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Moda e medicamentos emagrecedores reforçam culto à magreza extrema, diz pesquisadora

Para Aliana Aires, apesar de avanços das últimas décadas, padrão nunca saiu de cena e tem adoecido gerações de mulheres

A volta da magreza extrema como padrão de beleza está longe de ser apenas uma moda passageira. Na avaliação da professora de Moda da Universidade Federal do Piauí (UFPI) Aliana Aires, esse fenômeno está diretamente ligado ao fortalecimento de um mercado multibilionário que lucra com o medo de engordar e com a obsessão por um corpo magro, especialmente no caso das mulheres.

“O corpo magro e anoréxico foi colocado em evidência como um corpo entendido como saudável, o que não é verdade”, diz ao BdF Entrevista, da Rádio Brasil de Fato. Segundo Aires, a indústria da moda, a medicina e a cultura do consumo se uniram para reforçar esse padrão, que está presente desde os anos 1920, mas se intensificou nas décadas seguintes com o surgimento das passarelas e da publicidade moderna.

A pesquisadora destaca que o modelo de beleza dominante, jovem, magro, branco e saudável, nunca saiu de cena, mesmo nos momentos em que a moda buscou maior diversidade. “Nunca foi dominante ser gordo, negro ou ter outro tipo de corpo. Esses são movimentos marginais, periféricos”, afirma.

Apesar dos avanços conquistados pelas mulheres nas últimas décadas, como a entrada no mercado de trabalho e as lutas feministas por autonomia e igualdade, o corpo segue sendo um território de controle e opressão. Para Aires, a exaltação da magreza extrema funciona como um novo mecanismo de aprisionamento feminino, ainda mais perverso por se disfarçar de escolha pessoal ou autocuidado.

“É mais da mulher do que do homem essa atribuição de ser magro. Isso tem a ver com um controle sobre o corpo feminino, sobre a mulher, que historicamente sempre foi controlada, mas ganhou independência no mercado de trabalho, conquistou o feminismo, mas novamente o corpo é um aprisionamento”, observa. A exigência de um corpo dentro dos padrões sociais é, segundo ela, mais uma forma de disciplinar e restringir a liberdade feminina, mantendo-a em constante vigilância sobre si mesma.

A disseminação de medicamentos como o Ozempic e o Monjauro, inicialmente receitados para diabetes, mas popularizados pelo efeito da perda de peso, acentuou essa tendência. “Essas drogas emagrecedoras dão uma ideia de que as pessoas podem agora emagrecer e finalmente se encaixar, então elas não precisam mais se aceitar”, aponta. “A obesidade é uma doença que alimenta um mercado extenso. As pessoas têm medo de engordar, e isso alimenta um circuito de produtos extensivos. É muito dinheiro”, critica.

Saúde em segundo plano

Ela lembra ainda como o padrão da magreza extrema já foi romantizado com estéticas como o heroína chic, popular nos anos 1990, que celebrava corpos doentes e enfraquecidos. “A condenação ao corpo gordo foi tão intensa que se passou a cultuar um corpo de aparência doente, com dependência química. Há uma deturpação total”, ressalta.

Aires acredita que, embora movimentos como o body positive e as redes sociais tenham ajudado a dar visibilidade a outros tipos de corpos, o padrão de magreza extrema, de tempos em tempos, sempre volta. E o preconceito permanece. “Uma pesquisa mostrou que uma pessoa magra tem 65% mais chances de ser efetivada no emprego do que uma pessoa gorda. São dados alarmantes”, destaca. O estudo do Grupo Catho, feito em 2005, teve a participação de mais de 31 mil executivos brasileiros.

Segundo ela, os transtornos causados por essa cultura vão desde a dismorfia corporal até quadros graves de anorexia e bulimia. Por isso, reforça, é essencial que a moda retome o compromisso com a diversidade. “É preciso que as marcas voltem a apresentar imagens de corpos gordos. Esses corpos continuam existindo, porque esses medicamentos auxiliam, mas não são a cura para a obesidade”, pontua.

Para ouvir e assistir

BdF Entrevista vai ao ar de segunda a sexta-feira, sempre às 21h, na Rádio Brasil de Fato98.9 FM na Grande São Paulo. No YouTube do Brasil de Fato o programa é veiculado às 19h.

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