extenuante, geralmente com longas jornadas, seu ganho é pouco, inclusive considerando que necessitam usar seus próprios veículos.

Mais um papel estratégico fundamental, nosso e dos motoristas. Como já vimos, os combustíveis fósseis, especialmente o diesel e a gasolina, a nível mundial, são os principais emissores dos gases de efeito estufa. São os combustíveis dos instrumentos de trabalho dos motoristas. Combustíveis que precisam ser substituídos pela transição energética, da qual os motoristas precisam participar, para o quanto antes terem veículos muito menos poluentes e melhores.

E a comida? 70% do que vem às nossas mesas vem da agricultura familiar, diz o Conselho Federal de Nutrição (CFN).

70% dos alimentos de nossa mesa vêm da agricultura familiar

E onde tudo começou? Em 1840, a Alemanha vivia uma crise econômica terrível, especialmente na região do Hunsrück, na Renânia. O Rei do Brasil estimulou a vinda dos alemães oferecendo terras gratuitas e pagando empresas privadas para trazê-los. Ou morrer de fome na Alemanha ou ir para o novo Mundo. Aqui chegando as terras gratuitas oferecidas pelo Império eram florestas ocupadas por indígenas, dos quais tiveram que conquistar as terras, expulsando-os. Triste e equivocado começo. Se o Brasil, como outras nações, tivesse feito um desenvolvimento integrando os indígenas com seu conhecimento milenar e sustentável, teríamos outro mundo bem melhor.

Em 25 de julho de 1824 chegaram à Feitoria Linha Cânhamo, hoje São Leopoldo, os primeiros 39 imigrantes alemães, sendo este o ponto de partida da imigração alemã no Brasil, vindo a ser o dia do colono. O seu modo de produção agrícola deu origem à agricultura familiar, hoje praticada por brasileiros de diferentes etnias em pequenas e médias propriedades.

Hoje o dia 25 de julho está vinculado à agricultura familiar. Em 24 de julho 2006, a Lei 11.326 estabeleceu as diretrizes para a formulação de políticas para a agricultura familiar;

Em 2014 a FAO reconheceu o 25 de julho como dia mundial da Agricultura Familiar

Em 2014, Organização das Nações Unidas (ONU) para Alimentação e Agricultura (FAO), reconheceu o 25 de julho como dia mundial da agricultura familiar. Em 2018 a Lei 14828 institui a Semana da Agricultura Familiar.

Em 2024 a Lei 14828 amplia as ações da Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Rurais. Entre as políticas federais destaca-se o Programa Nacional de fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), que oferece apoio financeiros para os agricultores melhorarem sua produção.

Hoje temos no Brasil aproximadamente 4 milhões de estabelecimentos da agricultura familiar, 77% dos estabelecimentos agropecuários, em apenas 23% da área total da agricultura, e emprega 10 milhões de pessoas. O Anuário Estatístico da Agricultura Familiar de 2023 reconheceu que a produção brasileira da agricultura familiar é a oitava maior produção de alimentos do mundo.

A agricultura familiar brasileira é a oitava maior produção de alimentos do mundo

A agricultura familiar já pratica formas de produção bastante sustentáveis. Pode melhorar ainda mais com as práticas agrícolas amplamente reconhecidas pela COP21, em Paris, em 2015, e que o Brasil está implantando com o nome de ABC – Agricultura de Baixo Carbono -, para produzir ainda mais e melhor, gerando menos gases de efeito estufa.

A agricultura familiar já tem práticas diversificadas e bastante sustentáveis, com biodiversidade e saberes históricos. Garante segurança alimentar e inclusão social.

O mundo continua praticando grandes transformações tecnológicas, incluindo a Inteligência Artificial (IA), estratégicas para o futuro. Se usadas eticamente e incluindo avanços sociais, poderão auxiliar a produção de alimentos e o transporte, mas continuarão precisando de colonos e motoristas e de suas histórias.

*Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.

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