No Brasil, os aplicativos de namoro movimentaram mais de R$ 310 milhões em 2023, segundo a plataforma Statista. Mas, por trás dos lucros e promessas de conexão, cresce também o cansaço emocional: muitos jovens da geração Z têm abandonado os apps, citando superficialidade, insegurança e frustração. Para a antropóloga Larissa Pelúcio, professora da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e autora do livro Amor em tempos de aplicativos, o desgaste tem raízes mais profundas, inclusive, políticas.
“Uma pessoa que está dentro das perspectivas hegemônicas de beleza, de comportamento, formação, provavelmente, dentro dos aplicativos, vai ter mais possibilidades de ser escolhida e de poder escolher. E os nossos likes vão reiterando também essas exclusões”, diz Pelúcio ao BdF Entrevista, da Rádio Brasil de Fato. Segundo a pesquisadora, os algoritmos operam com base em padrões hegemônicos de desejo, reforçando privilégios de raça, classe, gênero e aparência. “Esse desejo não é livre e só seu: foi construído politicamente, culturalmente, historicamente”, completa.
Pelúcio vê ainda que há uma insatisfação, especialmente entre mulheres, que hoje têm uma elaboração mais fina sobre os afetos, impulsionada pela popularização do pensamento feminista nas redes. “Os homens têm sido, sistematicamente, historicamente socializados numa pedagogia emocional da escassez, de não falar sobre os seus sentimentos, de silenciar muito sobre si mesmo, de naturalizar seus desejos, de entender os seus privilégios como algo biológico ou que está na ordem do divino. Já as mulheres têm tido muito mais tempo histórico para essa elaboração [emocional] e do pensamento feminista”, observa.
Capitalismo emocional
Para Pelúcio, os aplicativos participam da constituição de subjetividades e operam dentro de uma lógica de mercado. “O capitalismo emocional sempre teve na sua estrutura mais sólida a desigualdade e no seu discurso mais sedutor a liberdade”, aponta.
Assim, embora os aplicativos vendam a ideia de que é possível conhecer qualquer pessoa a qualquer hora, nem todos têm acesso às mesmas possibilidades de escolha, moldadas pelos algoritmos.
Ainda assim, ela acredita que é possível subverter a lógica dominante. “Podemos hackear isso, às vezes de maneira até não planejada. Não tem nenhum momento da história que não haja essa tensão entre a norma e aquilo que a desafia”, avalia.
A antropóloga lembra que o modelo de amor romântico já carregava exclusões antes mesmo da era digital. “O amor romântico alimenta essa coisa do acaso, do único, como se não precisássemos de todo mundo para ter uma relação bacana”, critica.
Para ouvir e assistir
O BdF Entrevista vai ao ar de segunda a sexta-feira, sempre às 21h, na Rádio Brasil de Fato, 98.9 FM na Grande São Paulo. No YouTube do Brasil de Fato o programa é veiculado às 19h.