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Arquiteta e urbanista, doutora e docente no curso de Arquitetura e Urbanismo da UFPE. Pesquisadora do Observatório das Metrópoles - Núcleo Recife.

Do orgulho ao sucateamento: o paradoxo do metrô do Recife

É ilusório achar que uma empresa privada irá, por si só, melhorar o serviço de mobilidade. Seu objetivo principal será sempre o lucro

A tecnologia do sistema ferroviário é uma das mais antigas da mobilidade. Se considerarmos o trem a vapor, sua invenção data de aproximadamente 1804, no Reino Unido. Nas bandas de cá, parte do sucesso da história do estado de Pernambuco vem de sua ousadia e articulações políticas ao implantar, em 1885, a segunda ferrovia mais antiga do Brasil. De forma impactante, ela conectava o interior agrícola à capital, alcançando impressionantes 180 km de extensão.

A história parece um verdadeiro delírio se comparado à realidade que temos no século 21, em que a conexão ferroviária entre o litoral e o interior do estado é de zero (!) quilômetros. Quanta diferença — e retrocesso — em pouco mais de um século. Um apagão na infraestrutura de transportes nos atinge há décadas. Esquecemos completamente que o sistema ferroviário, juntamente com o VLT (veículo leve sobre trilhos), é um dos que menos poluem e menos dependem de combustíveis fósseis.

Pois bem, o que nos aguarda no metrô do Recife, o MetroRec? Acabamos de receber a notícia de uma resolução da Casa Civil do Governo Federal autorizando a concessão pública do sistema metropolitano da RMR. Em outras palavras, o metrô do Recife — que nasceu durante a ditadura como símbolo de excelência e progresso e que há anos vem sendo sucateado — deverá ser entregue diretamente à iniciativa privada.

Claro que muita coisa ainda pode mudar, como o próprio Governo de Pernambuco reconhecer a importância estratégica da ferrovia e do metrô, tanto para a competitividade econômica do Estado quanto para a melhoria da qualidade de vida dos pernambucanos. No contexto neoliberal brasileiro, é difícil imaginar um cenário diferente — apesar de o Metrô do Recife, quando recebia investimentos adequados, ter funcionado tão bem que deixava um inglês com inveja, sobretudo nas décadas de 1980 e 1990.

E é justamente das bandas de lá que trago um alento, uma outra visão — repito, no século 21 — sobre o trato do sistema metroferroviário. A partir de maio de 2025, o Reino Unido iniciou a reestatização de todo o seu sistema ferroviário, que havia sido privatizado em meados da década de 1990. A previsão é que, até 2027, toda a rede esteja de volta à gestão pública. Todas as operações serão assumidas pela nova estatal Great British Railways.

De acordo com a reportagem que consultei para escrever esta coluna, a secretária de Transportes Heidi Alexander afirmou que a reestatização das operações ferroviárias colocará fim a “30 anos de fragmentação”. Pausa para reflexão: pelas palavras da secretária, havia uma fragmentação. E certamente essa fragmentação contribuiu para o fracasso dos serviços “privatizados”.

Fica a dica para qualquer gestor da mobilidade: quando falamos de mobilidade, a máxima deve ser rede, conjunto, cooperação, complementação — jamais fragmentação ou competição.

Aliás, gestores da mobilidade nas esferas governamentais do Brasil: é urgente a ampliação da rede metroferroviária de todas as capitais brasileiras. É isso que deveríamos estar debatendo — e muito! — neste momento, no Recife. E não sobre sua (ou não) privatização.

Sem planejamento em rede, sem novas operações integradas, sem subsídios públicos e sem um ambiente de revolução tecnológica e de governança, uma suposta privatização não nos salvará do caos que estamos criando na mobilidade do dia a dia na Região Metropolitana do Recife.

É ilusório achar que uma empresa privada irá, por si só, melhorar o serviço de mobilidade. Que o digam os aplicativos, quando a demanda está alta ou chove muito. Seu objetivo principal será sempre o lucro — e não a boa prestação de um serviço público essencial.

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