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‘Agronegócio é o inimigo número um do Brasil’, defende pesquisador

Livro de Luiz Marques discute impactos do setor e alternativas viáveis

“O agronegócio é o inimigo público número um da sociedade brasileira”. Essa tese é defendida pelo professor e pesquisador Luiz Marques, em sua mais recente obra, Ecocídio: Por uma (agri)cultura da vida, lançada pela editora Expressão Popular. 

No livro, ele, que também é colaborador do departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas  (Unicamp) e co-fundador do curso de pós-graduação em história da arte da mesma instituição, discute como o setor impacta negativamente nos biomas brasileiros e tem se apropriado economicamente das receitas do país.

“Além de degradar o meio ambiente, cada vez mais, o agronegócio vampiriza o Estado brasileiro, de maneira a garantir que os lucros sejam garantidos. Eles também não pagam imposto de importação, nem de exportação, não pagam coisa nenhuma e são mega subsidiados”, explica, em entrevista ao Conversa Bem Viver

Diante desse cenário, Marques também discute um conjunto de iniciativas que apontam para a superação do atual modelo. Todas elas, na avaliação do pesquisador, passam pela mobilização intensiva da sociedade. 

“Eu não tenho a menor ilusão de que uma transição para fora do agronegócio venha de qualquer governo. Terá que vir da sociedade. O MST é um modelo positivo de agricultura. O Brasil tem, ao mesmo tempo, esse modelo positivo e o modelo mais negativo do mundo, que é o agronegócio. A sociedade brasileira tem que optar exatamente entre o modelo positivo e o modelo negativo”, enfatiza. 

Confira a entrevista completa:

Brasil de Fato: Por que precisamos entender a dinâmica do agronegócio no Brasil? Quais são os principais impactos do setor no país?

Luiz Marques: O Brasil é o país mais rico do mundo em termos biológicos e nem todos os brasileiros têm consciência desse fato, de que, de alguma maneira, nós somos o centro do mundo no sentido da biosfera.

Desde o começo do século 21, foram definidos 17 países chamados de países megadiversos, ou seja, que têm a maior quantidade de espécies endêmicas, que só existem naquele lugar, naquele território. O Brasil é o primeiro país do mundo em termos de quantidade de espécies endêmicas. É uma riqueza enorme e, para ter uma ideia, o segundo lugar vem bem depois. E nós estamos descobrindo novas espécies todos os anos. Além disso, se você pegar essa lista de 17 países, cinco deles são amazônicos.

A Amazônia é uma região extraordinariamente estratégica do ponto de vista da nossa capacidade de sobreviver no planeta. Sem Amazônia, sem água, por exemplo. Muita gente ainda não entende que a Amazônia é a grande doadora de água para o Sul, por meio daquilo que comumente é chamado de rios voadores.

A Amazônia emite para a atmosfera uma quantidade tão grande de vapor de água que ela retira do solo, na medida em que faz a evaporação, transpiração e fotossíntese, que é maior do que a quantidade de água despejada no oceano pelo Rio Amazonas. E é essa fonte de água, de umidade, que permite que haja agricultura no Brasil. Não só agricultura, permite também que haja hidroelétrica e que nós possamos nos abastecer de água.

Em 2014, nós estivemos por um triz, com uma falta absoluta de água no sistema. Nós estamos destruindo a Amazônia de uma maneira, assim, absolutamente vertiginosa e fulminante.

Para você ter uma ideia, só de desmatamento completo, que chamamos de desmatamento por corte raso, que significa a eliminação completa da floresta e substituição daquele território por pastagens ou por soja, nós já desmatamos mais de 20%, o que equivale a mais ou menos 870 mil km quadrados da floresta que existia quase de forma integral até 1970. Então, um elemento que precisamos entender é a magnitude, mas o outro ainda mais importante é a velocidade dessa destruição.

Essa velocidade é o que faz com que a própria floresta não tenha condições de se adaptar. Isso falando apenas da destruição completa. Se você pegar a degradação da floresta, a extração seletiva de madeira, abertura de picadas, de pequenas estradas, exposição da floresta às bordas que agora estão recebendo insolação que não recebiam antes, você tem mais ainda Amazônia degradada do que a área da Amazônia suprimida.

Isso faz com que a Amazônia esteja à beira daquilo que é chamado o ponto de não retorno. Algumas regiões da Amazônia, exatamente aquelas que foram mais devastadas pelo agronegócio, já passaram do ponto de não retorno. Ou seja, é muito difícil agora que, mesmo que você não retire mais nenhuma árvore de lá, haja recuperação. Porque ela já está evoluindo em direção a uma transição para um sistema não florestal ou de uma floresta não típica equatorial, como nós tínhamos até agora.

Outras regiões ainda estão a caminho dessa situação. Mais de 90% do desmatamento da Amazônia é para abertura de pastagens. É o agronegócio especificamente o grande responsável por isso.

Os incêndios na Amazônia são gigantescos e estão aumentando cada vez mais. No ano passado, não apenas na Amazônia, no Brasil todo, houve mais de 300 mil km quadrados de incêndios no Brasil. Pense que o estado de São Paulo tem 248 mil km quadrados.

