Apesar de parecerem absurdas, teorias da conspiração têm um forte apelo popular e se disseminam com velocidade nas redes sociais. Para a professora e pesquisadora Ana Regina Rêgo, criadora da Rede Nacional de Combate à Desinformação (RNCD), a atração por esse tipo de narrativa está ligada a fatores emocionais, afetivos e sociais, e ninguém está completamente imune.
“Questões da vivência e da convivência desse mundo não estão ao alcance de todos, e, portanto, algumas questões ficam em aberto, e pessoas, ao verem uma teoria que se encaixa e explica alguma complexidade do mundo contemporâneo, terminam, por valores, crenças ou ideologias, acreditando em algumas teorias que são verdadeiramente absurdas”, afirma. “Todos nós estamos disponíveis para acreditar naquilo que queremos acreditar, não apenas a extrema direita“, ressalta.
Segundo ela, essas teorias, que oferecem explicações simples para problemas complexos, encontram terreno fértil entre pessoas que se sentem desamparadas ou incompreendidas. “Elas vêm para suprir uma necessidade emocional de alguém que não consegue justificar porque não consegue ter algum sucesso financeiro na vida ou evoluir, e se apega em determinadas teorias, encontra os culpados. […] E aí criam-se verdadeiras seitas em que as pessoas saem por aí conspirando e matando”, explica.
Rêgo diz que, embora carreguem desinformação, as teorias conspiratórias são diferentes das chamadas fake news por apresentarem uma narrativa mais coesa e elaborada, muitas vezes com forte carga simbólica. “Trazem diretamente esse confronto entre dúvida e verdade, que é o que move efetivamente as inquietações da ciência”, indica.
Um exemplo marcante é a teoria da Terra plana. “Apesar de absurda, ela tem uma coerência interna. Existe todo um complô global, que envolveria a NASA e a mídia, para esconder a suposta verdade de que a Terra é plana”, conta. Os chamados “terraplanistas” usam mapas antigos, se dizem baseados em ciência e alimentam uma rede própria de conteúdos para justificar a teoria. “Em 2018, 11 milhões de brasileiros acreditavam nessa teoria”, relata.
Algoritmos e comoção pública
A pesquisadora ressalta que essas crenças ganham força nas redes sociais, onde bolhas de informação e câmaras de eco reforçam certezas prévias, a partir dos algoritmos. “Uma desinformação possui uma potência 70% maior do que uma informação para viralizar. […] Ao se apropriar das estratégias disponibilizadas pelas plataformas digitais, em suas redes sociais, os desinformadores ou conspiradores ganham em volume e velocidade narrativa, chegando a um maior número de pessoas do que uma informação factual”, compara, citando uma pesquisa do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), de 2018.
Conspiracionistas também exploram temas sensíveis, como a infância, para criar comoções. Ela menciona o movimento QAnon, por exemplo, que se baseia na ideia de que há uma rede internacional de pedófilos infiltrada na política e na cultura pop, e a conspiração sobre o chamado “kit gay” nas escolas, usado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) na campanha presidencial de 2018, além das teorias negacionistas durante a pandemia de Covid. “Isso bate nas pessoas, no ponto da ética da pessoa, de proteção a essa infância”, pontua.
A internet ampliou o alcance dessas teorias, e não raramente elas transbordam para o mundo real com consequências violentas, como no caso do Pizzagate, nos Estados Unidos. A conspiração promovida por apoiadores do presidente Donald Trump, em 2016, que afirmava que Hillary Clinton e outros democratas mantinham crianças como escravas sexuais em um restaurante de Washington. O local passou a ser alvo de ameaças e ataques, inclusive de um atirador. “Uma teoria da conspiração pode nascer num ambiente concreto e ir para o virtual e voltar enquanto violência”, alerta Rêgo.
Para ela, o antídoto não está em ridicularizar os que acreditam, mas em restabelecer o diálogo e o contrato de credibilidade com a sociedade. “Precisamos ouvir para saber por que acreditam e como podemos restabelecer o contato da leitura, da credibilidade”. Em relação ao jornalismo, ela enaltece iniciativas de verificação de fatos, mas pondera que elas precisam alcançar, de fato, a população.
Para ouvir e assistir
O BdF Entrevista vai ao ar de segunda a sexta-feira, sempre às 21h, na Rádio Brasil de Fato, 98.9 FM na Grande São Paulo. No YouTube do Brasil de Fato o programa é veiculado às 19h.