Com estreia marcada para o feriado de 1º de maio em todo país, Homem com H, a cinebiografia de Ney Matogrosso, conta a carreira do artista que desde criança enfrentou autoridades. Em entrevista ao Conversa Bem Viver desta quarta-feira (30), o diretor Esmir Filho recorda que antes e depois da ditadura militar, Ney Matogrosso foi alvo de censura, ou pelo menos de tentativas.
“Muita coisa foi censurada do Ney, mesmo após o AI-5. Ainda estavam censurando capas de disco porque ele mostrava o corpo dele. Umas fotos lindas…”, afirma.
O longa conta a atuação de Jesuíta Barbosa no papel de Ney Matogrosso, além de nomes como Rômulo Braga, Bruno Montaleone e Jullio Reis, que integram o elenco.
Para Esmir Filho, “Um filme se chamar Homem com H é muito forte”, lembrando que a escolha se deu por conta da música de mesmo nome. Para o diretor, a letra da canção, somada à interpretação de Ney Matogrosso, mostra que é possível “ser homem com qualquer letra”.
“Pra mim é quando ele subverte a coreografia do masculino, a imposição do gênero masculino, cheio de normas, que a gente aprende as masculinidades, a gente aprende a feminilidade”.
“Em uma sociedade que às vezes nos encaixam em lugares, o Ney saiu dessa caixa”.
Confira a entrevista na íntegra
Qual Ney Matogrosso vamos conhecer no filme?
Olha, quando eu recebi o convite para escrever e dirigir essa obra, eu recebi liberdade para escolher um recorte também.
Porque não cabe a vida inteira de um biografado. No filme eu tive que fazer um recorte, só que eu não sabia por onde eu ia dar início.
E nesse livro de memórias do Ney, eu vi uma coisa muito bonita. Logo no primeiro capítulo, quando ele fala, “eu sempre reagi ao autoritarismo”. Aí ele conta um pouco do pai dele, que foi militar, o Sargento Mato Grosso.
Logo diz: “a maior autoridade que eu já enfrentei na vida foi o Sargento Mato Grosso, meu pai.”
“E tudo o que eu fiz, todas as escolhas, principalmente no início, para me tornar um artista, eu fiz para contrariar a vontade dele”.
Então, para mim, esse era o ponto de partida no filme. Eu entendi que o recorte tinha que ser toda essa figura de autoridade que começa com o pai, vai para a censura, depois para a ditadura, para a imprensa, depois para mil lugares que quiseram controlar ou censurar o Ney e ele foi lá e disse “não, eu vou fazer desse meu jeito, eu vou ser quem eu sou, eu sou quem eu desejo, eu tenho direito de expressar essa minha verdade”.
Nenhuma figura de autoridade, nem a que mais reprimiu ele, conseguiu prendê-lo ou conseguiu colocá-lo em alguma caixa.
Você acredita que o filme pode causar um efeito parecido no público de reencontrar esse passado duro da ditadura militar que o Brasil enfrentou?
Diferentemente de Ainda Estou Aqui, que possui um recorte bem específico de uma época, nosso filme começa no ano de 1949, precisamente com Ney aos oito anos, e ele vai até os anos 1990.
Então, a gente vai passar pela ditadura sim, mas a gente vai falar de tantas outras figuras de autoridade, repressão que a gente teve por várias, várias épocas também.
Por exemplo, quando a gente chega nos anos 1980 e 1990, falando sobre a epidemia de Aids… pessoas que foram vítimas de preconceito, de estigmas, entendeu? Que também são figuras de controle, também foi um modo de censura.
Muita coisa foi censurada do Ney. Mesmo após o AI-5, ainda estavam censurando capas de disco, porque ele mostrava o corpo dele. Umas fotos lindas…
A gente pode dizer que Ney Matogrosso conseguiu vencer e superar todas essas censuras que ele enfrentou ao longo da carreira. Mas acho que teve algumas que ele teve mais dificuldade, outras que ele fez com pé nas costas.
O que o Ney ensinou para o Brasil? Ou melhor, o que o Brasil foi capaz de aprender com o Ney frente a toda essa transgressão?
Eu acho que por mais que a gente ainda esteja em volta de muita caretice, o Ney foi capaz de subverter o comportamento masculino.
Um filme se chamar Homem com H é muito forte. “Eu sou homem com H e com H sou muito homem”. E eu sou assim e faço desse jeito. Eu rebolo, eu danço, eu me expresso e eu posso ser esse homem.
Pra mim é quando ele subverte a coreografia do masculino – a imposição do gênero masculino, cheio de normas – que a gente aprende as masculinidades, a gente aprende a feminilidade.
Em uma sociedade que às vezes nos encaixam em lugares, o Ney saiu dessa caixa. Acho que ele abriu portas para todos do mundo artístico e de muitos lugares para poder expressar a sua sexualidade, o seu gênero, a sua forma.