As redes sociais têm sido palco para discussões sobre a ideia de um “movimento pardo”, à parte do movimento negro. Para o historiador Jeovane Adodi e a pesquisadora Bruna Santiago, que participam do BdF Entrevista, da Rádio Brasil de Fato, nesta terça-feira (19), o debate é mais uma forma de fragilização da luta contra o racismo. Frente à necessidade de ampliar as discussões e fortalecer a história e o papel do movimento negro no Brasil, Adodi e Bruna ministraram uma aula sobre pardismo e colorismo, proposta pela página Pretitudes.
“A necessidade de abordar essa questão e a forma como observo tudo isso é porque a questão do pardo e das identidades negras e indígenas têm sofrido apagamentos. Quando a gente se propôs a discutir pardismo no curso, quando a gente fala de pardismo, estamos falando de um fenômeno social e histórico no Brasil que vai promover esses apagamentos, seja pelo Estado brasileiro, através do Censo, ou pela forma como coleta os dados da população brasileira, nessa lógica de apagamento das identidades indígenas e negras”, diz Adodi.
Segundo o historiador, a palavra “pardo” chega ao Brasil trazida pelos europeus para designar os indígenas. Posteriormente, ela aparece no censo de 1872, juntamente com preto, branco e caboclo. “[O pardo] vai acabar diluindo essas identidades e promovendo uma certa confusão também na mentalidade da população, criando esses apagamentos. E é importante a gente pensar nisso, porque essa palavra por si só, sozinha, não dá conta politicamente de entender a realidade dessas pessoas negras mais claras, ou dessas pessoas indígenas que não estão aldeadas, ou que ainda estão em processo de reconexão com o seu povo”, diz.
Para Bruna, o resgate histórico das ações do movimento negro no Brasil é de extrema importância, visto que o apagamento ainda está em curso e que a geração atual “perdeu um pouco de vista do debate dentro da luta política”. Há pelo menos cinco décadas, esse movimento vem lutando pela união entre pessoas pretas e pardas em busca da identidade negra e conquistando marcos importantes em relação às políticas afirmativas.
“A gente está falando do neoliberalismo que captura identidades para desmobilizar politicamente essa juventude. Então, quando a gente fala com pessoas mais jovens, a gente percebe uma falta de conhecimento histórico da luta negra no Brasil e de como a gente chega a uma categoria política negra”, defende.
A pesquisadora pontua que a atratividade dos novos discursos acerca do “movimento pardo” se dá pelo “senso de pertencimento”. “É uma lógica neoliberal latente. Você é individualizado, sua dor não é coletiva, não é mais política. Então, se a ação do movimento negro, em determinado momento histórico, foi de ampliar e unificar, uma leitura da mestiçagem é uma ampliação total que também não dá direito a uma força política dos movimentos. Afinal, todo mundo é mestiço. Sendo todo mundo mestiço, de que modo a gente luta por direitos?”, questiona.
Colorismo
Em seus conteúdos nas redes sociais, Adodi reforça a identidade das pessoas negras, especialmente as de pele clara, que muitas vezes são deslegitimadas pelo racismo, e aborda os desafios do colorismo.
“Tenho me preocupado em reforçar não só a minha identidade negra, mas também em pensar a identidade negra nas pessoas mais claras. Houve uma discussão muito equivocada sobre colorismo no Brasil, promovendo rixas entre pessoas negras num lugar de ressentimento, que é inclusive um dos motivos que permitiram a volta desse discurso de orgulho pardo, que não é um discurso novo, mas sim de orgulho mestiço. Daí a importância de pensar a identidade negra como uma identidade política”, destaca.
Para ouvir e assistir
O BdF Entrevista vai ao ar de segunda a sexta-feira, sempre às 21h, na Rádio Brasil de Fato, 98.9 FM na Grande São Paulo. No YouTube do Brasil de Fato o programa é veiculado às 19h.