99% dos incêndios no Brasil são de causa humana. Não é porque caiu o raio. É porque efetivamente houve um incêndio provocado. E quem que provoca esses incêndios? Basicamente, o agronegócio

Um outro elemento que é muito importante lembrar é o seguinte: as emissões de gases de efeito estufa no Brasil que promovem o aquecimento global. O Brasil é o quarto país do mundo, se você retirar a União Europeia, emissor de gás de efeito estufa. Quem é que emite 75%? O agronegócio. Seja porque desmata e põe fogo, seja porque o rebanho de gado no Brasil é hoje da ordem de 230 milhões de cabeças. Tem mais gado no Brasil do que gente. É o maior rebanho do mundo. E esse gado bovino são ruminantes que, quando fazem o rúmen, emitem metano.

O metano é um gás de efeito estufa ainda mais poderoso que o CO2. Embora ele fique menos tempo na atmosfera, é mais poderoso. O Brasil tem uma grande oportunidade, se transitarmos rapidamente para uma agricultura genuína, que produz alimentos e não apenas commodities, como faz o agronegócio.  

O agronegócio não produz comida, produz commodities, que são objetos para o mercado externo, cujos preços são fixados na bolsa de mercadorias, nas transações e especulações de derivativos futuros. Não tem nada a ver com a comida que você ou eu colocamos na mesa.

Quem produz comida no Brasil é o pequeno proprietário rural, gente como os militantes do Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que está próximo do consumidor, e não que pega 150 milhões de toneladas de soja e manda para o outro lado do planeta. 

Como podemos superar o atual modelo do agronegócio?

Eu não tenho a menor ilusão de que uma transição para fora do agronegócio venha de qualquer governo. Terá que vir da sociedade. Os governos só vão agir se houver uma pressão muito mais forte do que nós que temos hoje, no sentido de exigir uma mudança política nesse sentido.

Se olharmos para o Congresso Nacional, mais da metade dos deputados pertencem à agropecuária. Basicamente, são grandes fazendeiros. Não tem ilusão tola em achar que do Congresso Nacional pode vir alguma medida no sentido de nos tirar dessa situação crítica.

O governo Lula, que é muito mais progressista do que os governos anteriores, ainda assim está na mão do agronegócio. O Brasil, só em renúncia fiscal, ou seja, em imposto que ele deixa de cobrar, são R$ 158 bilhões por ano em favor do agronegócio. 

Depois, eles ficam chorando e dizendo que nós temos um problema de déficit fiscal e não podemos isentar as pessoas que ganham até R$ 5 mil do Imposto de Renda. O Brasil é o único país do mundo, junto com a Estônia, que não cobra imposto de distribuição de lucros das empresas, porque considera isso bitributação. É a lógica de que a empresa já pagou e, portanto, o dono da empresa não precisa pagar pelo lucro que ele recebeu. 

Será que só o Brasil e a Estônia estão certos? O resto dos 194 países estão errados? Em síntese, existe uma situação em que o Brasil está levando o agronegócio nas costas, o que é o contrário, inclusive, do que o agronegócio diz.

O agronegócio diz que leva o Brasil nas costas, mas é exatamente o contrário. Nós estamos efetivamente financiando o agronegócio e o subsidiando. Isso acontece não só porque eles têm muito poder. O Brasil é um dos países com maior concentração de terras do mundo. Mas o problema não é só porque eles têm poder, mas porque hoje o agronegócio já é economicamente inviável, por causa da questão climática.

A quantidade de secas, inundações, picos de calor, tempestades de areia, etc, fazem com que a atividade do agronegócio hoje já seja de alto risco, com quebras de safra, diminuição das expectativas de safra, etc.

Por isso, cada vez mais, o agronegócio vampiriza o Estado brasileiro, de maneira a garantir que os lucros sejam garantidos. Eles também não pagam imposto de importação, nem de exportação, não pagam coisa nenhuma e são mega subsidiados. 

Qualquer que seja o governo, estou falando do Lula porque agora é o Lula o governante, não há condições políticas de romper com o agronegócio, a menos que convoque a sociedade para apoiá-lo. Mas eu não estou vendo o Lula fazer isso. 

267 deputados votaram a favor do PL da Devastação. Para que o congresso possa derrubar o veto do Lula, basta 257 votos. Portanto, eles têm 10 votos a mais, o que lhes garante a possibilidade de derrubar o veto. É uma situação extremamente complicada.

Ou seja, temos um governo completamente refém de um congresso dominado e bancado pelo agronegócio.

Existe esperança diante desse cenário? Quais caminhos podem ser traçados? Precisamos olhar para o MST como um exemplo?

O primeiro congresso nacional do MST foi em 1985. É uma organização social popular que tem 40 anos e resistiu durante sua história aos mais terríveis ataques, calúnias e processos de repressão policial. Mesmo assim, o movimento está crescendo. 

Precisamos entender a importância de organizações populares, não apenas o MST, mas o movimento é um modelo que deu muito certo. É um modelo que evoluiu muito. O MST começou apenas como uma reivindicação de terra. Hoje, ele está falando em alimentação saudável, capacidade de fazer uma agricultura sem agrotóxico, etc. Isso é uma grande conquista da sociedade brasileira. 

O MST é um modelo positivo de agricultura. O Brasil tem, ao mesmo tempo, esse modelo positivo e o modelo mais negativo do mundo, que é o agronegócio. A sociedade brasileira tem que optar exatamente entre o modelo positivo e o modelo negativo. E isso não vai acontecer se a sociedade brasileira não se mobilizar nesse sentido.

Conversa Bem Viver

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